Capítulo 14 (parte 2)
Faltava entusiasmo. A apatia estava nos olhos, no caminhar, em todos os lugares. Tudo parecia triste. John caminhou o trajeto que separava o alojamento do prédio de Wistworth cabisbaixo, tentando entender seus pensamentos confusos e nada esclarecedores.
Mecanicamente, como fazia todos os dias, seguiu para o refeitório. Lá estava Melanie, linda e loira, como em todos os dias, esperando com um sorriso que John chegasse. Este chegou, mas sem sorriso, sem fome, sem vontade de viver.
— Santo Deus, o que aconteceu? — perguntou Melanie, espantada.
John se sentou, fechando os olhos sem responder à pergunta.
— Alguém morreu? — insistiu ela.
— Eu morri, só me esqueci de deitar.
— Para de graça, John, fala logo o que houve. Sua cara tá péssima. Parece que te atropelaram ou que...
— Tá bom, Melanie, eu entendi — John abriu os olhos e suspirou. — O Steven me deu um pé na bunda ontem à noite.
Melanie ergueu as sobrancelhas, surpresa. Torceu os olhos, inclinou a cabeça e procurou por algo que pudesse dizer. Permaneceu em silêncio por alguns instantes, enquanto John fechava os olhos e suspirava novamente. Então Melanie endireitou sua postura, cruzou os braços sobre a mesa e disse:
— Ok, eu acho que tenho duas opções: eu posso ser uma boa amiga e te dizer algumas frases de consolo ou posso ser ainda melhor amiga e te falar sobre realidade. O que você prefere?
John encarou Melanie com olhar de dúvida.
— Eu tenho escolha?
— Amn... Acho que não. Eu não sou uma boa amiga, sou sua melhor amiga, então o universo e o cosmo me obrigam a agir de acordo.
John meneou a cabeça afirmativamente.
— Regra básica sobre os cafajestes: eles não mudam. Ninguém os faz mudar. Ninguém. Você pode até achar que com você vai ser diferente, mas, acredite, não vai. E ser cafajeste inclui dar pés na bunda sem fazer a mínima cerimônia.
— Não foi só um pé na bunda, Melanie, ele disse que eu não significo nada pra ele.
— E você acha que era o quê? O amor da vida dele?
— Poxa, a gente tava ficando há uns três meses! Esse tempo todo não valeu nada? Eu não vali nada?!
— Sinto informar, mas não. Regra básica número dois sobre os cafajestes: ou eles evitam ou são imunes a maiores sentimentos, o que inclui paixão, amor e até amizade.
— Mas o Steven não é cafajeste.
— É, sim. Ele é meio que o faixa-preta dos cafajestes: o tipo que não sente absolutamente nada. Nada além de tesão, é claro.
— Ele era carinhoso comigo...
— Regra básica número três sobre os cafajestes: eles são bons de cama, por isso as mulheres gostam. E isso inclui ser carinhoso, é lógico. Ai, John, parece que você não entende nada de homem! Tem certeza que você é gay?
— Eu tenho certeza de que não sei aonde você quer chegar com essa conversa.
Melanie se endireitou novamente.
— Eu quero te mostrar que você se apaixonou por um babaca da pior espécie. E o pior: você já sabia que ele era um babaca. Você esperava o quê? Que ele te pedisse em namoro no dia do seu aniversário? Não. Johny, isso entre vocês não ia durar muito tempo! Mais hora, menos hora, isso acabaria acontecendo.
— E você quer que eu faça o quê? Que eu saia da minha fossa de elevador, sorrindo e me sentindo a pessoa mais satisfeita dos últimos dois dias?
— Não, eu quero evitar que você fique no fundo do poço por quem não te merece. John, você é tão inteligente, tão bonito, tão engraçado, cê quer o que com o Steven? O que ele tem a te acrescentar?
— Nada, mas eu não controlo meus sentimentos! Estou triste, decepcionado, com raiva, ué! Imagine seu namorado chegando pra você e dizendo que você não significa nada pra ele.
— O Steven não era...
— O Steven não era meu namorado, mas eu gostava dele o suficiente pra me sentir derrotado depois de ouvir uma dessas.
Melanie concordou, pela primeira vez, e entendeu, então, a razão do sofrimento de John. Permaneceram em silêncio por alguns segundos, até que John, olhando para o exterior do refeitório, continuou:
— Mas essa não é a pior parte.
— Ah, não? E o que mais ele fez? Não vá me dizer que ele te agrediu!
— Não, não é nada disso.
— Então o que é?
— É o Andrew.
— O que ele fez?
John suspirou.
— Sei lá, acho que eu tô gostando dele.
Melanie franziu a testa e arregalou os olhos. Novamente não soube o que dizer.
— Tá, por que você acha isso? — perguntou.
— Na verdade eu tenho pensado nisso há algum tempo, desde antes das férias. Enquanto a gente esteve na casa dele, aconteceram algumas coisas. Coisas bobas, insignificantes até, mas que mexeram comigo. E ontem... Ontem pela primeira eu senti que ele estava no comando. Ele era o forte, o protetor, e eu era o garoto indefeso — John fez uma pausa. — Chega a ser controverso, mas eu nunca quis tanto que alguém me beijasse quanto eu quis que ele me beijasse ontem.
— Que loucura, John! E agora?
— Agora fodeu.
— Por quê? Isso é tão mau assim?
— Regra básica número um sobre ser gay: uma das piores desgraças que podem acontecer é se apaixonar por um hetero.
— "Uma das"? E tem algo pior que isso?
— Tem. Ser trocado por uma mulher. E tem uma ainda pior: se apaixonar por um hetero e ele te trocar por uma mulher, mesmo que vocês estejam namorando só mentalmente. E eu corro esse risco, mas não, não estou namorando o Andrew mentalmente.
— Namorar mentalmente? Da onde você tirou isso?
— É quando você namora uma pessoa mas ela não sabe. Tirei de lugar nenhum, ué, tanta gente faz isso...
— Ai, John, sério, você tem probleminha.
— Quisera eu que fosse só um probleminha. Tô te falando, minha amiga, minha vida não tá fácil — John se levantou. — Vamos.
▪▫▪
O tempo parecia passar cada vez mais devagar. Cada minuto parecia mais longo do que o anterior. Na biblioteca, John tentou, o máximo que pôde, não estampar sua tristeza no rosto; não estava a fim de dar explicações a Norma, que parecia poder ler sua alma, tamanha era sua precisão quanto a essas coisas. Havia bastante trabalho a ser feito, isto ajudava a disfarçar a feição triste e desconcentrada.
Nenhuma pergunta foi feita durante o expediente. Com forçada naturalidade, John se despediu e seguiu seu caminho de volta ao alojamento, como de costume. Ao entrar em seu quarto, percebeu que Andrew não estava. Acendeu a luz, entrou e jogou sua mochila em qualquer canto. Tinha alguns trabalhos acadêmicos para fazer, mas faltava-lhe disposição. John apenas tirou os sapatos, as meias, deitou-se em sua cama em posição fetal e ligou a TV.
Faltava algo.
Faltava Andrew. Onde estaria ele? E por que aquela pergunta naquele momento? John estava sem sua proteção.
Faltava isso.
John fechou os olhos tentando não pensar em nada. Pensava em tantas coisas ao mesmo tempo que seu cérebro parecia estar cansado de tantas ideias desconexas se passando incessantemente.
Com o ranger da porta se abrindo, John abriu os olhos.
— E aí, joe?
— Oi...
Andrew fechou a porta novamente e se dirigiu ao guardarroupas, onde colocou sua carteira e sua jaqueta pendurada num cabide. Em seguida, caminhou até a cama de John e se sentou à beirada desta. Segurando uma de suas mãos, Andrew perguntou:
— E aí, como você tá?
— Indo... E você?
— Eu tô bem, mas, confesso, se eu pudesse, passaria essa sua tristeza pra mim. É a primeira vez em quase oito meses que eu te vejo desse jeito. Eu não sei o que aconteceu, mas não gosto de te ver assim, cara.
John pensou em sorrir, mas achou inapropriado. Apenas torceu o lábio e apertou a mão de Andrew. Queria dar-lhe uma satisfação, mas não poderia dizer a verdade. Então decidiu mentir.
— Ontem, quando eu saí, minha tia me ligou e me disse que um amigo meu de adolescência faleceu.
Andrew fez cara de surpresa. Não imaginara que pudesse ser aquele o motivo.
— Poxa, que chato... Faleceu de quê?
— Leucemia. Eu sabia que ele estava doente, mas não pensei que fosse tão grave. A gente não era assim tão amigo, mas eu fiquei abalado. Eu gostava dele.
— Compreendo... Tem alguma coisa que possa fazer por você?
John pensou por um instante.
— É, tem.
— O quê?
— Não morra.
Andrew riu discretamente.
— Eu não vou morrer, não se preocupe. Nunca vou sair da sua vida, nem morto.
— Promete?
— Prometo.
Andrew se curvou e beijou a têmpora de John, que sorriu em agradecimento. Andrew se levantou e se sentou em sua cama, tirando os sapatos e a meia.
— Eu acho que você precisa se distrair — disse.
John o olhou e esperou que continuasse.
— Ontem, quando você chegou, eu estava falando com um amigo meu e ele me convidou para ir a uma festa que está organizando com a turma dele. Vai ser tipo festa baile, é aniversário de alguém, parece. Você poderia vir comigo pra sair um pouco dessa deprê.
— Quando?
— Sexta-feira agora. Eu não conheço quase nenhum dos amigos dele, então pode ficar tranquilo que eu não vou te abandonar como no primeiro dia de aula, não.
Algum silêncio.
— E aí? O que você acha?
Era uma boa ideia. John precisava mesmo se distrair um pouco. Acabou concordando.
— Tudo bem, eu vou.
— Beleza — Andrew calçou seus chinelos e se levantou. — Vou lá na cozinha comer com o pessoal, quer alguma coisa?
— Não, obrigado.
— Então tá, já volto.
Saiu. John fechou os olhos. Deitou a cabeça sobre as mãos e suspirou. Agora seus pensamentos pareciam menos confusos e desordenados. Ainda assim, eram muitos. Queria parar de pensar, deixar que o vazio permeasse sua mente e lhe tirasse aquele maldito aperto no peito.
▪▫▪
Mais um dia se iniciava e transcorria. Enquanto John ouvia o que o professor ministrava durante a aula, uma série de outros pensamentos começaram a povoar sua mente. Alguns reconfortantes, mas outros um tanto arbitrários.
— Qual é, John? Levanta essa cabeça, moleque! "Moleque", sim, porque você está agindo feito um adolescente que acabou de perder a primeira namoradinha. Acorda pra vida, rapaz! Você não foi o primeiro e nem vai ser o último a levar um pé na bunda! Esse cara se acha muita coisa, mas é um grande saco de merda! Agora, você, você tem muito o que oferecer, muito o que ensinar, você é bom! Não vale a pena chorar e querer passar o dia inteiro trancado no quarto revivendo todos aqueles bons momentos que vocês passaram, isso não muda nada. Sai dessa fossa e segue sua vida, porque ele certamente está seguindo a dele!
Um piscar de olhos e aquela voz ressoante se dissipou como fumaça branca. De onde veio aquela voz dentro de sua cabeça? E por quê? O que havia mudado? John olhou para o lado com olhar desconfiado e viu Melanie concentrada no que o professor falava. Já nem sabia mais qual era o assunto. Parecia que os últimos segundos foram de completa catatonia.
Tentando evitar que a Voz da Razão tornasse a se manifestar, John chacoalhou a cabeça, esfregou os olhos e voltou a se concentrar na aula. Ainda estava um tanto triste e abatido, mas notou que alguma coisa em si havia mudado de uma hora para outra.
Ao final da aula, enquanto caminhava com Melanie rumo à saída da universidade, John questionou:
— Mel, quanto tempo leva pra se consertar um coração partido?
Caminhando devagar com os braços cruzados, Melanie, com o olhar alheio, respondeu:
— Depende. Pode ser em um dia, dois, uma semana, meses, anos, nunca... Por quê?
— Sei lá, parece que eu já estou me sentindo tão... conformado.
— Talvez sim, talvez não. Muita gente fica muito tempo com o coração partido porque não tem ninguém pra conversar, pra desabafar... Aí fica guardando essa mágoa dentro de si e não supera a perda nunca. Se bem que sua perda é fácil de se superar, o Steven é um babaca completo mesmo.
— Obrigado por menosprezar meus sentimentos.
— Você acabou de falar que está conformado.
— Disse isso porque eu acho que eu deveria estar muito pior do que estou. E é estranho.
— Não reclame. Milhões de pessoas com o coração partido queriam ter essa sua auto-regeneração ultrarrápida.
Alcançaram a saída da universidade.
— Almoça comigo? — perguntou Melanie.
— Não, obrigado, tô sem fome.
— Típico... Então a gente se vê amanhã, querido. Beijo.
— Tchau, até amanhã.
John deu meia volta e, devagar, seguiu o caminho para a biblioteca. Quando estava quase chegando, sentiu seu celular vibrar dentro do bolso. Pegou-o e caminhou para um canto mais silencioso enquanto tentava identificar o número estranho no visor.
— Alô? — atendeu.
— John? — perguntou uma voz masculina.
— Eu...?
— Sabe quem tá falando?
A voz não era totalmente estranha, mas John não conseguia recordar a quem pertencia.
— Hum... Vale pedir uma dica?
— Claro.
John pensou por um instante, ainda tentando se lembrar de onde conhecia aquela voz.
— Deixe-me ver... Eu amo você?
A voz do outro lado da linha riu sonoramente.
— Olha, eu não sei, acho que não, mas eu adoraria que amasse, um dia! Você ama muito alguém que eu também amo. Pronto.
John sorriu e levantou as sobrancelhas.
— Riley?
— Hahahaha! Finalmente!
Ambos riram da brincadeira. Riley era a última pessoa de quem John esperava receber uma ligação.
— Ô, que coisa boa ouvir sua voz!
— Digo o mesmo, garoto! Estamos com saudades de você aqui.
— Manda um beijo pra tia Beth e diz que eu também tô com saudades. Não vejo a hora de voltar pra casa de novo... Tá tudo bem por aí? Aconteceu alguma coisa?
— Por aqui tá tudo ótimo, não se preocupe, eu liguei pra falar com você mesmo. Aliás, você está ocupado? Estou atrapalhando alguma coisa?
— Não, não, pode falar.
— Então, você está em Taigo, né?
— Estou, sim.
— É que sexta-feira eu vou estar aí, em viagem pela empresa. Daí eu me lembrei de que você estuda e mora aí e pensei em te ligar pra gente marcar de se encontrar, conversar. O que você acha?
— Acho ótimo! Mas, peraí... — John cobriu a boca com a mão e ficou pensativo. — Poxa, sexta eu tenho compromisso com um amigo meu.
— Não, não se preocupe, eu só volto pra cá no domingo à noite. Teremos tempo.
— Bom, sendo assim, fechado!
— Eu já fiz minha reserva no hotel. Tem como anotar o endereço aí?
— Tem sim, só um minuto.
John abriu sua mochila e pegou uma caneta e um pedaço de folha de caderno. Anotou o endereço, guardou o pedaço rasgado de papel dentro da carteira e continuou a conversa superficialmente por mais um ou dois minutos, até que desligaram.
Aquela ligação veio em momento muito oportuno. John precisava mesmo se sentir em casa, precisava de algo familiar a que pudesse recorrer. Ouvir a voz de Riley foi algo muito animador, que fez com que John conseguisse desempenhar seu trabalho na biblioteca com um sorriso no rosto, longe de ideias perturbadoras. Sentiu que estava em paz.
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