2 - Fim de um Caminho não Percorrido

***


Jennifer apenas fica ali, completamente estática, poucas horas depois, sem se perguntar por que todos encaravam o carro do Sr. Saint com aquelas expressões, sem se perguntar por que haviam tantas luzes, tantas vozes e tantos ruídos. Por que uma sirene insistente e repetitiva ecoava agora impregnada para a eternidade em suas memórias.

Sentiu algo em seu ombro; era Berlie, com a expressão mais real que já vira aquela face cínica exprimir.

Os olhos agudos agora arregalados, fixados na poça de sangue vermelho escuro que se estendia no jardim. Uma poça centrada, quase circular, rodeada de fitas amarelas e pés calçados em sapato social. Jennifer sentiu o peito inflar, se enchendo de voz para um grito ou um pranto, ou os dois, porém, nada saiu. Ficou ali, entalado na garganta. Uma bolota que coçava, remexia como algo vívido.

Seu corpo ainda parecia amortecido, sua mente desperta e visualiza rostos conhecidos distorcidos pela dor.

Pensa em dar um passo adiante, porém seu cérebro não estava conectado à seu corpo naquele instante; via a tudo, sentia, mas de alguma forma, não conseguia sair do lugar.

__ O quê?! Quem está lá? Quem está lá, mãe?__ uma voz alterada se sobressai.

Agoniada, perdida no caos de gente e ruídos, Bárbara tenta chegar até o jardim, temendo o pior, visivelmente pela cor vívida de sua pele de porcelana.

O rosto vermelho, os olhos azuis em combustão. Numa fúria que não deixaria ninguém lhe impedir de compreender o que diabos acontecia; os saltos ecoam, cada passo mais rápido, e mais rápido...

Tec tec tec.. Até sanarem. Abruptamente. Um baque fundo, como o toque único de um tambor, acompanhado de um grito de um profundo terror, intenso e triste.

Seus joelhos desceram ao chão em poucos segundos, assim como as mãos, tapando inconscientemente a boca, mesmo que não abafasse uma mínima parcela de seus soluços. Estava trêmula, dizendo coisas, incompreensíveis, negações, mesmo após Mariza lhe rodear acolhedora em seus braços, demorou minutos até que se levantasse dali.

Jennifer que ainda não soltara aquele pranto em carne viva, desvia o olhar; se sentia horrível por ser a única a não chorar, a única a estar pressa nas garras das últimas horas que aquele cadáver teve em vida. Seu cérebro não aceitava que estava ali.

Apertou os olhos, porém, nada. Seu corpo rígido parecia ter se metamorfoseado em pedra, até mesmo Berlie parecia incapaz de conter alguns filetes silenciosos de lágrimas, até mesmo a pessoa que lhe disse com todas as palavras que...

Era injusto. Era cruel. Apertou ainda mais os braços delicados contra o corpo, desejando com todas as forças que Gabriel aparecesse por aquela porta e a levasse para longe.

Percebeu os olhos de Bárbara em si, e viu uma frieza que lhe fizera encolher o corpo, lhe fez sentir vergonha.

"Por que não está chorando? Por quê? Por quê? Por quê?!!"

Gritava no silêncio de seu mar verde e turbulento.

Queria correr, fugir, sem saber pra onde ou porquê; não havia feito nada de errado, então por que sentia como se tivesse?

Deu um passo pra trás, recuava, fazendo seu corpo a responder, nem que fosse pelo medo ou desejo de desaparecer. Não queria ver mais nada, odiava aquele dia, odiava ter que lembrar tão claramente daquele rosto pálido há pouco tempo recheado de vida.

*

*

*

De repente era engolido numa noite sinistra e gélida. Raph não se pegou desviando o olhar mais um segundo sequer, porém tremia de um frio severo, encravado na alma, o suficiente para ter a desculpa perfeita para fugir dali.

Entretanto, o jovem não se mexeu.

Queria tê-lo xingado, empurrado e reclamado, arrastado os pés pelo asfalto o suficiente para desviar do perigo iminente. Porém, o que teria impedido? Raph não saberia dizer. Literalmente travado, com os lábios trincados, sebosos ao toque, o gosto de sangue tomando no teto da boca.

Devo ter mordido a língua. O que seria estranho, pois não se movia. E pensou ter erguido a mão para conferir, se pudesse fazê-lo, se pudesse achar a si mesmo, se pudesse achar suas mãos. Onde estava?

A negritude de uma paisagem noturna entrecortada de luzes ofuscantes.

Alguém... Alguém sabe onde...

Uma fuligem grossa caia do céu. Podia ver tão clara e densamente como se saísse de si mesmo. Mesmo que estivesse úmido e frio, não havia chama que crepitasse, ainda assim, ouvi-a. Por que ouvia? Haviam questões demais e ele sabia que estava no lugar errado e como sempre, na hora errada.

Um clichê. Num instante, com os pés no asfalto, o rosto queimando pelo álcool e palavras não ditas, no outro...

Virava-se no balcão, o estalar de língua lhe relembrava, e retornava ao segundo daquela conversa onde o frio invadia-o como veneno embaixo da unha.

Quem sabe fosse um maldito masoquista. Isso explicava como se punha em risco a cada passo. Num segundo era novamente um garoto quebrado e rachando pelos cantos, ouviria a voz de Thaís sussurrar num tom distante. E não gostou daquela memória. Quase uma lembrança inventada, mesclada tão perfeitamente no real e imaginário... Porém, não era incorreto.

Raphael Zadig era um garotinho perdido na saia da mãe. Quanto exatamente disso mudou? Virou outro copo, fixando o olhar no rosto sorridente do jovem a sua frente. "O que mudou? Eu quem não fui. Tudo e nada. E cada vez mais, percebo o quanto o nada se sobressai. E isso é... Triste."

Era triste porque estava ali, e seus sentimentos lhe esfregavam no meio da cara cada migalha esquecida de baixo do tapete, até a sujeita varrida até ali propositalmente.

Hesitante, ergueu a mão, sentindo a textura gélida do vidro, a sobrancelha erguida... Desistente.

Foi quando a coragem puxou suas mangas e rosto para cima. Odiava estar ali. Odiava ainda mais as não-mudanças, o eu clarificado, que ainda se importava com o que alguém como Gabriel Saint poderia pensar de si.

A forma como seu corpo se continha, contando os passos e desmembrando palavras, um pisar de ovos que já se tornava uma dança. Odiava ver como queria tanto agradá-lo.

"Foda-se. Você tem sua vidinha perfeita, enquanto finge alguma empatia pelo garotinho que te adorava pelos cantos. Não pense que pode me manipular.", resmungou em pensamentos.

Era estranho estar tão deprimido e com a mente tão clara, mas Raph sabia o que podia se deixar levar facilmente por seus sentimentos aflorados, mais uma razão para fugir enquanto havia tempo; se pondo de pé num instante, cambaleante, tão assustado com a própria sombra quanto um gato de pelos arrepiados.

__Sou patético. __ Murmurou sem forças, despejando o último gole direto na garganta, enquanto Gabriel se distraía com algo que o barman lhe questionava, interessado, radiante entre néons.

Havia certa inocência naquele homem crescido rindo pelos cantos de uma piada de bar, podia haver algo de simbólico naquele encontro, carrancudo, a cabeça inclinada como uma criança contrariada, Raph não tinha tempo para desvendar exatamente o quê.

Não que seja culpa sua... Todos eles são assim. Todos foram assim. Até aquela Rhett... Hesitou de braços arrepiados. A tez franzida e desacordo com pensamentos conflitantes, breves como a curvatura em seus lábios finos. Sim. Até ela.

__ Vou pra casa.

Anunciou, derretendo entre as dobras dos dedos. A música alta não impediu o Saint de corresponder a altura, surpreso, os lábios descurvando e modelando no ar, como se estivesse entre dizer e não dizer alguma coisa, e principalmente demarcando a beleza de uma expressão tão natural e genuína. Ele ainda era irritantemente bonito, mesmo descabelado e suando pelos cantos. Odiava isso também. Odiava ao ponto de querer ignorá-lo e correr. Porém ainda era um covarde de pés enterrados no chão.

__ Então eu vou te levar em casa.__ Espalmou a mão na mesa, fazendo a pulseira tilintar embaixo do pulso.

Agradeceu o barman por qualquer coisa, puxando o casaco pro centro do peito. Estremeceu risonho. Até o frio era digno de seu humor voluptuoso.

Porra, como tá frio. Ainda era estranho vê-lo falar palavrão tão livremente. Notou sem querer, o outro percebeu, serenando tão digno quanto um adulto guiando uma criança perdida. Mas Raph não estava tão disposto a deixá-lo guiar-lhe como uma donzela, decidiu, adiantando o passo firme e forte.

__ Estou bem. Posso ir andando. Sei que você deve está... Na direção oposta. __ dizia em vão, sentindo o outro segui-lo tão rápido e agilmente quanto um atleta __ A mansão Saint é pra lá.

Como poderia esquecer. É óbvio que aquele cara tinha algo em mente, ainda assim, não queria deixar claro que ele sabia.

Mas uma coisa imutável era como o Saint sabia como ser insistente.

__ Você não mudou nada. __ Sussurrou, ainda assim Raph ouviu em alto e bom som.

__ Em qual sentido? __ Apressou o passo, irritado e pronto para dilacerar aquele reencontro duradouro. Não deixaria que visse mais daquela expressão.

__ Em todos eles. __ Por que ele estava adiantando o passo? Por que insistir em levá-lo pra casa? Por que...__ Fico feliz. É mais fácil.

__ O quê?

__Eu queria falar com você.__ Não. Não fale.

__ Depois de todo esse tempo? O que é importante dizer agora?__ O rompante raivoso surpreendeu a ambos. A voz embolando o envergonhava, mas as palavras simplesmente saíram.

Isso não o impediu de avançar, como uma estátua de mármore, silenciando-o com sua presença. Frente a frente. Ele estava tão alto. Como se fosse possível crescer mais do que no colegial... Jogadores de basquete são injustos.

__ Eu pensei no que dizer... Por todos esses anos, cada palavra diante do espelho. Mas passou tanto tempo e... __ desviou os olhos parecendo envergonhado subitamente __ ...Só achei que não valia a pena.__ Murmurou, a voz rouca fazendo os pêlos da sua nuca arrepiarem. Raph soube então aonde aquela conversa terminaria. E não gostou nada.__ Mas agora a oportunidade surgiu em forma de acaso. Você apareceu na minha vista... __ Se aproximava de si como um felino __ E vejo tão claro o Zadig que eu conhecia, que me faz querer poder ter dito antes tudo o que deveria.

__ Você diz que eu não mudei, pode ser verdade__ Se forçou a dizer. __ Mas você mudou.__ Gabriel estava tão perto num passo largo. Desviou os olhos, se pegou distraído pelo cheiro de loção pós barba invadindo suas narinas. "O que está fazendo se aproximando assim? Se afaste. Se afaste. Se afaste. O que está fazendo? O que ele está fazendo? O que ele está fazendo? O que ele está fazendo?"

__ E isso é ruim? __ Não era uma pergunta retórica, porém Raph não conseguiu cuspir uma resposta.

Estava encurralado. Física e mentalmente.

__ Me diga.

Não havia mais passos a se dar, estavam profundamente solitários naquela noite silenciosa. Raphael estranhamente sentiu seus olhos lacrimejarem, enquanto os dedos tremiam de encontro ao peito dele, uma tentativa vã de manter alguma distância, de manter-se são e capaz de raciocinar por si mesmo.

Em segundos, seus medos se dissolveram na chuva breve, umedecendo a beira dos lábios, a pele exposta das mãos deles e a sua mente carregada, pronta para trovejar... Mal respirar.

Abafada pela chuva forte, aquela voz conseguiu cortar um caminho reto através da sua pele.

__ Me diga, Zadig... Você pensou em mim?__ Seu joelho vacilou, pensou que iria tropeçar, mesmo que não houvesse nenhum tipo de degrau. A estrada se fazia lisa e vazia, tumultuada apenas pelo respingos grossos de água.

__ Sim. __ Apenas deixou as palavras escorrerem.

Sempre fora um péssimo mentiroso; não pôde reviver os desejos de seu pai, não pode proteger a si mesmo ou imitar uma falsa empatia que o fizesse retomar aquela loja. Era incapaz de fingir até pelas mais honradas razões. Saint soube disto desta a primeira conversa, o primeiro entrecortar de olhares no corredor.

"Pensei, sim." Repetiu, numa mágoa bêbada e arranhada, cuspindo a melancolia de quem nunca soube manter máscaras. Então, reuniu um pouco de orgulho pra erguer os olhos, uma força mínima para fechar aqueles dedos, moles e incapazes de afastar.

 Absorto. Encontrou Gabriel sorrindo, tão incomum, tão aberto, entregue. Parecia achar engraçado, talvez para si fosse, aquele que jogava debaixo das escadas, como um colegial escondendo cigarros atrás dos livros no armário.

__ Por que pensou em mim?

Podia ver o mesmo olhar daquela tarde, sim. A forma como o fez pensar que podia voar... Para deixá-lo cair, tão desastrado e inexperiente como um pássaro caindo do ninho. Um olhar sutil e inocente, como o amigo que você confia os segredos de uma tarde chorosa, como o amigo que você promete manter longe dos segredos e escadas.

Raphael fora aquele amigo, e falhou em manter tantas promessas quanto em fazê-las. O que eu pensei... 

__ Pensei no quanto me arrependi de ter mantido seus segredos.__ Murmurou, sincero e turbulento__ Tanto quanto me arrependo de não ter podido esquecer você.

Um minuto de silêncio, onde suas respirações puderam se entrecortar. O Saint parecia enfim, consternado, pensativo, deixando a ironia e risos finos de lado, os lábios curvos, permitindo-se suavizar e estremecer, logo abaixo o peito estufado, tão pronto para o confronto quanto um pássaro orgulhoso.

__ Você... Não quis dizer isso__ Repetiu, deslizando os dedos pelos cabelos claros__ Zadig, eu queria muito ver você. E você também queria.__ Prepotente. Raph entretanto, não conseguiu rir.

__ Não pensei em você dessa forma. Não sei o que você espera de mim agora. __ Afastou um passo, brusco e medroso, o desenrolando de si, apenas para vê-lo apertar seu braço de imediato, corroer até os ossos, infiltrar-se em seus músculos com a leveza e crueldade de uma cobra.

Manteve o pé firme, mesmo que se sentisse incapaz de empurrar aquela mão.

__ Por que mentir? __ inclinava a cabeça, os cabelos encharcados grudando cada vez mais na tez pálida__ Eu não sou idiota. Vi como você me olhou a noite toda; Prescrustando, analisando, questionando a si mesmo se é isso que você quer, até concluir, assustado e em negação... Da mesma forma que me olhou há anos atrás...__ Pare. Cale a boca.__ Naquele corredor... Eu sei que você não esqueceu. Com uma expressão muito parecida com a que está fazendo agora.__ Quis afastar seus dedos, como tateavam seu queixo, seu pescoço. Mas era fraco. Era odiável. Era pequeno numa noite fria, escolhido em si mesmo e num egoísmo.

Por isso deixou que o beijasse. Após a hesitação, o empurrão, a afago trêmulo de testas gélidas e palavras entrecortadas. Por isso era fácil se perder em Gabriel. Porque cada músculo de seu corpo se lembrava de como era aquele gosto, ao mesmo tempo que lembrava do quanto fugiam daquilo. O desejo e a ânsia. Se tornou naquele garoto novamente, em segundos, Gabriel o encolheu na palma da mão, e na ponta dos lábios.

__ Não sabe o quanto quis fazer isso...

Oito anos de uma inocência alvejada. De repente, Raphael Zadig era aquele quem tinha contas a prestar. 

Então seria assim? Terminaria encurralado como numa corte cruel, brutalmente assassinado pela culpa dos anos, ou o medo, e até a raiva? Terminaria tal qual um perdedor, vencido por uma noite fria de soluços cortados pelo desejo protuberante, como um adolescente correndo sem ver os perigos de um passo em falso. Mas ele não era um adolescente, e podia ver bem o que um caminho mal traçado podia fazer.

Ah sim, a raiva. Grudado naqueles lábios macios, tão quentes mesmo cobertos de água, Raph sentiu a raiva de um impulso que também o atraia. Quando ele notaria? O seu egocentrismo cobriria através das retinas a verdadeira face daquele vácuo temporal. Não é o suficiente. Podia sentir o gélido da aliança roçando no seu pescoço.

Virou-se bêbado, em todos os sentidos, fora de si e tão ele mesmo que não se reconhecia; apertou a gola de sua camisa como ao próprio ego; "Não brinque comigo!", cuspiu, cheio de melancolia e raiva.

__ Nós nunca fomos nada além de conhecidos dividindo um guarda chuva... Não é?

A frase familiar perfurou o peito de ambos, e ninguém no mundo poderia desvendar a verdade que ela ainda representava.

O que aqueles olhos azuis responderiam? Não teria mais tempo de descobrir. A raiva o empurrou há tempo, cambaleante, sem se permitir recuar, mesmo que os erros não pudessem ser apagados, com uma fuga desesperada ele podia fugir, desenganar o caminho.

Estava oco através da densidade de um fumaça noturna, silencioso mesmo coberto de trovejadas. A cada passo espirrando lama pra todos os lados, enxergando o mundo da cabeça aos pés, a visão nublada da chuva salgada, Raphael sentiu o imenso frio de um peito vazio.

Não estava na metade do caminho, mal lembrava como seus pés podiam se mover tão rápido na calçada escorregadia, Raph já não via muito mais que luzes, por um tempo, a estrada se bifurcou, o tempo se estilhaçou em segundos, ouviu gritos e assistiu seus óculos partirem como papel de encontro ao chão, um mar de incertezas e sonolência, vermelho vívido escorria perto do pulso. 

Quando tentou virar-se, retirar um braço de cima do outro, algo perfurava de dentro pra fora, seus ossos doíam, e sequer sabia como isso era possível, também sentiu o caderno amassando embaixo do casaco, a caderneta velha de palavras tão indizíveis quanto apagadas.

Pensou estar alucinando, o rosto esfriava a medida que seus dedos afrouxavam, podia sentir seu corpo enfraquecer em segundos, o que só podia significar que todo aquele sangue era mesmo seu.

"Ah... Porra, eu vou morrer."

Sentiu-se sozinho. Podia ver sombras ao redor, ouvir suas vozes assurtadas, e ainda assim, suas mãos esfriavam sem um mínimo de calor humano, e para Raph, isso era tão triste quanto esmaecer num quarto velho de hotel.

 "O que teria acontecido se tivesse mantido aquelas mãos entre as minhas?". E novamente, era tarde demais. Era seu destino deixar o tempo decidir o que sacrificar e o perder gratuitamente. E o garoto perdera tanto, em tão pouco tempo, que pensou ter experiência suficiente para não viver o mesmo erro outra vez.

Tarde demais. Não há nenhum ponto final tão definitivo do que a morte. Por muito tempo pensou que não tinha razões para permanecer ali, esperar que algo pudesse mudar, como reviver lembranças num bar velho, repassar em frente a velha loja na esperança de ver sabe-se lá o que... Raph apenas se permitiu esperar, assistir, sem se preocupar em intervir. Por isso deveria ser bom estar acabando?

"Não. Não é. Não quero... Não posso." . Num instante tão decisivo, ele quis chorar, como um garotinho, quis chorar pelos medos que o corroeram, as fraquezas e faltas de comunicação, "Eu não quero.", quis ter dito a verdade sobre as dores de seu pai, a raiva e a decepção, abrir aquela porta e gritar a todo pulmão, "Fique!". Porém... Estava acabado.

Sentiu a gotícula de lágrima rachar a face, tão verdadeira como nenhuma outra.

O rosto de Gabriel se desenhou distante, mesmo tendo o visto há minutos atrás.

Sem despedidas, sem pontos finais. Raph quis ao menos ter podido beijá-lo sem raiva, longa e emocionalmente, tocá-lo sem culpa. Quis ver naqueles olhos as verdades indizíveis que ele também não ousou dizer pra ninguém.

"Eu não quero morrer."

A alucinação parecia piorar, em meio a luz brilhante, uma escuridão assustadora, moldando-se e, dedos longos, macios e quentes, que numa resposta ou não, apertaram-lhe de volta.

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