Capítulo 4

"Eu tenho um amigo que conheço desde os sete anos

Costumávamos falar ao telefone se tivéssemos tempo,

Se fosse o momento certo"

(Fever Ray – Seven)


John conseguiu. Daquele dia em diante, aos poucos, Andrew voltou a ser o que era e as coisas se tornaram amenas. O desejo íntimo de fazer a diferença que John sempre tivera se realizou: conseguiu fazer Andrew voltar atrás e rever seus conceitos construídos em machismo e intolerância. Não se tornaram melhores amigos, não, mas agora podiam conversar e dar risadas juntos, mantendo, sempre, o respeito acima de qualquer outra coisa.

▪▫▪

Os dois curtos meses que se passaram fizeram os laços de amizade e companheirismo entre John e Melanie se estreitarem. Melanie era, além de colega de turma e camarada de todas as horas, a guia de turismo de John, que ainda tinha bastante que aprender sobre os arredores de Taigo e seus ditos "lugares bacanas".

O trabalho na biblioteca continuava. Às vezes um pouco cansativo, às vezes um pouco silencioso demais, mas sempre divertido, pois Norma garantia boas gargalhadas abafadas com seu jeito extravagante de ser, que, vez ou outra, lembrava tia Beth.

John estava concentrado em sua leitura, durante seu breve intervalo, quando ouviu o toc-toc dos saltos altos de alguém se aproximando rapidamente. Mirou com os olhos e constatou que era Melanie, vindo em sua direção. Mas o que fazia ela ali àquela hora? John fechou o livro e esperou que ela o alcançasse.

— Pode conversar agora? — sussurrou ela.

John meneou a cabeça afirmativamente.

— Então vem, que não dá pra conversar aqui dentro.

Curioso, John se levantou, colocou o aviso de "volto já" sobre sua mesa e saiu da biblioteca. Sentaram-se num dos bancos do lado de fora.

— Tenho uma novidade sen-as-cio-nal — disse Melanie, com um sorriso de excitação. — Na verdade, pra mim tanto faz, mas pra você...

— O que é?

Melanie se controlou.

— Você viu aquele cartaz pregado ali perto da secretaria?

— Não. O que é que tem?

— É sobre um projeto para nós alunos de Jornalismo. É assim: ano que vem vão acontecer as Olimpíadas Acadêmicas aqui em Wistworth, e o tal projeto tem a ver com isso. Tipo, a gente acompanha um atleta de qualquer modalidade e escreve sobre a vida dele, dia-a-dia, treinamento, alimentação, essas baboseiras. Depois, as melhores redações vão ser publicadas no jornal da universidade e os autores vão ganhar um prêmio em dinheiro e pontos extras em algumas matérias.

John fez olhar pensativo. Era uma ideia interessante, mas...

— O que tem de tão sensacional nisso?

— Ai, John. Pensa.

John tentou pensar. Não conseguiu imaginar nada de tão formidável em escrever uma matéria sobre esportes.

— Nada?

— Não... Vai. Conta.

— Essa vai ser a sua chance de se aproximar do seu deus-grego-todo-poderoso Steven!

John riu.

— Ai, Melanie, só você. Essa é uma possibilidade nula. Eu não falo nem "oi" a ele...

Melanie interrompeu e o apontou o dedo com um olhar vitorioso.

— Mas o Andrew fala! Eu já tenho tudo planejado, amorzinho. É simples. Quando os dois estiverem juntos, você vai até o Andrew e pergunta se ele topa fazer com você. Pede, antes, pra ele te responder que já tá fazendo com outra pessoa, mas que o Steven tá disponível! — Melanie estalou os dedos. — Pronto, é só combinar com o ele antes e correr para o abraço.

John riu alto por alguns segundos. Não cria que estava ouvindo um plano tão mirabolante com uma finalidade tão quase-inútil.

— Hahahahaha! Não acredito que ouvi isso. Onde você arruma essas ideias?

— Eu sou uma pessoa prática, meu amor; tenho o que chamo de visão para oportunidades. E, olha, acredite, você nunca mais vai ter uma oportunidade tão boa quanto essa. Não vai doer nem nada, é só você querer. O que você acha?

Por mais ridículos que a ideia e o plano parecessem, ambos eram interessantes. Seria unir o útil ao agradável, além de que o máximo que poderia acontecer seria ouvir um "não".

— É... Acho que vale a pena tentar.

— Ótimo. Mas você precisa fazer isso sozinho, porque, se eu estiver junto, eu vou rir e você vai rir junto, o que vai estragar o plano. Acha que consegue?

— Consigo. Farei isso amanhã mesmo.

— Então tá — Melanie se levantou. — Passei só pra dar esse recado, agora vou pra casa. Depois a gente se fala, tá bom?

— Tá. Até mais.

Melanie foi embora e John voltou ao trabalho, ainda rindo da ideia pitoresca.

Norma acabava de voltar de seu horário de almoço. John aproveitou a folga e o pouco movimento para organizar algumas estantes que estavam fora da ordem alfabética. Tirou todos os livros da prateleira e fez uma pilha sobre uma mesa que estava logo ao lado.

Minutos depois, Andrew apareceu. Caminhou em direção a John, que ainda estava distraído organizando as estantes, e cumprimentou-o com um tapa na nuca.

— E aí, moço da biblioteca?

John analisou-o de baixo a cima duas vezes com seu olhar de reprovação e não respondeu. Não entendia o porquê de os sorrisos, acenos e apertos de mão terem desaparecido dos costumes heterossexuais.

— Ah, esqueci que vocês gays não se cumprimentam assim. Foi mau.

Andrew, então, deu um beijo estalado no rosto de John e bagunçou seus cabelos. John deu um tapa em sua mão.

— E eu esqueci que vocês heteros não têm modos.

Andrew riu baixo. John arrumou novamente seus fios arrepiados e perguntou, voltando-se à estante que organizava.

— Que bons ventos te trazem aqui?

— Passei só pra pegar um livro. Já estou indo pra minha aula.

— Precisa de ajuda?

— Não, obrigado, sei onde ele está.

John se lembrou de que precisaria de Andrew no dia seguinte.

— Falando em precisar, vou precisar do seu talento para interpretação amanhã.

— E desde quando eu tenho talento pra interpretar?

— Desde amanhã, quando eu vou precisar dele. Depois a gente fala sobre isso.

— Eu, hein... — Andrew olhou com estranheza. — Bem, vou indo. Até a noite.

— Tchau.

Foi-se embora.

À noite, no quarto, John contou a Andrew como seria realizado o grande plano bolado por Melanie, tendo como única justificativa para este o fato de ter comentado com ela que Steven fazia seu tipo. Assim como John, Andrew riu, pois era uma ideia ridícula e um tanto mirabolante, embora tivesse um propósito relevante, afinal, de uma forma ou de outra, John queria participar do projeto.

Andrew aceitou.

John estava envergonhado de colocar em prática o combinado. Assistiu às aulas do dia seguinte com ansiedade, esperando o intervalo para falar com Andrew e Steven. E Melanie ao lado, dando votos de confiança e boa sorte.

Dada a hora do intervalo, saíram os dois da sala e seguiram em direção à piscina.

— Vai na fé que vai dar certo — incentivou Melanie. — Eu vou ficar aqui olhando.

E John com o coração na mão.

Respirou fundo, tomou coragem e seguiu caminhando devagar, pensando:

— Eu não acredito que vou mesmo fazer isso.

Ao longe, podia-se ver Andrew e Steven parados, como sempre, ao lado da piscina, conversando. John continuou andando com as mãos nos bolsos da calça e olhar simuladamente indiferente.

Aproximou-se mais e sorriu de nervoso. O coração parecia que pularia de dentro do peito. As mãos gelaram e os braços começaram a querer formigar.

— E aí, John? — cumprimentou Andrew.

— Oi, Andrew. Oi, Steven...

Steven acenou com a cabeça, sem se pronunciar.

— Preciso de sua ajuda, Andrew.

— Pode falar — Andrew cerrou os lábios e franziu a testa.

— Preciso fazer uma matéria sobre um atleta da universidade. É para o jornal daqui, por causa das olimpíadas do ano que vem. Será que você poderia ser meu entrevistado?

— Ih, cara, não dá... Eu vou fazer com outra pessoa. Se você tivesse me convidado antes...

Fez-se silêncio fictício, que foi interrompido por Andrew — que já estava quase rindo — conforme planejado.

— Ah, mas você pode fazer com o Steven!

Steven continuava de braços cruzados, sem dizer nenhuma palavra.

— Você não se importa, né, John?

— Não, de forma alguma. Só pensei em você porque a gente "mora" junto.

— O que você acha, Steven?

Steven levantou os ombros.

— Tanto faz.

Andrew e John se entreolharam e contiveram o riso mais uma vez.

— Bem, se você puder, ficarei muito agradecido.

— Pode ser — sacramentou Steven.

John sorriu. Não é que o plano funcionou mesmo? Um a zero para Melanie e sua imaginação fértil.

— Problema resolvido — disse Andrew.

— É... Então depois a gente conversa melhor sobre isso. Tenho até antes das férias pra entregar a matéria. Acho que não precisamos ter pressa.

O sinal do final do intervalo soou.

— Agora eu vou voltar à minha aula. Até mais. E obrigado.

— Até.

E saiu andando devagar, tentando não demonstrar excitação em seu caminhar. Melanie esperava no refeitório.

— E aí, como foi?

— Deu certo.

— Sério?!

— Sério. A gente ficou de se falar depois, mas ele aceitou.

— Ai, que ótimo! Mas, olha, vai com calma, hein? Você sabe da fama desse cara.

— Pode deixar, eu vou tomar cuidado.

Voltaram para a aula e o dia transcorreu sem maiores emoções. Ao final da última aula, passaram pela secretaria e fizeram suas inscrições no projeto e, em seguida, John seguiu para seu turno de trabalho na biblioteca, que também foi tranquilo.

A noite estava serena como sempre. Andrew ainda não havia chegado. Este sempre encontrava algo para ficar fazendo até tarde na instituição. Mas dessa vez o motivo fora outro.

John já estava deitado, assistindo televisão, quando Andrew entrou no quarto com um sorriso de orelha a orelha, que John estranhou.

— Que foi? Viu passarinho verde?

Andrew pulou na cama de John e o abraçou, ou o esmagou.

— Adivinha!

— Você está me esmagando. Adivinhei? — respondeu John, se esforçando para tirar Andrew de cima de si.

Andrew deu um beijo em seu rosto e desceu da cama, sentando-se na sua e cruzando as mãos sobre os joelhos.

— Lembra da Teri, aquela garota do primeiro dia?

— Com quem você "transou a noite toda"?

— A própria.

— Hum?...

— Estamos namorando.

John levantou as sobrancelhas e sorriu de canto.

— E por que essa felicidade toda?

— Porque ela é a garota dos sonhos de qualquer cara, inclusive dos meus.

— "Garota dos sonhos" leia-se muito gostosa ou moça de família?

— Sei lá, as duas coisas.

— Impossível. Um axioma anula o outro.

— Não importa, eu estou feliz e você deveria estar feliz por mim, seu gay.

— Mas eu estou feliz por você. Estou quase chorando de tanta felicidade. É que você não está vendo, mas meu pâncreas está tendo um acesso de gargalhadas aqui dentro — caçoou John, colocando a mão sobre o abdome.

Andrew atirou um travesseiro em seu rosto e riu.

— Idiota.

— Somos.

Andrew se deitou e cruzou as mãos sob a cabeça.

— E aí? O que vai fazer esse final de semana?

— Vou passar na casa da minha tia, que também é minha casa. Se você não estivesse ocupado transando a noite toda com a Teri, eu te convidaria, mas fica pra próxima.

— Ô se fica.

▪▫▪

Naquele final de semana, John regressou a Oreste em breve viagem para matar as saudades de sua tia e de sua casa. Quando chegou, foi uma festa e tanto. Beijos, abraços, sorrisos e lágrimas de emoção.

— Meu amor, mas que saudade eu estou de você! — exclamou Beth mais uma vez, abraçando John.

— Eu também, tia.

— Vem, vamos entrar, que você tem muita coisa pra me contar.

Entraram em casa de braços dados e se sentaram no sofá da sala.

— Então, como é que estão as coisas?

— De bem a melhor. A faculdade é muito bonita, muito grande, as pessoas são muito legais... Já tenho uma nova melhor amiga, um bom amigo e um quase amor da minha vida.

— Mas olha só! Quem são esses?

— A Melanie, de quem eu te falei por telefone; meu colega de quarto, Andrew, e o Steven. Tia do céu, só a cara de mau do Steven já é um orgasmo triplo.

Tia Beth riu e bateu palmas.

— Ai, Johny, só você mesmo! E vocês já tiveram alguma coisa?

— Imagina. Tirando eu, as coisas mais gays daquele lugar são as petúnias cor de rosa nos jardins. Só tem hetero, por todos os lados. Uma tristeza — John suspirou. — Mas e você? Precisa me contar direito aquela história dos pretendentes.

— Pois é. Lembra que eu te disse que eram dois?

— Aham.

— Então, descobri que um deles é casado. Já eliminei da lista. Esse eu tinha conhecido mais ou menos uma semana antes de você se mudar. Ele apareceu no ateliê com uma mulher muito elegante, mas falou que era irmã dele. Depois uma das meninas me disse que era esposa. Vê se pode.

— E o outro?

— O outro é um quarentão daqueles. Conheci no dia seguinte à sua viagem, por acaso. Estava no banco esperando pra conversar com o gerente e ele se sentou ao meu lado, aí a gente começou a conversar e parece que rolou um interesse, sabe? Cabelo meio grisalho, barba por fazer, carinha de safado e um corpo de dar inveja em muito garotão — pelo menos por cima da roupa. Um amorzinho de pessoa. Viúvo, duas filhas jovens... Um partidão. Mas a gente ainda tá se conhecendo. Se der certo, você precisa voltar aqui pra eu apresentar vocês dois.

— Olha que se ele for isso tudo mesmo eu o roubo de você, hein?

Riram.

Esses dois dias que John e sua tia passaram juntos foram o suficiente para matar um pouco da saudade e fazê-lo se sentir em casa, de volta a sua cidade.

Mas era apenas um final de semana. Na tarde de domingo, John precisaria voltar à universidade e à sua segunda e nova vida, longe de casa. Detestava despedias, ainda mais as necessárias.

— Quando você volta?

— Nas férias do meio do ano, com certeza. Antes disso, não te garanto, mas a gente se fala por telefone.

— Tá bom, meu amor. Dá um abraço aqui na tia, que eu já estou com saudades de novo.

Abraçaram-se e se despediram com pesar. Então John seguiu viagem de volta a Wistworth, com um sentimento agridoce de nostalgia.

▪▫▪

Estacionou e desceu do carro. Já era noite. Seguiu caminhando de volta para seu quarto com o coração leve.

Adentrando a pequena vila, viu que Andrew se aproximava, todo arrumado, a largas passadas, com olhar distraído e cantarolando. John continuou caminhando calma e lentamente, com os braços para trás e feição despreocupada. Andrew o reconheceu e sorriu. Encontraram-se.

— E aí, joe?

Trocaram um aperto de mão e um longo abraço em seguida.

— Ué, se eu não me engano, você disse que não abraça seus amigos nem quando está com saudades — indagou John ironicamente.

— Você é exceção — respondeu Andrew, com o já tradicional tapa na nuca.

— E aonde você vai gatinho desse jeito?

— Marquei um encontro com a Teri. Vamos ao cinema e, depois, ao motel.

John meneou a cabeça.

— Homens...

— E como foi lá com a sua tia?

— Legal. Deu pra aproveitar o pouco tempo.

— Ah, que bom então... Ó, depois a gente se fala, beleza? Já tô atrasado.

— Tá bem. Boa noite pra vocês.

— Falou.

Andrew seguiu seu caminho e John foi para o quarto. Estava cansado do dia e da viagem.

Tomou um banho, trocou de roupa e comeu qualquer coisa. Já estava um tanto enturmado com o pessoal da casa, que era muito descontraído. Depois voltou ao quarto e se deitou. Estava ansioso. O dia seguinte seria tenso: começaria a matéria com Steven. Precisava pensar numa forma discreta e funcional de abordagem antes e durante o desenvolvimento do projeto, para não levantar suspeitas nem se empolgar demais quando estivesse junto ao monumento.

Pensou, pensou, pensou, planejou e não chegou a conclusão nenhuma. Deixaria tudo acontecer naturalmente. O que tivesse que ser, seria.

Dormiu.

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