Capítulo 12 (parte 1)

"Uma falta de disciplina

Uma mão para cortar a outra

Tão antiético — você não é um amigo, é só um amante"

(The Birthday Massacre Goodnight)


Um cheiro forte de café invadiu os sonhos turvos de John e logo o fez acordar. Com os olhos pesados, ouvia apenas os pássaros e o assovio distante de Andrew na cozinha. O cheiro, ainda pairando pelo ar, fez seu estômago vazio roncar.

Após um longo e murmurado espreguiçar, John se sentou na beirada da cama, esfregou os olhos e respirou fundo. Caminhou devagar até a suíte do quarto, escovou os dentes e seguiu para a cozinha, onde estava Andrew.

— Bom dia! — disse ele.

— Bom dia.

— Está um pouco tarde pra tomar café, mas eu fiz um pouco. Também fui à cidade e comprei algumas coisas, espero que esteja com fome.

John se sentou.

— Quer dizer que eu fiquei sozinho aqui, então?

— Sim, e tenho certeza de que nenhum zumbi tentou te atacar enquanto você dormia.

John não respondeu. Andrew trouxe o bule de café para a mesa e se sentou. John se serviu e comeu uma torrada com os olhos fechados, protegendo-os da luminosidade.

— Nossas férias estão acabando — constatou Andrew.

— Graças a Deus. Não aguento mais... — John interrompeu-se de súbito e não concluiu.

— Dormir comigo, eu sei.

— Desculpe, foi automático. Combinei comigo mesmo que vou parar de fazer comentários que te desmereçam. E não é ruim dormir com você.

— E você vai comentar o que, então?

— "Quando não tiver o que falar, cala-te", já dizia o meu avô.

— Mas eu não quero que você se censure por minha causa. E eu sei que você não faz por mal, então não liga, pode falar o que quiser.

John assentiu com a cabeça e tomou um longo gole de café.

— Hum... — gemeu rapidamente — Esqueci de perguntar: quem era aquela garota da piscina, com quem você ficou o tempo todo ontem?

Andrew cruzou os braços sobre a mesa.

— Ninguém importante. A gente se conhece desde a pré-adolescência. Estudamos juntos por um ano e ela era super a fim de mim, mas eu nunca dei moral. Mas ontem eu não estava fazendo nada mesmo, ela deu mole... — Andrew fez careta. — Nada demais.

— Nossa, se vocês estavam quase se engolindo sendo nada demais, imagino se fosse; teria sugado as amídalas dela.

Andrew riu alto.

— Ah, que nojo, joe! Mas e você e o Sean?

— O que é que tem?

— Ué, sei lá, vocês dormiram juntos né...

— Eu e você estamos dormindo juntos há quatro dias.

— Ah, mas é diferente.

— Três dias de diferença.

— Você é meu amigo.

— E ele é seu primo.

— Ô, mas você é terrível, hein? — arfou Andrew, em protesto.

— Andrew, lindo, se você quer me perguntar alguma coisa, vá direto ao ponto.

Andrew suspirou. Inclinou a cabeça e apoiou o queixo sobre uma das mãos. Observou John em silêncio por alguns segundos e perguntou:

— Ele faz seu tipo?

— Faz. Adoro loiros altos e sarados com carinha de safado, olhar de sedução e um quê de seriedade ao mesmo tempo. Uma mistura atrevidamente exótica — respondeu John com toda sua naturalidade.

— Nossa!... — Andrew torceu os lábios — Parabéns para ele, então.

Fez-se profundo silêncio, enquanto John tomava o último gole de seu café e se ajeitava na cadeira.

— Senti — disse, pensativo.

— Sentiu o quê?

— Cheiro de ciúmes.

— Ah, te catar, John — desdenhou Andrew.

— Andrew, meu amigo, não seja egoísta. Cabe todo mundo no meu coração, e o espaço reservado pra você é bem grande, não precisa se preocupar — disse John, dando dois tapinhas na mão esquerda de Andrew, sobre a mesa.

O toque do celular de Andrew interrompeu a conversa.

— Alô?... E aí, Phil?!... Eu tô aqui em Greenville com o John... Claro, podem vir!... Tá, tamo esperando vocês então... Até já!

Desligou.

— Falando em Sean, estão vindo pra cá.

O coração de John disparou ao ouvir tal confirmação. Então ele veria Sean novamente. Disfarçando a pequena onda de euforia que percorrera seu corpo, John se levantou e levou sua xícara até a pia.

— "Estão vindo" tipo... agora?

— É, daqui a pouco eles chegam — Andrew se levantou. — Pior é que não tenho nada pra servir a eles; só tem mais uma garrafa de refrigerante... Devia ter pensado nisso quando saí de casa. Merda...

— Mas você não sabia que eles viriam, ué. Depois a gente sai e come em algum outro lugar, se for o caso.

— É, pode ser.

Andrew beijou a testa de John.

— Vou arrumar o quarto.

Foi. John se sentou no sofá da sala, ligou a TV e sintonizou o canal de desenhos animados. Através das janelas abertas, agora, à luz do dia, era possível perceber quão bonita era a vista dos arredores da casa. A propaganda de Linda não fora nem um pouco exagerada. Era a natureza em sua definição mais pura. Naquele lugar também era possível se esquecer da vida, das horas, do tempo, das coisas.

Uma hora se passou. Quando já estava arrumada quase toda a pouca bagunça, ouviu-se um barulho de motor ao longe seguido de uma longa buzinada.

— Oh, chegaram!

Andrew foi até a porta e gritou:

— Tá aberto!

John permaneceu sentado no sofá, com os cotovelos apoiados sobre os joelhos, ansioso por saber que, dentro de alguns segundos, viria Sean novamente. Já nem fazia questão de que algo mais acontecesse; queria simplesmente vê-lo.

Logo estacionaram o carro, desceram, fizeram uma pequena algazarra e caminharam em direção a Andrew, que os esperava na porta.

— E aê, primo? Tranquilo?!

— E aí, cambada, como é que estão?

John se levantou e guardou as mãos nos bolsos das calças enquanto Andrew trocava beijos e abraços com seus primos. O primeiro a entrar foi Clive, o do meio, que abriu um largo sorriso ao ver John e logo veio em sua direção.

— E aí, John, como é que vai?

Antes que John estendesse a mão direita para cumprimentar o primo, este abriu os braços cordialmente, envolvendo John em um abraço apertado.

Surpreso, John correspondeu e respondeu:

— Vou muito bem, obrigado.

Mais três tapinhas nas costas e um sorriso e em seguida veio Phil, que também ofereceu seu abraço de saudação. Então, por último, Sean, com seu olhar misteriosamente sedutor e sorriso encantador.

— E aí, John?

Abraçou-o com todo seu corpo, acariciando-lhe brevemente as costas com suas mãos largas e deixando-lhe um beijo no rosto que passou despercebido por todos. John apenas retribuiu o abraço e sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Tudo ótimo. E você?

— Melhor agora — sussurrou Sean.

Passadas as saudações, todos foram se sentar. Phil se sentou ao lado do assento em que John estava. Para não levantar suspeitas, John não foi para o lado de Sean, apenas recuou e voltou para o mesmo lugar onde estava, ao lado de Phil. Este passou o braço pela cabeceira do sofá e bagunçou os cabelos de John. Sean, ao lado de Andrew, apenas sorria discretamente.

— O que vocês dois vieram fazer aqui? — perguntou Clive.

— Minha mãe. Ela quis que o John conhecesse, então viemos.

— Cara, isso aqui é um tédio — afirmou Phil.

— Mas é um tédio muito bonito.

— Falando em beleza, Andy — disse Sean, desviando o assunto —, quem era aquela garota da festa?

— Era minha convidada! — respondeu Phil, levantando o dedo indicador. — Certeza que ela e o Andrew se entenderiam.

Todos riram.

— Não era ninguém importante, Sean, só uma garota.

— E você, John? Devia ter pegado alguma gatinha na festa! — disse Clive. — Vi muitas te azarando de longe.

Antes que John pudesse tomar fôlego para inventar alguma resposta e suplicar a Deus que Andrew ficasse calado, este fez o favor de não trair as expectativas:

— O John joga em outro time, galera.

Silêncio imediato. Sobrancelhas erguidas. Olhos bem abertos e o olhar de John fuzilando Andrew, que continuava abraçado a uma almofada, sorrindo, como se tivesse dito qualquer coisa sem muita importância.

— Obrigado, Andrew, por continuar cultivando essa linda mania de dizer isso nos momentos mais inapropriados.

— Não é inapropriado; estamos entre amigos. Estes caras são praticamente meus irmãos.

Seus irmãos, não meus. Eu não preciso jogar minha sexualidade na cara de ninguém, não sei por que você faz isso por mim.

Corpos imóveis, expressões imóveis, mais silêncio imóvel, seguido de um murmuro de desculpas vindo de Andrew.

— Eu não tenho nada contra — disse Clive, isentando-se da responsabilidade.

— Pra mim tanto faz — disse Phil —, mas, cara, como é possível não gostar de vaginas? — perguntou em tom inconformado. — Elas são tão... tão "tão", sabe?

— É! E os seios? Eles são tão macios e sexy e apalpáveis! — continuou Clive.

— E o sexo, então? É tão perfeito, tão excitante, tão profano e divino, ao mesmo tempo! O encaixe, o cheiro de suor, de luxúria...!

— E todas aquelas curvas, a pele macia, o toque delicado e...

— Querem parar, vocês dois? — exclamou Sean com voz firme e imperativa. — Isto aqui não é um talk show e o John não é Sue Johanson, então vamos parar, né? Não estão vendo o que estão o deixando constrangido?

Phil e Clive se calaram imediatamente, para o alívio de John.

— Ah, por que, Sean? — reclamou Andrew. — O John é fera nisso. Vocês precisavam ter visto a aula de sexualidade que ele me deu no começo do ano, quando eu descobri que ele mordia a fronha. Ele tem resposta pra essas perguntas todas, garanto — disse, em tom de incentivo ao debate.

Mais um instante de silêncio.

— Olha, não é por nada, não — prosseguiu Phil. — Nada contra você, John, sério mesmo, mas imagina... um cara pegando o... o... do outro...

— Phil, por...

John fitou Phil e sinalizou para que Sean o deixasse falar.

— Prossiga.

— Sei lá, acho muito estranho. Nojento, até.

Com o tom sereno de sempre, John respondeu:

— O mesmo fascínio que você tem por vaginas, eu tenho por pênis. Então, o que pra você é nojento, pra mim é um te-são — enfatizou, dizendo isto pausadamente. Depois se descontraiu e se recostou novamente no sofá. — Mas nada contra vaginas; acho ótimo, desde que estejam longe de mim.

— Ok, ok, ok — finalizou Andrew, batendo palmas. — Pergunta respondida, agora vamos mudar de assunto porque este está ficando realmente muito nojento. Vamos falar de vídeo game. O que vamos jogar hoje?

▪▫▪

Escolheram um jogo de corrida e se ajeitaram novamente nos sofás. John e Sean apenas assistiam à diversão dos três e trocavam alguns olhares rápidos e furtivos, em silêncio.

— Eu vou lavar a louça — disse John, já um tanto entediado, se levantando.

— E eu vou ajudar — completou Sean.

Seguiram os dois até a cozinha a passos lentos. John suspirou e se aproximou da pia, ouvindo o um tanto abafado burburinho vindo da sala.

— Seus irmãos são fogo, hein? — perguntou John, de costas para Sean.

Sem responder, Sean se aproximou de John e, rapidamente, puxando-o pelo quadril, virou-o de frente para si. Levou uma mão até sua nuca e beijou-o com urgência. Um daqueles beijos-surpresa que tiram o fôlego mais pelo susto que pela intensidade. Esta era a última coisa que John esperava que Sean fizesse. Por mais que beijá-lo novamente fosse uma possibilidade excitante, isto não havia passado por seus pensamentos distraídos.

Ignorando a presença dos demais na casa, Sean trouxe o corpo de John para si e entrelaçou suas duas mãos em seus cabelos arrepiados. John apenas se apoiava no quadril de Sean e tentava se concentrar naquele beijo tão rápido e vigoroso. Mesmo numa situação tão perigosa, Sean conseguia ser sutil e envolvente; suas mãos, grandes, mas leves, acariciavam os cabelos de John enquanto suas bocas se exploravam sofregamente.

Quando sentiu que tanto seu membro quanto o de Sean já estavam rígidos como rocha e seus corpos começavam a pedir algo mais, John, mesmo a contragosto, se afastou, ofegante.

— Calma, Sean, aqui não. É perigoso.

— Ninguém vai aparecer aqui, vai, me deixa te beijar, por favor — sussurrou ele, tentando se aproximar novamente.

John o impediu.

— Sean, por favor, controle-se. Não que eu não queira, mas é pro seu próprio bem. Você sabe que pode aparecer alguém aqui sim e isso te daria muita dor de cabeça.

Sean suspirou e se afastou, erguendo as mãos em rendição.

— Tudo bem.

John se recompôs e respirou fundo. Com o coração a ponto de sair pela boca, começou a lavar a pouca louça da noite anterior e da manhã enquanto Sean caminhava pela cozinha e analisava as prateleiras, em silêncio. Abriu a geladeira e perguntou, um tanto admirado:

— Ué, nada pra comer?

— Não. Nem nos armários.

Sean foi até os armários e os vasculhou, constatando que também estavam vazios.

— Hum...

Fechou as portas do móvel e caminhou até a pia. Parou ao lado de John e o ajudou secando vagarosamente a louça que ele lavava. Seu olhar desconcertante desconcentrava e desviava a tênue atenção que John prestava no que estava fazendo. Seus corpos praticamente gritavam um pelo outro e seus olhos teimavam em se encontrar. Mas John se manteve forte e resistiu.

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