Capítulo 5

"Ela olha para fora através do vidro espelhado

Ela vê um belo cavalo e um cavaleiro passarem

Ela diz: 'Aquele homem vai ser a minha morte,

Porque ele é tudo que eu sempre quis na minha vida'"

(Emilie Autumn Shalott)


Durante a aula, John permaneceu pensativo. Precisava imaginar uma forma de abordar Steven para combinar o horário e o local de seu primeiro encontro. Seria mais apropriado que ele estivesse desacompanhado, pois a presença de Andrew deixaria John desconfortável.

Melanie sugeriu que ele vigiasse Steven por um tempo, para ter vaga ideia de seus locais e horários e poder abordá-lo com precisão.

— Eu não tenho todo esse tempo, né, Melanie? Eu trabalho aqui, não dá pra ficar vigiando ninguém.

— Ai, John, foi só uma ideia.

Mais uma das muitas ideias que floresciam de sua mente criativa.

Então, mais uma vez, John decidiu que fosse o que fosse: esperaria o momento oportuno e adequado, quando Steven estivesse sozinho e o abordaria da maneira mais educada e despretensiosa possível. Não era dos melhores em disfarçar sentimentos e sensações, mas tentaria.

Saiu da aula sem a companhia de Melanie, que estava apressada e acabou indo embora mais cedo. Caminhou pelos corredores da faculdade sem pressa e alcançou o refeitório, onde pôde almoçar com calma e colocar as ideias no lugar. Além de seu dilema fático em relação a Steven, John ainda precisava pensar na parte mais importante de tudo isso: sua matéria.

Acabado seu almoço, pegou seus objetos e saiu do refeitório. Por curiosidade, olhou, de longe, a piscina para saber se Andrew e Steven estavam lá, como de costume, mas não estavam, nenhum dos dois. Então, seguiu seu caminho para a biblioteca. Não precisaria se encontrar com Steven necessariamente naquele dia, mas quanto antes começasse, melhor. Seguiu vagarosamente pelo infinito verde do campus, enquanto observava as pessoas, distraído.

Num desses relances, percebeu uma silhueta conhecida. Em seguida, certificou-se: era o próprio Steven, que caminhava em direção ao estacionamento.

Para não perder o costume, o coração de John deu ligeira acelerada. Steven não estava assim tão perto, mas dava para alcançá-lo. Então John correu em sua direção, com a mochila nas costas e cadarços desamarrados. Steven continuava se afastando.

Adentraram o estacionamento. John, ofegante, conseguiu alcançá-lo.

— Ei, Steven! — gritou.

Steven, que parara em frente a uma moto preta e cinza, se virou e fitou John, inclinado com as mãos sobre os joelhos, com seu olhar indiferente. Sua expressão respondia ao chamado.

— Você está com pressa? — perguntou John, ainda se recompondo.

— Não — respondeu Steven, apoiando-se na moto e cruzando os braços.

Era inevitável. Os gestos, a voz, o corpo, a expressão... Tudo em Steven mexia com John de uma forma inexplicável.

— Você vai estar ocupado hoje à noite?

— Não.

Steven era um homem de poucas palavras.

— Será que a gente pode se encontrar, então? Preciso começar aquele projeto logo.

— Pode ser.

— Oito horas naquele bar aqui perto?

Steven descruzou os braços, colocou o capacete e subiu na moto.

— Não se atrase. Detesto esperar — encerrou, ligando a moto e dando partida em seguida.

Foi-se embora. Não houve brecha nem para um até a noite. Além das poucas palavras, Steven não dava moral a ninguém. Não fazia gracejos, não distribuía sorrisos nem agrados. Era uma pessoa seca, fria e um tanto misteriosa, o que acabava eriçando ainda mais a curiosidade de John.

Primeira, e mais difícil, etapa da odisseia completada com sucesso. John se sentiu aliviado. Embora as respostas lacônicas de Steven não fossem das mais agradáveis, ele era tão mortal quanto qualquer outro ser vivente, portanto não havia o que temer.

A tarde na biblioteca passou devagar. John estava ansioso; contava cada minuto para o final de seu expediente para poder ir embora e, depois, ter seu primeiro grande encontro com Steveneno, como diria Melanie. Fez tudo o mais rápido que pôde para acabar logo e ficar livre.

Acabadas as intermináveis horas de seu turno, John voltou para o quarto para tomar banho, petiscar alguma coisa e ir para seu grande encontro.

Andrew não estava. Talvez tivesse saído com Teri, como tornara-se de costume. John esperou o restante do tempo que lhe restava decorrer e escreveu um bilhete para Andrew avisando que, talvez, voltasse tarde.

Trocou de roupa, perfumou-se e, finalmente, seguiu rumo ao bar próximo à universidade, andando pelas ruas movimentadas de Taigo, que, àquela hora, eram iluminadas pelas luzes vívidas dos postes e pelos pontos amarelos que se estendiam ao infinito e além na visão noturna da cidade.

Chegou. Entrou no simpático pub e procurou Steven com os olhos. Logo o avistou. Estava sentado num dos sofás encostados na parede de vidro, com um braço sobre a cabeceira, segurando um copo de bebida enquanto olhava a rua pela vidraça.

John consultou seu relógio. Impossível que estivesse atrasado. E não estava; era Steven quem estava adiantado.

Pelo menos ele veio — pensou.

Caminhou por entre algumas mesas e chegou à em que Steven estava. Esboçou um sorriso que não foi correspondido.

— Boa noite — cumprimentou.

— Oi.

John se sentou ao lado oposto da mesa, de frente a Steven. Tirou seu casaco de frio e pegou um bloco de notas e uma caneta de dentro do bolso. Colocou-os sobre a mesa.

— Faz tempo que você chegou? — perguntou.

— Não.

— Hum...

John tentava permanecer o mais neutro possível, sem demonstrar qualquer interesse ou desinteresse. Acenou para o garçom e pediu um refrigerante.

Abriu seu bloco de notas, ajeitou-se no pequeno sofá, tomou um gole de coca e pensou alto:

— Por onde podemos começar?...

Steven continuou impassível.

— Bem, vamos pelo começo. Qual seu nome completo?

— Steven Horvath. Você sabe o meu nome.

— Presumo que você não seja o único Steven de Wistworth, portanto preciso saber seu sobrenome.

John pegou a caneta e começou suas observações.

Steven Qualquer-Coisa Horvath. Talvez não o único, mas o mais gostoso de todos os Steven's de Wistworth. Quiçá do mundo inteiro.

— Você faz parte da equipe de natação, certo?

— Certo.

— Pratica algum outro esporte?

— Faz diferença?

John levantou uma sobrancelha e fitou Steven com seu olhar de reprovação.

— Não.

Continuou as anotações.

Estupidez equivalente à gostosura. Não gosta de coisas que não fazem diferença e não utiliza mais do que três palavras em cada resposta. Natação.

— Idade?

— Vinte e três.

— Olha... — admirou-se John — idade do Andrew; um a mais que eu. E isso não faz diferença — pigarreou. — Há quanto tempo em Wistworth?

— Três anos.

— Estuda o quê?

— Faz diferença?

John repousou a caderneta sobre a mesa e fez um olhar impaciente, mas manteve-se sereno.

— Vamos combinar uma coisa, sim? Tudo que eu te perguntar faz diferença. Se eu não perguntar, é porque não faz.

Steven sorriu um sorriso enigmático. Tomou um gole de cerveja e colocou o copo sobre a mesa em seguida.

— Você é veado, não é?

John sentiu um arrepio percorrer sua espinha duas vezes. Não respondeu à pergunta indelicada que Steven questionara tão naturalmente. Não sabia o que responder. Manteve o olhar sobre ele em silêncio. Demorou alguns segundos para que voltasse a si. Balançou a cabeça e pigarreou novamente.

— Isso faz diferença?

— Faz.

— Não viemos aqui discutir minha sexualidade.

— Isso não responde minha pergunta.

— Sou, caralho! — respondeu John, enfim, já irritado, batendo o bloco de anotações sobre a mesa.

Steven tomou mais um gole de cerveja e sorriu novamente. Não disse nada imediatamente, apenas manteve o olhar frio e altivo que ostentava. Esperou que John se manifestasse, mas nada aconteceu. Então prosseguiu:

— Direito.

— Direito... o quê?

— Eu estudo Direito.

Aquela pergunta inesperada deixou John perplexo por instantes, mas Steven não demonstrou nenhuma reação. Nenhuma.

Ele sabe sobre mim. Acho que estou tremendo. Estuda Direito, 23 anos, há três em Wistworth. Tenso, estou tenso.

— Ok, acho que hoje não é um bom dia para fazermos isso — disse John.

Steven bocejou e cruzou os braços.

— Do que está com medo? — perguntou.

— Eu? — respondeu John, confuso.

Steven olhou para os lados.

— Tem mais alguém sentado aqui?

— Amn... não. Nada. Não estou com medo de nada. Por quê?

— Porque você está tremendo.

Verdade. John escondeu as mãos e riu de nervoso. Steven o deixava desconcertado. O coração batia forte.

— Eu disse que hoje não é o melhor dia pra fazermos isso. Acho que podemos continuar numa próxima oportunidade.

— Tanto faz.

— Você quer que eu vá embora?

Steven ergueu levemente os ombros.

— Faz o que você quiser.

John engoliu as palavras que diria. Pegou, novamente, seu bloco de notas e rabiscou rapidamente:

Na verdade eu queria transar com você como se não houvesse amanhã, mas agora estou achando que essa pode não ser uma boa ideia.

Só por desencargo de consciência. Palavra dita não se engole, então era melhor apenas escrevê-la onde ninguém fosse lê-la. Guardou a caderneta e a caneta no bolso e colocou o casaco de frio. Procurou algo para dizer e finalizar logo aquela situação constrangedora. Enquanto isso, Steven mantinha o mesmo estranho riso que dera antes.

— Todos os veados são assim engraçados que nem você? — perguntou ele.

John perguntaria "por quê? Você me acha engraçado?", mas não queria parecer mais idiota do que já estava se sentindo. Levantou-se, ajeitou o casaco e respondeu:

— Os que eu conheço, sim — colocou dinheiro suficiente para pagar sua bebida sobre a mesa. — Obrigado por ter vindo. A gente se vê.

Ainda pensou em estender a mão para se despedir, mas preferiu manter a informalidade e apenas acenou. Virou-se e saiu do bar um tanto atordoado. Respirou fundo e seguiu o caminho de volta para a universidade.

Aquela fora apenas a primeira de algumas noites que ainda teria que compartilhar com Steven. Era difícil controlar os efeitos que este lhe causava; um misto de pensamentos, desejos e arrepios que John nunca antes sentira com tanta intensidade.

Precisava descansar. Os últimos minutos que acabara de viver deixaram-no tenso. Entrou em seu quarto. Andrew já estava dormindo e roncando, como de costume. Então John se deitou e aquele dia cheio, enfim, se acabou.

Com o cantar dos pássaros, John acordou, antes do despertador. Espremeu os olhos e bocejou. Aproveitou para se levantar mais cedo. Tinha coisas a fazer e ainda precisava contar a Melanie sobre o dia anterior, e ela, certamente, estaria curiosa. Fez sua higiene matinal e foi tomar café junto aos seus companheiros de alojamento. Dada sua hora de saída, foi direto ao refeitório de Wistworth, onde Melanie decerto estaria o esperando.

Caminhou sossegadamente pelos infinitos corredores da faculdade e chegou, pois, ao refeitório. E lá estava Melanie, sentada em sua cadeira cativa, procurando qualquer coisa dentro da bolsa. John seguiu até a mesa e se sentou.

— Bom dia.

— Oi, Johny. Tudo bem?

— Tudo, e aí?

— Também — Melanie fechou a bolsa e cruzou as pernas. — Quais as novidades?

— Conversei com o Steveneno ontem.

Melanie levantou as sobrancelhas e sorriu.

— E como foi?

— Tenso. Nenhuma palavra poderia expressar melhor o que foi aquele encontro.

— Por quê? O que ele fez?

— Descontrolou os meus hormônios. Nunca senti tanta vontade de agarrar alguém, com vigor, em toda minha vida.

Melanie gargalhou. John estava sério. Dizia coisas engraçadas com uma seriedade aristocrática.

— Ai ai, John, só você mesmo pra me fazer dar uma risadas dessas às sete e meia da manhã — disse ela, enxugando as lágrimas dos cantos dos olhos.

— Ele me perguntou se eu era gay.

— E você confirmou?

— Não tinha como negar. Mas ele não reagiu. Nem bem nem mal; não disse nada. Tsc, isso pouco importa.

— Isso muito importa. Você não pode desperdiçar as oportunidades. Vai que ele é? Já pensou nisso?

— Já pensei tanta coisa que nem te conto. Eu estava tendo uma ereção só de olhar os braços musculosos dele — confessou John, pensativo. — E estou tendo outra agora que me lembrei disso.

Melanie deu um tapa no antebraço de John e riu novamente.

— Minha nossa, eu não sabia que a coisa estava nesse ponto!

— Pois está, minha cara. Já ouviu falar que um homem pensa em sexo a cada vinte e oito segundos? — John se levantou. — Eu ando pensando em sexo vinte e oito vezes por segundo. Vamos pra sala.

A noite passada ainda rendeu muito pano para manga. John e Melanie se estenderam nesse assunto durante o dia todo. Embora a noite tivesse sido curta, Melanie se divertia com os comentários de John, que mantinha sempre o ar cômico da história.

Apenas durante seu turno de trabalho na biblioteca John teve chance de se distrair e de pensar em outras coisas que não fossem Steven e seus efeitos colaterais. Em meio ao silêncio quase sepulcral, ele espaireceu e se livrou da tensão do dia anterior.

Ao final do expediente, John se despediu de Norma e seguiu caminho de volta para o alojamento. Estava tranquilo. Caminhou pelo pátio calmamente, aspirando o ar puro das árvores e sentindo a brisa fresca do anoitecer. Cumprimentou alguns vizinhos de casa e foi direto para o quarto. Queria logo tirar aquela roupa e se deitar.

Entrou no cômodo e viu Andrew, que olhou por cima do ombro ao ouvir o barulho da porta do quarto se abrindo, recostado à janela.

— Oi, Andrew.

— Oi...

John colocou sua mochila sobre a cama e foi até o banheiro. Lavou as mãos e o rosto e foi de encontro a Andrew, abraçando-o por trás.

— Tudo bem com você? — perguntou.

— Mais ou menos... E você?

— Eu vou bem, obrigado — John se desvencilhou de Andrew e se pôs ao lado dele, colocando os cotovelos sobre o parapeito. — Por que mais ou menos?

— Briguei com a Teri.

— Xiii... Culpa de quem?

— Dela. Não pode me ver conversando com alguma garota que já acha que eu "tô de rolo" — respondeu ele, cabisbaixo.

John tocou seu ombro, complacente.

— Bem... eu não sou muito bom para consolar as pessoas. Não tenho frases prontas e também não sou muito animador, mas, se quiser, posso... sei lá, te pagar uma cerveja. Também podemos ficar conversando, você pode desabafar, eu posso mandar uma carta com Anthrax pra ela...

Andrew riu e deu uma cotovelada em John.

— Não me faz rir; eu estou triste.

John levantou as sobrancelhas, inclinou a cabeça e torceu os lábios.

— Comigo funciona.

Andrew suspirou. Fez-se breve silêncio e ambos permaneceram observando as estrelas à janela.

— Sabia que você é praticamente meu melhor amigo? — perguntou Andrew.

John fitou-o, surpreso.

— Não.

— Pois é... Você poderia ser o irmão mais novo que eu não tenho.

— Ó... — John fez careta de surpresa novamente. Depois voltou a olhar o céu. — E você sabia que você é o hetero mais bacana que eu já conheci?

Andrew sorriu.

— Não... Pensei que todos os heteros fossem legais.

— Nunca serão.

— Hum... — Andrew passou o braço direito pelo pescoço de John e o olhou. — E você sabia que eu te amo?

— Ahhhh, disso eu já sabia. Sempre soube.

Andrew deu uma chave de braço em John, puxando-o pelo pescoço, e riu em seguida.

— Mas é um veado mesmo. Eu aqui num momento desconsolado te dizendo coisas bonitas e você tirando sarro.

John se livrou dos braços de Andrew e respondeu:

— Eu já te falei como é que funciona: eu estou rindo, mas meu pâncreas chora por você. Quer coisa mais bonita de se dizer do que isso?

— Hahahaha! Idiota.

Andrew o abraçou e bagunçou seus cabelos.

— Mas não se preocupa, eu vou ficar bem... E você? E o Steven? Já começou o tal projeto com ele?

— A gente conversou ontem.

— E como foi?

John preferiu não dar muitas informações sobre toda essa epopeia envolvendo Steven. Ele e Andrew pareciam ser mesmo amigos e John não queria ficar no meio disso. Já era demais Andrew saber que Steven fazia seu tipo, então que as coisas chegassem, no máximo, até aí.

— Normal. Ele é meio seco, mas acho que dá pra levar.

— É, com o tempo você se acostuma. Mas não alimente muita esperança por ele, não, porque ele não é nem pegador, ele é um devorador de mulheres. Acho que se soubesse que você é gay, nem teria aceitado participar desse negócio.

John pensou em dizer que ele já sabia e que não disse nada a respeito, mas preferiu manter esse detalhe em sigilo, também. Apenas sorriu. Ou Andrew não conhecia muito bem o próprio amigo ou Steven estava um tanto mudado.

— Pois é... Enfim, se quiser, ainda posso te pagar aquela cerveja.

— Nah, fica pra próxima. Você deve estar cansado.

— Você quem sabe — John deu dois tapinhas nas costas de Andrew. — Eu também te amo.

Ligou a TV e se deitou.

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