02

Eu estava feliz. Pode parecer meio idiota, mas eu estava me sentindo bem após tanto tempo procurando um emprego.

Jeongin falava algo pertinho de mim, mas eu nem sequer conseguia prestar atenção no que ele falava.

Ainda estava em minha cama, sorrindo de um jeito frouxo. Eu consegui uma entrevista de emprego e, sinceramente, parecia que uma tonelada de concreto havia sido retirada de meus ombros.

— Felix!? — Jeongin me chamou, dando um tapa em meu peito. Resmungando eu o olhei, passando a mão no local atingido. — 'Tô te chamando a horas, tá no mundo da lua? — Era um exagero, afinal, não tinha nem dez minutos que a ligação havia sido encerrada.

— 'Tava pensando aqui...

— Pensando em quê? — Se aproximando mais, de um jeito desconfiado me olhou.

— O que eu faço em uma entrevista de emprego? — De olhos arregalados o olhei em desespero. 

Eu sempre fui bom em comunicação, sempre gostei de ter pessoas para conversar e ter amigos para fazer algum programa junto, como sair e se divertir em algum bar ou até mesmo só para assistir algum lançamento no cinema. Eu gosto de falar, é isso. Mas também estava nervoso, tinha medo de falar algo que o senhorzinho não gostasse e acabasse me mandando embora do nada.

— Você vai saber o que falar, ué. Só leva o que ele pediu e faça o que você faz de melhor! 

— O quê? — Confuso, perguntei. 

— Falar, falar e falar! — Ele riu, levantando da minha cama e saindo do meu quarto, neguei com a cabeça. Idiota. 

Vencido pelas necessidades do corpo, me arrastei preguiçosamente na cama para sair dos lençóis quentinhos e pôr o pé no chão gelado. Mamãe sempre diz que isso faz mal, mas eu sempre fui teimoso. 

Ando vagarosamente até a porta e me assusto ao sentir algo peludo passando entre minhas pernas assim que eu a abro. Suspiro aliviado vendo Myung me olhando com aqueles olhinhos pidões. Meu bebê é tão fofinho. 

— Papai nem deveria 'tá acordado a essa hora. — Resmungo, pegando-o e fazendo um carinho em sua cabeça — Está com fome?

Obviamente eu não tenho respostas, apenas sei o que ele quer por conhecer bastante seu jeitinho. Ele não viria se esfregar em alguém por outra coisa, ou é comida, ou é vontade de sair. Então eu chuto a primeira questão, até porque ele não tem comido muito bem esses dias. 

— Aqui! — Coloco um pouco de ração em seu potinho e, como eu imaginava, ele pulou rapidinho no chão, começando a comer. — Sua fome é meio estranha, fazer o que não é? Puxou a mim, tem vontade de comer a qualquer momento. — Sorri, acariciando suas costas e afastando minha mão dali rapidamente. Myung não gosta muito que o toquem quando come, é melhor eu não arriscar minha mão com isso. 

— Bom dia, filho!

Fui até a geladeira, tomei um pouco de água e rapidamente voltei para meu quarto, deixando com que meus pensamentos fossem levados as coisas que deveria fazer no dia de hoje.

Queria destrancar a faculdade, mas o pouco dinheiro que tenho reservado, e o último que minha mãe mandou, a quatro meses atrás, não era capaz de pagar as mensalidades atrasadas e muito menos ajudar Jeongin com as contas aqui de casa, por isso o emprego de atendente me caiu tão bem, em um momento perfeito. 

E não é somente por esse motivo que eu ainda não voltei a fazer o curso.  Ano passado aconteceu um acidente no depósito da Universidade que eu estudo, ou estudava, depende de como as coisas vão se sair mais tarde. Já era noite e os estudantes noturnos estavam em suas salas, eu estudo de manhã por isso sou suspeito de ser o responsável desse tal acidente, mas não sou, eu sei quem é, e por sorte as autoridades também acreditaram em mim, eu acho. 

O problema é que o culpado está fora da cidade, aconteceu tudo muito rápido e mesmo deixando claro que não fui eu a por todos aqueles explosivos lá, ainda tenho vergonha de ir até à faculdade por isso, afinal, quase me expulsaram e me prenderam, o que graças a falta de provas e a todos os meus amigos, três no caso, que me ajudaram a negar tudo, isso não aconteceu, me poupando de mais essa vergonha. Eu tenho um psicológico difícil.

Hoje eu irei até lá destrancar a bendita faculdade de Psicologia e terminar, finalmente, o que eu realmente quero fazer, e logo depois ir até a casa do senhor Hwang para falarmos sobre o que eu vou ficar encarregado de fazer e para conhecer ele.

[...]

— Onde vai? — Jeongin pergunta assim que eu saí do quarto completamente arrumado, na minha visão, até porque meu estilo de roupa é um pouco estranho na visão de algumas pessoas. 

— Vou sair, preciso resolver algumas coisas. — Respondi, caminhando até a cozinha, sendo seguido por ele.

— Que coisas, hyung? — Ele está preocupado. É raridade ele me chamar assim e quando chama é sem perceber ou quando apronta algo. 

— Vou à faculdade hoje, Innie. — Pego uma maçã e dou uma mordida, encarando meu melhor amigo que se mantém parado e com os olhos arregalados. 

— Isso é ótimo, Felix-ah! — Corre em minha direção, me abraçando. A única coisa que eu faço é soltar um riso soprado. — Quer que eu vá com você? 

— Ei, não precisa! — O empurro pelos ombros, sorrindo. — Depois vou esperar uma ligação do senhor Hwang para que eu vá lá, sabe? Conhecer meu possível local de trabalho. 

— Espero que dê tudo certo. — Se sentou nos banquinhos do balcão, apoiando os cotovelos ali. 

— Eu também. — Sorri. Peguei meu casaco e minha mochila no cabide perto da porta, vendo Myung caminhar com seu rebolado natural até a cozinha. — Cuide de Ung para mim, ok? — Paro na porta de saída procurando por minhas chaves. 

— Eu sempre cuido! E... Hyung...— O olho no mesmo momento, sabendo que ele estava querendo me contar algo. — Minnie vai passar o dia comigo hoje. Aqui. 

— Era isso que queria me contar? — Dou uma risada desacreditada, a última vez que esses dois ficaram sozinhos nesse apartamento, não rolou coisa boa. — Só não façam na minha cama. 

— Nós nunca transamos no seu quarto! — Ele grita, escandaloso, batendo o pé no chão. 

— Não? — Olho para seu rosto vermelho, encarando de forma sugestiva e acusadora. 

— Aish... — Ele resmunga, pegando uma caixa de cereais e andando até a geladeira. — Foi só quatro vezes. Foi tudo culpa do Myung. 

— Para de pôr a culpa da sua foda, que aconteceu na minha cama, no meu gato. — Digo por fim, abrindo a porta o olhando mais uma vez. 

— Então foi, Innie. 

— O que o cacto tem a ver com isso? — Pergunto confuso. 

— Encheu minha cama de espinhos e Seungmin não queria furar a bunda com eles. — Respondeu tranquilamente, como se fosse verdade. 

E eu ainda duvido da capacidade dele em falar coisas sem sentido, sinceramente... 

— Olha Innie... — Nego com a cabeça, sorrindo. — Até mais tarde. 

Fecho a porta, rindo das bobagens que Jeongin é capaz de dizer. 

— Bom dia! — Cumprimento os vizinhos que me acompanham no elevador, sendo ignorado por todos aqueles velhos.

Sigo para a portaria sem me importar com isso, afinal, eles nunca respondem quando os cumprimento. Olhando no relógio em meu pulso, já se passavam do meio-dia. Meu coração estava mais acelerado que o normal.  

— Bom dia, senhor Choi! — Digo ao porteiro. O ajudante de fala de Jeongin, como ele diz. 

— Bom dia, Felix-ah! Onde vai tão cedo? — Pergunta realmente curioso.

Típico do fofoqueiro. 

— Resolver algumas coisas. — Sorri — Até mais! — Me despeço e sigo em frente, se desse espaço para ele entrar em uma conversa longa, eu só sairia daquela portaria no final da tarde. 

Andei até o ponto de ônibus, onde eu finalmente sinto e respiro fundo, ansioso pelas próximas horas que virão. 

Entrar novamente na faculdade era um pouco estranho, muitas coisas mudaram ali e eu não presenciei nada daquilo, era meio... Estranho, mas eu estava feliz, finalmente iria iniciar meu curso novamente! 

— Felix Oppa! — Ouvi ser chamado enquanto andava até a diretoria, e suspirei já sabendo quem era. 

— Sohui... — Me virei, vendo a garota vir correndo até mim. Faz mais de cinco meses que não a vejo, devo dizer que não senti muito sua falta. 

— Felix Oppa! — Falou mais uma vez, próxima de mim. Próxima demais. — Quanto tempo! 

— Realmente... — Falei meio desconfortável com sua aproximação. Começando a seguir caminho novamente, indo ao meu destino. 

— Vai voltar? Vai voltar para faculdade? Decidiu retomar os estudos? Isso é ótimo, Oppa! Você está bem? — Minha cabeça começava a girar de tantas perguntas, sua voz um pouco afinada e irritante não estava ajudando em nada, me deixando tonto. — Senti- digo, sentimos sua falta, Felix Oppa. 

— Também senti falta de vocês. — Olhei em volta, tentando recordar o caminho. Sentiram minha falta merda nenhuma. Todos sabem onde moro, não me visitaram por que então?

— Não lembro onde fica... — Virei um dos corredores, Sohui continuava a me seguir. 

— O quê? Sua sala? 

— Sohui, eu não vou voltar a estudar hoje...  As férias de fim de ano nem acabaram ainda. — Tentei não soar muito rude, me recordando o caminho para diretoria. — E você? O que faz aqui no meio das férias? Está bem? 

— Vim com minha mãe resolver algumas coisas, Oppa. E estou bem sim! — Segurou em meu braço, me olhando — Que coincidência, nos encontrarmos aqui, não é, Oppa? 

Oppa, Oppa, Oppa... Minha cabeça chega a doer. 

— Claro, Claro... — Suspirei aliviado ao ver a porta da diretoria. — Preciso ir, Sohui. Você está muito bem, fico feliz com isso. —Me desvencilhei de seu braço, caminhando até a porta com pressa. Ainda ouvindo sua voz lá atrás. 

— Ok, Oppa! Até mais! Espero te encontrar logo. 

Eu não. 

O negócio é que Sohui tem sentimentos por mim, isso está claro, o difícil é eu lhe dizer que não sinto e, provavelmente, eu nunca irei sentir esse tipo de coisa por ela. Tenho medo de machuca-la e acabar fazendo uma confusão maior do que já estou metido. Sohui é muito importante aqui nessa Universidade, na verdade, sua família é. 

Foi apenas uma noite, eu sei disso. Mas ela não parece entender. 

— Lee Felix, a que devo a honra de sua visita? — O diretor Jung me cumprimentou, com desdém nítido em sua fala. Revirei os olhos.

Ele não é minha pessoa favorita no mundo, está longe de ser. 

— Estou querendo voltar a estudar, Ahjussi. — Provoquei, sabendo que não gosta quando o chamam assim. 

— É meio difícil voltar depois do que faz, Lee. — Suspirei, abaixando a cabeça. 

— Nós dois sabemos que eu não tive envolvimento algum naquela merda, Jung. — O olhei. — Sei que o processo ainda está em andamento, mas aquela coisa está clara que foi armado contra mim. 

— Não é o que as câmeras mostram. — Apontou, me fazendo suspirar novamente. Me senti humilhado. 

— Ahjussi... — O olhei — Jungkook fez aquela merda sozinho e sumiu do nada, se ele não fez, porquê sumiu então? Eu não fiz porcaria nenhuma! E aquelas câmeras idiotas não estavam funcionando no depósito! 

— Não é precisa gritaria, garoto. — Se levantou. — Eu pouco me interesso pelo que fez ou deixa de fazer, só me diz uma coisa...  

De cenho franzido eu o encarei, sabendo que nada de bom sairia de sua boca. 

— Fiquei sabendo que sua mãe parou de mandar dinheiro para você há algum tempo, como pretende pagar isso se ao menos um emprego tiver, Lee? 

— Sua preocupação com o dinheiro é verdadeiramente linda. — Revirei os olhos, mais uma vez, em escárnio. — Não preciso do dinheiro da minha mãe, eu já consegui um emprego e terá o dinheiro mensalmente, não se preocupe. 

Era mentira, mas não deixaria ele me humilhar mais ainda. Que velho idiota! 

— Eu espero. — Foi até uma estante distante dali, pegando algo que eu realmente não sei o que é. — Onde estão seus documentos? 

Oh! Porra...

Estava com a cabeça tão cheia que acabei esquecendo o que eu realmente precisava, os documentos! 

— Vem para destrancar o curso e não traz os documentos? Começamos bem, não é mesmo? — Diz com o mesmo tom de voz de sempre. Eu luto contra mim mesmo para não responder com a mesma entonação. 

— Desculpe, mas... Você não tem as cópias deles aí? Lembro de trazer todos para fazer a matrícula e você pediu cópias. — Endireito minha postura, ainda o encarando. Jung suspira e se levanta novamente, agora, andando até um armário ali perto. 

— Você pode ficar tranquilo, estão todos aqui. — Destranca uma das gavetas do armário procurando por algo, mostrando uma pasta logo em seguida. 

— Então... Quando as aulas retornarem, eu já posso vir? 

— Certamente... — Analisa algo. — Só precisa pagar as mensalidades atrasadas. 

— O... O quê? — Digo confuso. Eu espero ter ouvido errado. Eu não deixei de pagar essa faculdade nenhuma vez, sempre quando não dava para eu mesmo pagar, eu entregava o dinheiro a Innie ou para...  

Ah, não! 

— Quantos meses? 

— Somente dois, nada demais. — Me olha. — Para quem tem dinheiro, claro. — Bufo irritado, cruzando os braços. 

— Pague-os antes de começarmos as aulas. — E joga algo em minha direção. Pego o papel suspirando, analisando o que está escrito ali. 

Porém, antes que eu possa ler algo, meu celular toca, anunciando uma ligação. Olho para o diretor e esse mantém somente uma expressão neutra, ainda me olhando. Enfio a mão no bolso da calça e tiro de lá o celular que tocava e vibrava, respiro fundo vendo ser Hwang Junghyun á me ligar. 

— Licença. — Falo antes de me levantar e sair da sala, pode ser algo sério ou somente sobre minha ida até sua casa. — Alô? — Atendo. 

— Felix? — Pergunta com receio, mesmo que seja meio óbvio que seja eu. 

— Sim! Sim! Sou eu. — Me encosto na parede fora da diretoria, torcendo internamente para que Sohui já tenha saído ou esteja longe desse corredor. 

— Está ocupado? — Ouço uma movimentação estranha vindo do outro lado da ligação

— Na verdade, agora sim, mas não demoro aqui. 

— Eu queria saber se pode vir aqui hoje. Meu pai é meio ocupado sabe? — Diz, me fazendo sorrir meio nervoso. 

— Claro que posso, eu preciso levar algo? Além do currículo, claro. 

— Não é necessário. — Rir soprado. — Venha daqui a pouco, sim? Meu pai está à sua espera, já que eu preciso voltar ao trabalho. 

Senti meu corpo gelar sem explicação alguma, nervoso. 

— Tudo bem, senhor Hwang! — Garanto. — Chego aí em menos de uma hora. 

— Boa sorte, garoto! — A ligação é encerrada e solto um suspiro prolongado, pode ser muito estranho isso, mas é legal toda essa "adrenalina" e ansiedade de esperar, nada muito normal.Voltei para a sala do diretor implicante e fiz o que deveria fazer, assinei papéis e comprovei documentos. Ainda estou meio receoso de tudo isso, mas, ao mesmo tempo, feliz. Sai de sua sala torcendo para não encontrar com Sohui no meio de qualquer corredor por aí, e graças a alguma divindade que goste de mim, eu não a vi.

Quando saí do prédio universitário fui andando até o ponto de ônibus mais próximo que estava ali.

É claro que eu não vou ter dinheiro o suficiente para pegar ônibus diariamente para ir e vir da faculdade, mesmo que seja um pouco distante do prédio onde vivo, ainda é uma distância pequena para andar a pé. 

Enquanto andava até a casa de Junghyun passei em frente a uma livraria e resolvi comprar um livro que a tempos estava querendo. Ultimamente não tenho tanto tempo para ler, já que a procura por um emprego toma a maior parte do meu dia, mas se tudo der certo hoje, terei bastante tempo para ler vários livros. 

Pode parecer meio brega ou coisa do tipo, mas eu amo romances, aqueles melosos e 'tals. Eu amo mesmo. Resolvi comprar um romance gay que há tempos eu queria ler; Com amor, Simon. Eu já vi o filme, mas ainda sim, tem mais emoção em ler aquilo, imaginar todas as cenas em sua cabeça, a emoção de querer meter a porrada no livro quando algum personagem faz merda, quando os dois estão em um momento de paz e você sabe que algo ruim vai acontecer. Porra, é ótimo. Coloquei o livro na mochila que havia pegado e saí da livraria. 

Aí eu lembrei que o lugar para onde vou também é uma livraria. Já comecei bem, hein. 

Sorri, negando com a cabeça, andando em direção a casa de Junghyun mais uma vez, passei pelo prédio onde morava e acenei para senhor Choi que já estava de olho na rua, curioso como sempre. 

Assim que cheguei em frente à casa que já conhecia, me surpreendi. A casa não tinha mais aquele ar de "vou cair a qualquer momento" estava completamente reformada, o andar de baixo tinha janelas grandes de vidro e a porta também, por fora já era possível ver várias estantes com livros e até algumas pessoas lá dentro. Me senti ansioso novamente, aquilo era sério. 

Toquei a campainha esperando para ser atendido. Apesar de ser um prédio comercial, ainda tinha a cerquinha em volta da casa e o jardim em frente ao local. O jardim estava bem cuidado, a grama verdinha e até algumas plantinhas plantadas em canteiros próximos às janelas grandes de vidro. 

Toquei a campainha mais uma vez e logo um senhor alto abriu a porta, com um sorriso enorme que até me fez cambalear para trás com aquele brilho todo. 

Senhor, meu Deus. 

— Felix! Que bom que veio mesmo! — Ele falou mesmo antes de chegar até o portãozinho, e quando abriu, me puxou para dentro como se eu fosse fugir a qualquer momento. 

— Eu digo o mesmo...? — Falei confuso. 

— Vamos, entre! — Caminhou até a porta de entrada comigo ao seu lado, quando a portinha se abriu o barulho de sininho chamou minha atenção, aquela casa parecia ainda mais incrível por dentro — Como está? 

— E-estou bem! E o senhor? — Perguntei de volta, sorrindo de um jeitinho desesperado. 

Para um idoso, o velhinho tinha uma agilidade impressionante. 

Eu mal tive tempo de admirar aquele lugar bonito, completamente organizado e com vários, vários livros por todo lugar. Haviam várias pessoas pelo estabelecimento, e elas até me olhavam de um jeito estranho enquanto eu era puxado pelo velho ligeirinho. Esse senhor é bem rápido! Ele me levou até uma das mesinhas que tinha ali, sentando em minha frente enquanto eu ainda tentava raciocinar como cheguei tão rápido até aqui. 

— Você parece tenso, jovem! — Ele riu, me encarando. 

— Estou muito nervoso, não vou mentir. — Soltei uma risada meio engraçada, me sentando na cadeira assim que ele fez menção em me mandar sentar ali.

— Não precisa se preocupar, você foi o único que me ligou mesmo. — Confessou, me deixando ainda mais nervoso. 

Aquela frase deu a entender que "você é o escolhido porquê foi o único que apareceu" juro, minha insegurança bateu no mesmo momento. 

— Fui rápido, hein? — Foi a única coisa que consegui dizer, dando uma risadinha estranha logo depois. 

Que constrangedor! 

— Trouxe seu currículo? 

— Sim! Mas não tem muita coisa aí, não trabalhei em muitos lugares fixos e- — Parei de falar assim que sua risada ecoou pelo lugar, me deixando ainda mais apreensivo. 

Melhor ficar calado. 

— Não se preocupe, Jovem Lee! 

Ele sorriu, olhando para o relógio em seu pulso e levantando, caminhando até um cômodo perto de onde estávamos, o olhei confuso. 

O senhorzinho é meio estranho. 

— Venha cá, rapaz! — Ele gritou, me assustando. Levantei da cadeira rapidamente e o segui, identificando aquele cômodo como a cozinha. Tem uma cozinha numa livraria... 

O velhinho estava preparando algo, colocando macarrão em uma tigelinha. 

— Você sabe cozinhar, Jovem Lee? — Ele me olhou, sorrindo novamente.

— Bem... Cozinhar não é muito a minha maior especialidade, mas eu me arrisco. — Sorri, tentando parecer convincente. Até porque eu não sabia nem fritar um ovo sem estourar a gema. 

— Deixe seu currículo aí no balcão, preciso fazer um negócio rapidinho. — Ele sorriu, colocando uma colherzinha junto a tigela de macarrão em uma bandeja. E quando eu pensei que ele iria me dar a bandeja. Ele passou direto. 

— Vamos subir! Já está no horário do meu neto comer. — Seguiu reto até as escadas que davam para o andar de cima. Quê? 

E eu jurando que a comida seria para mim... Enfim, a ilusão. 

Sem falar nada, eu o segui até pararmos em uma porta que estava entreaberta. Por que estou aqui mesmo? Estou nervoso sem motivos, socorro. 

Aquela sensação de que o coração vai explodir e você vai se desmontar inteirinho em poucos segundos, me atingiu, nervoso que só. 

— Não diga muita coisa de uma vez só, ok? Melhor ficar caladinho mesmo. — Por quê? Ele nem me explica nada! 

Assenti de qualquer forma, se já estava ali era só esperar. E então ele abriu a porta revelando o quarto em cores variadas em tons claros. 

Momento certo para dizer que estou surpreso. Era lindo. 

Era... Muito lindo mesmo. As cores claras entrando em contraste com os objetos que faziam parte da decoração daquele quarto era maravilhoso, parecia o quarto de uma criança, mas tinha um toque adolescente ali entende? Era lindo, tinha alguns livros espalhados pela cama, o tapete era o único que tinha uma cor escura e, mais a frente, uma escrivaninha onde tinha um garoto. 

— Hyunjinnie? — O senhorzinho chamou a atenção daquele que até agora eu não havia visto e... Minha nossa. 

Hwang Junghyun tem uma genética incrível! O menino era tão lindo quanto o pai! E olha que só tinha visto o homem em sua foto de perfil. O garoto ainda estava de costas! 

O garoto de cabelos negros pouco se importou com nossa presença ali, focado de mais em algo que fazia em um papel que estava sobre, o que parecia ser, sua mesinha de estudos. Parecia desenhar algo com muito gosto. 

Hum, achei meio metidinho. 

— Hyunjinnie, vovô voltou e está com aquele moço que falou mais cedo. — Ele falou de mim? — O que está fazendo, querido? 

— D-desenhando. — Ele falou apontando para o papel, e eu já conhecia aquela voz calminha, então foi ele que atendeu o celular do senhor Hwang quando liguei perguntando sobre o emprego. 

A voz dele é bonita. 

— Está lindo! — O Hwang mais velho sorriu, passando as mãos no cabelo do garoto. — Mas quero que coma tudinho 'tá bom? Assim como seu médico falou, viu? Para melhorar logo. 

Eu estava ali, no meio do quarto, parecendo uma estátua de tão parado. Somente observando a cena e esperando meu momento de sair do quarto e não fazer besteira, claro. Minhas mãos estavam suando por algum motivo que eu não entendia e meu coração batia fortemente contra meu peito. 

Tudo bem, retiro o que disse. Eu odeio a sensação de nervosismo, gela o estômago e faz tudo se revirar. Uma vontade de cagar do nada aparece junto com uma dor de barriga insuportável, ruim demais. 

— Se precisar de alguma coisa, pode chamar, tudo bem? — O senhor ainda disse, se afastando do garoto e vindo em minha direção. — Preciso ir cuidar da livraria e desse moço bonito aqui, até mais tarde Hyunjinnie. 

Quase explodi de vergonha com o que ele disse, meu Deus! 

Voltamos para baixo novamente, meu rosto estava tão quente e tenho certeza que estava vermelho. Porque esse velhinho disse isso? 

— Bem, você não tem muita experiência pelo que vejo aqui... — Ele disse pensativo, analisando meu currículo. — Não trabalhou em lugares fixos, certo? 

Já estávamos de volta à mesma mesinha que ele me trouxe quando cheguei, ele olhava para meu currículo e depois para mim, me deixando ainda mais ansioso e nervoso. 

— Procurei vários empregos em vários lugares, mas não tem muitas oportunidades para pessoas inexperientes ultimamente. — Suspirei, ele estava sério, completamente diferente do velhinho animado de minutos atrás. Estava me deixando ainda mais nervoso. — F-fiquei extremamente feliz quando surgiu a sua oferta, senhor! 

Treinei meu vocabulário a manhã inteira para não errar uma palavrinha sequer. 

— Está contratado. 

O quê?! 

— Sério?! — Praticamente gritei, de olhos arregalados e coração acelerado. Foi tão de repente! 

— Você é bem extrovertido e mesmo que esteja nervoso, tem um jeitinho engraçado de falar. Será ótimo para a minha livraria ter você como atendente, jovem Lee! — Ele sorriu, estendendo a mão para mim. 

Sem esperar mais, segurei sua mão um pouco enrugada e sorri. Eu consegui! Finalmente!

— Q-quando eu começo? — Perguntei rápido, tentando passar uma boa impressão ao velho Hwang. — Preciso de uniforme? Vou tentar ser-

— Se acalme, rapaz! — Ele sorriu, balançando suas mãos em frente ao corpo, negando — Para começar, vá lá em cima e pegue aquela bandeja que deixei com Hyunjin, depois venha aqui para conversarmos melhor. 

Minha boca estava quase no chão.  Acreditei que seria atendente na livraria, não na casa. Mas não neguei, concordei rapidamente e corri escada a cima, ouvindo a risada do velhinho atrás de mim. 

Quando já estava no segundo andar, respirei fundo. Aquele garoto parece não ser muito de conversar, mas é só entrar no quartinho bonito do menino-bonito e pegar a bandeja com a tigela. Simples. 

— Com licença! — Entrei no quarto, suspirando quando não fui respondido. 

Me aproximei com cuidado, quase prendi a respiração quando me aproximei mais ainda da escrivaninha onde ele estava. Foi repentino, como se qualquer movimento meu fosse assustar esse garoto que eu nem conhecia. Ele ainda estava desenhando, quase uma hora depois que eu e seu avô saímos daqui e ele ainda está desenhando. 

— Vim pegar a bandeja que seu avô deixou aqui...— Anunciei, respirando fundo e olhei para si, mesmo que ele ainda estivesse de costas. 

Com a minha aproximação, notei seus lápis quase caindo no chão. Para evitar que caísse, tentei empurrá-los de volta para a superfície da escrivaninha. Mas fui impedido. 

— M-meu! — Foi a única coisa que ele disse, antes de voltar sua atenção ao desenho que eu ainda não tinha visto. Rabiscando com uma calma impressionante. 

Que garoto mais mal-educado! Eu sei que é dele! Só queria ajudar. 

— Desculpe. — Falei suspirando, meio perdido. 

Eu sempre fui muito falante, achava isso uma qualidade às vezes e também um defeito por vezes. Agora eu não conseguia falar nada, me sentia perdido e até mesmo receoso em causar algum desconforto, sem nem saber o motivo! 

— Você desenha sempre? — Decidi arriscar então, puxar uma conversinha amigável sobre algo que ele parece gostar, sabe? Fazer amizade com o netinho do meu chefe pode ajudar. 

Se vou trabalhar aqui, tenho que me dar bem com o neto do meu chefe. Ele parece ser bem tímido e eu aqui invadindo seu quarto... Tadinho. O menino aparentava ter entre quinze e dezesseis anos, timidez na adolescência é normal, certo? 

Ou ele apenas não gosta de falar com pessoas estranhas, se é que ele saiba falar algo a mais que "desenhado" e "meu" já que fui ignorado mais uma vez. 

Poxa... Como eu faço para esse garoto falar comigo? 

Olhei em volta do quarto e percebi que haviam alguns desenhos nas paredes. E ele desenha tão bem! Juro, fiquei impressionado com isso, é tão lindo. 

— Foi você quem fez todos esses que estão na parede? — O olhei, e ele ainda continuava a rabiscar aquela folha sem me olhar em nenhum momento, mas moveu a cabeça indicando que sim, havia sido ele a fazer todos aqueles desenhos. Bom, pelo menos ele me respondeu agora. 

— Você desenha muito bem! — Sorri, e ele concordou mais uma vez.

Veja só, o convencido. 

Arrisquei me aproximar mais um pouco, observando agora o que ele tanto rabiscava ali e me surpreendi ao ver os traços bem feitos de uma fada.

— Uma fada? — Perguntei confuso. 

E somente aquilo ali foi capaz de fazê-lo virar minimamente o rosto em minha direção e me olhar, por no máximo dois segundos antes de virar o rosto para a folha novamente.

Dois segundos e eu consegui ver nitidamente seu rosto. 

Eu sou observador, isso é um fato. Gosto mais ainda de observar pessoas bonitas, e esse garoto é realmente muito bonito. 

— Um-ma fada. — Sua fala cortou minha linha de raciocínio, concordando duramente com minha pergunta. 

Que garoto mais impenetrável! 

— O... O...— Finalmente ele parecia querer falar algo além de concordar comigo e isso parecia ser uma dificuldade para ele. 

É só falar... Ele é tão tímido assim? Será que estou incomodando? 

— O Hyung acre-credita? 

— Acredito em quê? — Perguntei confuso.

— Fadas... — Deu de ombros, voltando a terminar de desenhar sua fadinha.

Que pergunta, meu Deus... 

— Qual o nome da sua fada? — Decidi contornar aquela situação. O nome da fada é mais importante que minha nítida cara de mais velho, ok? 

Ele não me respondeu mais uma vez e meu tópico de vácuos já tinha passado em um único dia, ótimo. 

Esperei ele responder, mas, parecia concentrado demais no que fazia, passava o lápis minimamente sobre a folha para traços mais claros e colocava certa força nas linhas que deveriam ser mais escuras. 

Talento. 

— Você gosta muito de fadinhas, não é mesmo? — Perguntei arriscando uma proximidade maior, tocando seu ombro. 

Ele se afastou imediatamente, curvou o corpo para o outro lado saindo de meu toque, deixando alguns lápis e canetas caírem. Fiz algo errado? 

— Desculpe... Não foi intencional. — Falei receoso, ele não me respondeu novamente, só ficou olhando para as mãos que estavam agora em seu colo. 

Oh! Deus. 

Me abaixei e tratei de pegar todo seu material de desenho que havia caído, pedi desculpas mais algumas vezes e fiz o que tinha vindo fazer. 

— Sinto muito mesmo, não me entenda mal, ok? Desculpe. — Disse já na sua porta, pronto para sair. 

Olhei para o teto de seu quarto, com a mínima esperança que ele me respondesse, mas não aconteceu. Fiquei encantado com o quão bonito o quarto era, e o teto não era diferente, havia fadas ali também, grudadas no teto. Como aquelas estrelinhas que brilham no escuro, sabe? Porém no lugar de estrelas, eram fadinhas coloridas. 

Ele gosta mesmo disso. 

Quando eu estava para fechar a porta, sua voz voltou a soar pelo quarto. 

— Gosta! G-gosto muito de fadas. — Foi a única coisa que ele disse. E eu fiquei igual a um idiota com os olhos arregalados e a boca aberta sabendo exatamente que ele estava respondendo à pergunta que eu havia feito há pouco tempo. — Gosta muito. 

Se eu tiver um surto por excesso de fofura, a culpa é toda dele. Que inferno. 

— Você... V-voce gostar? D-digo, gosta? — Mais uma vez sua fala cortou minha linha de pensamento. Eu voltei a olhá-lo, ainda segurando a maçaneta da porta e ele continuava ali, rabiscando em leves passadas de lápis pelo papel, agindo como se eu não estivesse no mesmo cômodo que si. 

— Bem... — Comecei num sussurro, sorrindo de um jeito sem graça ao responder: — Gosto sim!

Acredito? Não. Mas até que fadas são desenhinhos fofos. O dele mesmo é super fofinho e detalhado. 

— Você desenha muito bem mesmo! Aprendeu sozinho? — Perguntei novamente, sem me aproximar mais de onde ele estava. Ele concordou, mesmo que com a cabeça, agora parecia envergonhado demais até para continuar desenhando. Apenas apoiou o lápis na folha e ficou parado, sua perna começou a se movimentar. 

— P-papai gosta... Também. — E ele falou, me surpreendendo ainda mais. O que? Estou feliz por não ser mais ignorado! 

Notei que ele gaguejava muitas vezes em frases pequenas, será que ele tem problemas para interagir com pessoas? Era isto que eu pensava. 

— Seu pai também tem bom gosto. — Sorri.

— V-voce... C-cabelo de sol. Amarelo. — O menino disse derepente e eu quase infartei.  Tipo, foi do nada! 

Cabelo de sol... Sou eu?! Eu sou loiro! amarelo, o sol também é amarelo! 

— Gostei dos seus desenhos, você é talentoso! E-e seu cabelo também é bonito!— Elogiei, mesmo que ele não tenha elogiado meu cabelo(?) Enfim, dando mais um passo para trás, saíndo  completamente de seu quarto. — Até mais!— Disse nervoso. 

Fechei a porta assim que me despedi, quase gritando de susto ao ver o velhinho Hwang logo atrás de mim. 

Meu coração acelerou em níveis absurdos! 

— Meu Deus! — Coloquei a mão no peito, encarando o senhor, franzindo o cenho ao ver um sorriso em seu rosto. — Está tudo bem, senhor? 

— Está sim, Jovem Lee! — Ele disse, ainda sustentando o sorriso no rosto.— Só fiquei um pouco preocupado, esqueci de lhe dizer que meu neto é autista e fiquei preocupado com sua demora. Meu pequeno Hyun costuma ser bem tímido ao falar com pessoas novas, entende? 

Autista? Eita! Por isso ele gaguejava? Eu não entendo. 

Ok, estou bem surpreso. 

— Ele tem autismo...  

— Não, jovem Lee! — Ele riu, dando um tapinha em meu braço enquanto estávamos voltando ao andar de baixo. Suponho que ele se irritou, já que a tapa doeu um tantinho. — Autismo não é doença para ele ter autismo, meu neto é autista. Se você não entende bem, pesquise um pouco, sabe? Hyun costuma ficar um bom tempo na livraria lendo seus livros de fantasia, heróis, fadas, animais místicos e outras coisas que ele gosta. Mesmo que prefira seu quarto, então você pode esbarrar uma vez ou outra com ele e é melhor evitar algumas situações... Indesejáveis. 

Sinto-me um idiota por chamá-lo mal-educado! É claro que ele tem problemas em interagir com outras pessoas, como fui precipitado! 

— Foi satisfatório ver Hyunjin interagindo com você, ele normalmente mal fala com as pessoas que o cumprimentam quando está na livraria. — Ele sorriu novamente, me puxando para a cozinha. — Por isso passa a maior parte do tempo em seu quarto, colocando seu talento para fora. 

Oh, sim! O talento dele! 

— Ele é um verdadeiro artista! — O velhinho deu risada com minha fala, e concordou, dando mais dois tapinhas em minhas costas. 

— Desenhar é apenas um dos talentos do meu neto, Jovem Lee. Ele é surpreendente! 

É... Acredito que sim. 

— Qual o nome dele mesmo? 

— Hyunjin, .Hwang Hyunjin. Mas o chamo de Hyun porquê, pelo que meu filho me contou, Hyunjin não conseguia pronunciar o próprio nome quando era menor, então falava "Hyun"¹. É um apelido fofo que lhe dei. — O Hwang explicou, me fazendo rir baixinho. — Ele não gosta muito, reclamava no começo e ainda falava "O nome de Hyunjinnie não é esse!" 

— Oh! Ele falava em terceira pessoa? — Franzi o cenho, prendendo o riso. É fofo! 

— Ainda fala às vezes. Não sei muito bem a história, mas parece que ele não falava muito quando menor, por isso tem algumas dificuldades e 'tals — Suspirou, negando com a cabeça. 

Que velhinho fofo, ele usa gírias. 

—Ele vai conseguir falar mais! — Não sei qual foi a motivação que me deu ao falar aquilo, foi instantâneo. Também não sei quando o assunto se voltou ao neto do velho Hwang, mas foi divertido ver a animação do senhor ao falar do garoto. 

Eu só não sabia naquele momento, que em um futuro próximo, toda minha atenção seria do Hyun.

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