Capítulo 3

"Sou calma, discreta e humilde

Eu, geralmente, evito me pronunciar,

Mas minha boca diz as palavras de que gosta

Eu jogo o jogo, ela decide"

(Hanne Hukkelberg – Blood From a Stone)


Embora estivesse acostumado a lidar com situações como aquela, John se desapontou. Sabia, desde sempre, que não se deve esperar nada de ninguém, especialmente quando esse alguém é uma pessoa conhecida há menos de dois dias, mas não esperava uma reação tão negativa. Tudo bem, isso seria superado.

Adormeceu.

Na manhã seguinte, acordou mais cedo. Agora que sabia onde ficava o refeitório, poderia tomar seu café sem pressa. Ainda não era tempo para se enturmar com os cozinheiros do alojamento.

Saiu de seu quarto sem fazer barulho para não acordar Andrew e seguiu para o refeitório.

Chegando lá, avistou Melanie, que acenou com o braço para se certificar de que John a vira.

— Já vou — dublou ele, gesticulando.

Passou pela lanchonete, fez seu pedido, pegou sua bandeja e caminhou até a mesa onde estava Melanie, sentando-se em seguida.

— Bom dia! — disse ela.

— Bom dia! E aí, como cê tá?

— Bem, e você?

— Bem também. Ainda um pouco confuso com toda essa movimentação.

— Ah, logo você se acostuma.

Diminuíram o ritmo da prosa enquanto comiam. Melanie tomou um gole de seu suco e perguntou enquanto acabava de mastigar seu sanduíche:

— Hum... Ontem eu me esqueci de te perguntar: você tem namorado?

John limpou a boca com o guardanapo e respondeu:

— Não. Estou em recesso por tempo indeterminado.

— Por quê?

— Porque minhas últimas experiências não foram das mais agradáveis. Sabe quando você se dedica tanto a alguém que acaba se esquecendo de si mesmo?

Melanie balançou a cabeça afirmativamente.

— Então. Estou tirando um tempo pra mim. Mas se pintar alguma coisa... Quem sabe?

— É, você está certo. Eu também estava assim há algum tempo. Fiz a mesma coisa, mas agora estou disponível novamente.

Riram.

— E como foi a segunda noite dividindo quarto com um estranho?

— Poderia ter sido melhor.

— Por quê?

John cruzou as mãos sob o queixo.

— O Andrew já descobriu que eu sou gay. E a reação dele não foi muito boa.

— Ué, descobriu como?

— Ele nos viu juntos ontem e pensou bobeira. Tratei de desmentir e ele perguntou "Ah, cara, qual é? Você é veado por acaso?". Eu respondi que sim.

Melanie riu e limpou a boca com o guardanapo.

— Nossa, você é o primeiro gay que eu conheço que lida tão bem com a própria homossexualidade. Se fosse eu, teria mentido.

— Como diria alguém que eu conheço, "if you don't see my gayness, you don't see me"¹. Entendeu?

Melanie riu novamente e meneou a cabeça em afirmação. Levantou-se.

— Bem, só posso te desejar sorte. Agora vamos que já vai começar a aula.

O segundo dia foi um pouco mais interessante e animador. As pessoas pareciam um pouco menos sérias, o ambiente, um pouco mais descontraído e os professores um pouco mais legais. A presença de Melanie ao lado fez John se sentir um pouco mais confortável, e o rapaz simpático que se sentava à direita puxou assunto. John fez mais anotações. Anotava nas últimas folhas de seu caderno tudo o que estivesse pensando no momento, como num diário.

Final do último horário, John e Melanie saíram juntos novamente.

— Nossa! — exclamou ela. — Esqueci de te mostrar o segundo lugar mais legal daqui.

— Qual?

— A biblioteca.

— É mesmo, hein? Eu sou praticamente um rato de biblioteca.

— Ah, então você vai gostar de lá. É a maior biblioteca que eu já vi.

Saíram do refeitório e do prédio principal, para estranheza de John.

— Ela fica do lado de fora.

Desceram as escadarias da entrada, caminharam pelo pátio e seguiram à esquerda, pelo caminho oposto ao dos dormitórios masculinos. Logo ao final da trilha, passando pela pequena ponte do que parecia ser o início de um córrego, estava a biblioteca. Mais adiante, era possível ver os dormitórios femininos e, atrás, o que parecia ser uma oficina.

Entraram devagar para não fazer barulho. Alguns olhares, silêncio quase total.

John parou e contemplou por um instante. Também nunca havia visto biblioteca tão grande. Estantes imensuráveis, mesas por todas as partes, uma escadaria de madeira nobre levando ao segundo piso, computadores, estantes e mais estantes.

— Não é demais? — sussurrou Melanie.

— É!

Ao centro, havia uma espécie de gabinete aberto, cercado pela mesma madeira da escadaria, onde estava sentada uma senhora negra e gorda, de cabeça baixa, concentrada, parecendo psicografar.

— Aquela é Norma, a bibliotecária — disse Melanie. — Trabalha aqui há mais de um século.

John meneou a cabeça. Sentiu que aquele lugar seria sua terceira casa. Adorava estar junto aos livros.

— Quer ficar por aqui? — perguntou Melanie.

— Não, vamos almoçar. Depois eu passo aqui com calma. Estou faminto.

— Então vamos almoçar num restaurante uber que eu conheço e depois vamos ao shopping, afinal você precisa conhecer a cidade direito, não é?

— É — John riu.

Saíram da biblioteca.

— Vou ligar pro meu pai vir buscar a gente — disse Melanie, com o celular na mão.

— De jeito nenhum. Vamos no meu carro.

— Você tem um carro?! — exclamou ela.

— Tenho — riu John.

— Ai, que legal! Meu pai diz que eu sou muito nova pra dirigir. Um saco.

Continuaram o assunto caminho afora. Estavam no pátio novamente.

— Me espera só um minuto que eu vou até o quarto pegar a chave, tá?

— Tá.

John correu até o dormitório. Entrou. Andrew se arrumava em frente ao espelho. Suas aulas começavam assim que as de John terminavam, após o almoço.

Andrew olhou-o com cara de poucos amigos. A descoberta do segundo dia deixou um clima tenso pairando no ar. Não trocaram nenhuma palavra, apenas aquele olhar desagradável. John pegou a chave do carro debaixo do travesseiro e saiu.

Melanie levou John ao restaurante mais cool da cidade, onde frequentavam pessoas de todos os tipos e idades. John se sentiu mais à vontade do que quando estivera no pub da primeira noite.

Almoçaram sem pressa e, em seguida, foram até o shopping. Melanie ia ditando o caminho, feito um GPS, e John dirigia, prestando atenção no trajeto e nos nomes das ruas, para ir se acostumando. Chegaram. O shopping de Taigo parecia maior do que o de Oreste. Não havia tanto movimento, por causa do dia e do horário. Passeavam tranquilamente.

— Não tem nada de muito interessante aqui, só as lojas de roupas, que eu adoro, e o cinema. Quer ir assistir a um filme?

— Nah, estou cansado. Mas escolhe alguma coisa pra você levar. Eu pago, pra ficar de recordação.

— Ooown, que fofinho — Melanie apertou as bochechas de John.

Enquanto ela escolhia um par de sandálias, do lado de fora da loja John ligava para sua tia Beth.

— Alô?

— Oi, tia!

— Johny, meu amor! Que saudade! Como você está?

— Eu tô bem, e você?

— Eu estou à beira de um colapso. Você não sabe a falta que faz. Estou quase indo aí te buscar!

John riu.

— Ai, tia, também estou com saudades. Tem tanta gente estranha aqui.

— Ah! Me conta! Como é seu companheiro de quarto? Como são seus colegas de turma? Já fez amigos? Me conta tudo!

— Meu companheiro de quarto é um gato, mas é hetero. O pessoal da turma é muito sério, tirando a Melanie. Já somos praticamente melhores amigos. Tudo isso em dois dias — riu.

— Que bom que você não está sozinho aí.

— Mas e você? Precisa arrumar um namorado agora, hein, pra te fazer companhia.

— E você acha que eu não estou providenciando isso? Já tenho dois pretendentes.

John riu alto. Melanie acenou de dentro da loja.

— Tia, agora eu preciso desligar. Estou no shopping e a Melanie está me chamando. Qualquer dia eu te ligo de novo e você me conta isso direito, tá bom?

— Tá bem, meu amor. Um beijo, se cuida!

— Beijo, tia. Te amo.

Desligaram. John entrou na loja. Melanie provava uma sandália rosa.

— O que acha, John?

— É bonita.

— Então tá escolhido.

Finalizaram a compra. Segundo Melanie, aquela seria sua "sandália de compromisso".

Ainda tomaram um sorvete antes de irem embora. John deixou Melanie em casa. Agora sabia onde ela morava e como chegar lá. Despediram-se. Guiando pelas ruas movimentadas da cidade, John voltou à universidade e seguiu direto para a biblioteca, que lhe fascinara. Lá passou o restante da tarde, navegando na Internet e em companhia dos livros.

Ao anoitecer, voltou ao alojamento para descansar. Andrew tomava banho. John tirou seus sapatos e trocou de roupas. Colocou um short e uma camiseta branca e se deitou na cama. Ligou a TV e sintonizou o noticiário.

Andrew saiu do banheiro, enrolado numa toalha amarela felpuda. John ainda não havia reparado: o corpo de Andrew era todo definido, exatamente um corpo de nadador. Olhou apenas de relance. Teria outras oportunidades para analisá-lo mais cuidadosamente, é claro, embora Andrew não fosse de seu interesse.

Nenhuma palavra foi dita. Andrew apenas olhou com o mesmo olhar de mais cedo e permaneceu silente. Agitou os cabelos com a mão para tirar o excesso de água. John pegou o livro que começara a ler e o abriu para evitar contato visual. Andrew parecia inquieto. John não se manifestou.

— Vire-se pra lá, eu preciso trocar de roupa.

John continuou imóvel e respondeu:

— Pode se trocar.

— Eu não confio em você.

John o fitou e levantou a sobrancelha direita. Voltou-se para o livro e replicou:

— Só porque você tem um pau não quer dizer que eu vou tentar chupá-lo.

— Você é nojento.

John se manteve impassível.

— Troque-se no banheiro. Eu estou ocupado.

Andrew xingou qualquer coisa em voz baixa e foi se trocar no banheiro. John sorriu. Sempre vencia.

— Você é muito engraçadinho — disse Andrew em protesto, voltando ao quarto, vestido.

— E você está muito sexy com esse shortinho branco.

Andrew fitou-o com um olhar desconfiado. Parou em frente ao espelho e examinou-se por um instante. Sorriu de lado.

— Sério?

— É.

Depois arfou e desdenhou.

— Você está falando isso só porque é veado. Sua opinião não conta.

John meneou a cabeça em negação. Ainda sem tirar os olhos do livro, proferiu:

— Andrew, Andrew... Vou relevar seus comentários porque você ainda tem muito o que aprender. Mas não se preocupe, porque eu vou ter bastante tempo pra te ensinar e você vai ter bastante tempo pra aprender e rever seus conceitos. Estamos apenas começando.

— Eu não quero rever meus conceitos.

— É dos sábios mudar de opinião. Mas, enquanto isso não acontece, finja que você não sabe de nada. Respeite-me e eu te respeitarei, assim viveremos em paz. Temos um acordo?

Não houve resposta. John fechou o livro sobre o tórax e finalizou:

— Certo. Agora me conte como foi o seu dia.

▪▫▪

A primeira semana se passou. Andrew se manteve resistente. Embora John agisse sempre com naturalidade e fosse extremamente calmo e paciente, algo lhe dizia que Andrew não seria uma missão das mais fáceis.

Dizem que velhos hábitos nunca morrem. John, desde sempre, nutria a fantasia de mudar o modo de alguém pensar para melhor, de fazer alguma diferença, mas nunca tivera oportunidade. Pensava sempre "comigo vai ser diferente". Que Andrew fosse, então, o primeiro experimento.

Mais uma tarde ensolarada. Após o almoço, como em quase todos os dias, John passou pela biblioteca. Caminhou por entre as mesas e foi até o gabinete da bibliotecária devolver dois livros. Esta o fitou com um olhar analítico profundo. John retribuiu com seu olhar interrogativo.

Virando-se para seu caderno de registros, ela disse, reticente, em tom pensativo:

— John... John Collins.

John meneou a cabeça, sem entender o porquê da constatação.

— Norma... Norma, a bibliotecária — respondeu, em brincadeira.

Norma, séria, ignorou o comentário. Continuou suas anotações e observou:

— Você vem aqui quase todos os dias. E passa a tarde quase toda lendo.

— É verdade. Não se tem muito o que fazer aqui à tarde.

— Aceita sugestões?

John não entendeu se aquilo fora um convite ou uma provocação, mas teve jogo de cintura.

— Aceito.

Norma fechou o caderno de registros.

— Venha trabalhar aqui comigo. Preciso de um ajudante.

John levantou as sobrancelhas.

— Eu já tenho quase sessenta anos. Estou cansada. Não tenho mais idade pra ficar escalando essas estantes infinitas atrás de livros. E, céus!, eu mal tenho tempo pra almoçar! — reclamou ela, em tom indignado.

John riu baixo. A ideia não era má.

— E a senhora pode fazer isso, me contratar assim?

— Posso. Ano retrasado eu tinha uma ajudante, mas ela se formou e foi embora. E não se preocupe, provavelmente vão te pagar um salário melhor do que o meu.

A ideia era realmente boa. John passaria suas tardes ocupado, fazendo o que gostava, dentro da própria instituição e ainda receberia por isso. Não precisou pensar muito.

— Quando posso começar?

— Esteja aqui amanhã neste mesmo horário. Terei serviço pra você.

— Combinado.

John sorriu. Que coisa boa. Novamente, passou a tarde por ali, navegando na Internet, lendo e pesquisando. Depois, foi à casa de Melanie, onde contou a boa nova e conheceu os pais dela, que já tinham, nesse pouco tempo, ouvido muito a seu respeito.

Ao final do dia, fatidicamente, John se recolhia em seu quarto. Mesmo após a última conversa, o clima entre ele e Andrew ainda não estava dos melhores. Os assuntos eram limitados e impessoais e o tênue coleguismo que se formara parecia ter sido rompido de vez. Dividiam o mesmo quarto, mas se tratavam como meros conhecidos de vista. John ansiava que essa situação durasse pouco tempo, afinal, teriam os dois um longo ano de convivência pela frente. Mas as coisas tendiam a melhorar, não a piorar.

▪▫▪

Conforme o combinado, John chegou à biblioteca no mesmo horário, após o almoço. Despediu-se de Melanie e seguiu em direção ao gabinete de Norma, que sorriu quando o viu. Cumprimentaram-se.

— E então? No que posso te ajudar?

— Ali — respondeu Norma, apontando para o outro lado do gabinete, onde havia duas grandes pilhas de livros. — Precisam ser catalogados. Todos. E depois guardados.

Embora fosse desanimador, John não demonstrou reação negativa.

— Tudo bem.

— E você pode se sentar ali — apontou novamente. Uma espécie de escrivaninha, do lado contrário do gabinete. — Vai ser seu novo escritório.

John consentiu e se sentou em seguida. Norma o instruiu de como catalogar os livros, onde guardá-los e depois avisou:

— Agora eu vou almoçar. Volto já.

E saiu.

John se sentiu importante. Estava no comando daquela infinidade de saber, sentado bem ao centro, com vista para todos, e onde todos poderiam vê-lo. Talvez não tão no comando, mas isso pouco importava.

Pegou o primeiro livro da pilha. Estava para começar seu trabalho quando, ao virar-se para pegar uma caneta, avistou, vindo em sua direção, a própria tentação. Steven. Seu coração, como em todas as outras poucas vezes, disparou instantaneamente. Ficou imóvel por segundos. E Steven continuou se aproximando, até que chegou ao gabinete. E John ali, sozinho. Controlou-se.

— Pois não? — perguntou.

Steven não disse nada, apenas colocou um livro sobre o tampo de vidro. John deduziu:

— Devolução?

Steven confirmou com a cabeça.

Ainda perturbado, John pegou o caderno de registros e buscou o nome de Steven. Mas não podia dar a entender que o conhecia.

— Qual é o seu nome?

— Steven.

Steven... Steven... a voz grave e um pouco rouca soou por um longo instante. John deu baixa na devolução, Steven assinou e saiu em seguida, tendo dito apenas seu nome. John suspirou. Não sabia por que aquele rapaz lhe causava essa reação tão incontrolável. Talvez fosse a química.

Continuou seu trabalho enquanto a voz máscula de Steven ecoava em sua cabeça. Algum tempo depois, Norma voltou e a primeira tarde de trabalho seguiu com tranquilidade.

Final do expediente, John voltou para seu quarto. Combinou com Norma que trabalharia das duas às sete da noite.

Andrew estava sentado na cama, com as costas encostadas na cabeceira, lendo o que parecia ser uma apostila.

— E aí? — cumprimentou John.

— Oi...

John colocou sua mochila sobre a cama e entrou no banheiro. Silêncio. Enquanto lavava as mãos e o rosto, Andrew comentou:

— O Steven disse que te viu hoje.

Um arrepio percorreu a espinha de John.

— Quem? — perguntou, para ter certeza de que ouvira direito.

— O Steven.

Sim, ouvira.

Mantendo uma simulada indiferença, perguntou:

— Quem é esse?

— Aquele cara que nada comigo. Ele comentou que você estava no lugar da bibliotecária hoje. É verdade?

— Mais ou menos. Comecei a trabalhar lá hoje como ajudante dela. Era hora de almoço, por isso ela saiu e eu fiquei sozinho. Não tenho nada pra fazer à tarde mesmo, ela me convidou e eu aceitei.

— Hum...

John saiu do banheiro. Silêncio novamente. Foi até o armário, pegou algumas roupas sujas e colocou-as num cesto, para não se esquecer de levá-las à lavanderia, que ficava ao final do corredor, mais tarde. Enquanto fazia isso, Andrew perguntou:

— O Steven faz seu tipo?

John estranhou a pergunta, mas manteve a naturalidade.

— Faz. E muito.

— Por que ele faz seu tipo e eu não?

Riu baixo.

— Porque eu gosto do jeito de macho que ele tem.

— E eu não tenho?

— Não. Você tem jeito de garotão. Está sempre sorrindo, e o Steven, sempre de cara fechada — respondeu John, fechando o armário. — Mas nada contra os garotões.

Sem resposta. John já estava com o cesto de roupas na mão, quando Andrew continuou:

— Cara, por que você é gay?

Naquele instante, John sentiu que mais uma de suas vitórias estava para começar. Sorriu novamente. Colocou o cesto de volta no chão, fez uma careta de incerteza e se sentou à beirada da cama.

— Provavelmente, pelo mesmo motivo que você é hetero.

— Nada disso. Você escolheu ser assim, eu não.

John apontou o dedo.

Esse é o ponto. As pessoas teimam em pensar que é a homossexualidade é uma escolha, que é safadeza, que é querer dar um tapa na cara da sociedade... que é pecado, que é um monte de coisa. A sexualidade não é um estado de espírito, uma fase. É inerente ao ser humano. Você é hetero e não teve escolha, assim como eu sou gay e também não tive! Que pessoa em sã consciência escolheria enfrentar todo um mundo de preconceitos assim, à toa?

— Sei lá. Doença.

— Há uns trinta anos a homossexualidade não é mais considerada doença.

Sem resposta, novamente.

— Você não tem medo de pegar AIDS?

— Qualquer pessoa que transe sem camisinha corre esse risco. Foi-se o tempo em que a AIDS era considerada o "câncer gay". Seja homem ou mulher, hetero ou homossexual, qualquer um está sujeito à contaminação se não se proteger.

— E você é o homem ou a mulher da relação?

John riu alto.

— Andrew, se eu estou numa relação homo, tanto eu quanto o meu parceiro somos o homem da relação. Não existe mais isso de "homem ou mulher". É o que chamamos de versatilidade.

Andrew se manteve em silêncio por um longo instante. Parecia uma criança que estava começando a ser alfabetizada, ainda absorvendo a grande quantidade de informação nova. E a língua de John, sempre afiada, com resposta imediata para todas as questões. Espírito jornalístico.

— Você não tem jeito de gay.

— Isso também não existe. O que existe são caras mais afeminados e caras mais discretos. Eu sou discreto, mas cada um é cada um.

— Você já transou com uma garota?

Andrew perguntou como se não estivesse convencido de que John era, de fato, homossexual.

— Não.

— Então como tem certeza de que é gay?

— Do mesmo modo que você tem certeza de que não gosta de vacas mesmo não tendo transado com uma. Até onde eu sei, é claro.

Andrew riu e atirou um travesseiro em John, que sentiu o êxito no ar.

— Idiota.

John devolveu a travesseirada.

— Agora me responda você: por que vocês heteros só sabem demonstrar afeto dando socos ou atirando coisas?

— Porque não somos gays.

John aplaudiu.

— Essa foi uma resposta realmente convincente. Pois fique sabendo que um abraço, um aperto de mão, um beijo no rosto, um tapinha no ombro, essas coisas também funcionam, viu?

— Não entre nós heteros.

— Você não abraça seus amigos?

— Não.

— Nem quando está com saudades?

— Não.

— Nem quando eles estão tristes?

— Não.

— Nem quando fazem aniversário?

— Não.

— Minha nossa... — John meneou a cabeça em reprovação. — É uma pena.

— Por quê?

— Porque eu queria muito te dar um abraço pra selar esse momento vitorioso.

— Pois vai ficar querendo.

John torceu os lábios. Levantou-se da cama e concluiu:

— Já não se fazem mais heteros como antigamente...

Andrew atirou o travesseiro de novo e riu.

— Você é muito gay, velho.

— Eu sei. E isso, pra mim, é sempre um elogio.

Pegou o cesto de roupas e levou até a lavanderia.

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¹Se você não vê minha homossexualidade, você não me vê.

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