CAPÍTULO V
Ruan ainda tentava processar a proposta de Keyla, pasmo. A loira, por sua vez, parecia tranquila e serena, como se não tivesse sugerido algo tão estúpido e burro na opinião de Ruan.
─ O que você acha, Ruan? No fim, você também vai sair ganhando. ─ Keyla disse.
Ruan balançou a cabeça, com seus cabelos ondulados e negros se mexendo junto. O moreno ainda estava tentando processar o que tinha escutado, mas queria ter certeza de que não tinha entendido errado.
─ Deixa eu ver se eu entendi... ─ Ruan ergueu a mão, olhando fixamente para Keyla. ─ Você tá querendo dizer que quer ser uma puta nas mãos daqueles caras e eu vou sair ganhando como se eu fosse teu cafetão? Tu pirou, Keyla? Isso é a maior burrice que eu já escutei na minha vida, porra.
Keyla revirou os olhos e voltou a se encostar na cama com os braços cruzados sobre os seios.
─ Vamos lá, eu vou te explicar tudo de novo. O negócio é o seguinte: eu preciso de um lugar pra morar. Teus amigos precisam de um pouco de diversão. Eu posso pagar a minha estadia provisória lá com o meu corpinho lindo aqui. E posso até arrancar uma grana deles e a gente divide entre nós. Ou você não tá precisando de dinheiro pra ajudar a tua mãe?
─ Garota, tu ficou doida? ─ Ruan estava boquiaberto. ─ Tu tá querendo vender o teu corpo, é isso? Ser garota de programa?
─ Como se eu já não fosse, né Ruan? ─ Keyla desdenhou. ─ A diferença é que antes eu ainda tinha um teto pra dormir, hoje não. Você mais do que ninguém, até mais que a Sofia, inclusive, sabe como é nascer numa família lixo como a que eu tenho.
Ruan passou as mãos pelo rosto, sem saber como tentaria convencer Keyla do contrário. A loira estava se metendo em uma enrascada perigosa. Se em algum momento ela quisesse sair, jamais permitiriam e iriam cobrar com juros toda a dívida que Keyla teria.
─ E tu acha que tá em condições de fazer alguma coisa nesse estado? ─ Ruan tentou apelar, apontando para o rosto de Keyla. ─ É ruim, hein?
─ Não precisa me lembrar que eu estou horrível, Ruan. Eu já me olhei o suficiente no espelho pra ter certeza disso.
Ruan bufou, se atirando contra a poltrona ao lado da cama de Keyla. A loira sabia ser extremamente teimosa quando queria, assim como Sofia. Talvez não fosse à toa que ambas eram tão amigas, ele costumava pensar. Respirando fundo, ele voltou a olhar para a amiga.
─ Tu sabe que tá entrando num buraco sem fundo, né?
É claro que ela sabia, Keyla pensou. Mas para ela, não tinha outra opção. Voltar para a casa do velho cachaceiro estava fora de cogitação e ela duvidava muito que Joana iria querer recebê-la em sua casa. Nessas horas, Keyla amaldiçoava e xingava sua mãe de todas as ofensas e formas possíveis. Era culpa daquela megera egoísta que sua vida era um completo caos e uma bagunça. Ela jamais saberia o que era conviver com um pai alcoólatra que quase a matara depois de tanto espancá-la, assim como nunca saberia como era ser obrigada a vender seu corpo para inúmeros desconhecidos em busca de uma renda extra já que seu trabalho como atendente em loja não era o suficiente para sustentar Joel e nem tentar se presentear com um pouco de luxo.
Era naquelas horas que Keyla se pegava secretamente invejando Sofia e a vida que a amiga levava. Sofia podia não ser rica e nem de classe média, mas ao menos tinha uma vida razoavelmente mais confortável do que a dela. Possuía dois empregos e graças a eles tinha conseguido se formar na faculdade de enfermagem.
Keyla, porém, tentava não deixar transparecer toda a amargura e raiva que sentia pela vida ser tão cruel e injusta com ela. A jovem respirou fundo, tentando se manter calma, e voltou a olhar para Ruan.
─ Eu sei muito bem que é a maior furada, Ruan. Mas a droga da minha vida nunca foi fácil. Eu sei me virar, sempre soube disso porque eu aprendi tudo sozinha. Não vou voltar pra debaixo do mesmo teto que aquele velho acabado. Não vou deixar que ele volte a partir pra cima de mim e me deixar toda ferrada como ele me deixou agora. ─ Ela disse com firmeza.
Ruan sabia e entendia o que Keyla estava sentindo. Assim como ela, ambos eram vítimas de uma vida cruel e desigual. Ele sabia que ela não estava exagerando sobre as dificuldades que enfrentava e o medo real de voltar para casa. Mas a proposta dela era insana, e ele precisava encontrar uma maneira de dissuadi-la.
─ Keyla, eu entendo que a tua vida nunca foi fácil, mas esse caminho que você está querendo seguir só vai te ferrar mais. ─ Ele disse suavemente, tentando apelar para o lado emocional dela. ─ Você é melhor do que isso. Não merece se submeter a esses caras.
─ E o que você sugere, então? ─ Keyla retrucou, com um tom desafiador. ─ Que eu vá pra rua? Que eu viva de esmolas? Não tenho mais pra onde correr, Ruan. E nem você. Você tá tão ferrado na vida quanto eu.
Ruan suspirou com irritação e fez um gesto de descaso com a mão.
─ Isso porque a minha velha nem deixa mais eu pôr os pés dentro de casa. Mas ainda tenho que gastar o que eu ganho com ela, dando parte da minha merreca que nem é muito pra ela e os pirralhos lá de casa.
─ Por que você acha que eu tô te propondo isso, então? ─ Keyla insistiu. ─ Ah, Ruan. Não vem querer bancar o santo também, não. Lembra que quando a gente era adolescente você começou a andar com aquela galera? E tá lá até hoje.
─ E como eu vou explicar isso pra Sofia, Keyla? Me diz. ─ Ruan olhou para ela, sério. ─ Se eu topar essa parada contigo, ela vai me matar e aí todas as chances que eu tinha de ter ela de volta vão ir pro brejo.
Keyla riu abertamente, ignorando a cara confusa e irritada de Ruan.
─ Até parece que você tinha alguma chance da Sofia te querer de volta, né Ruan? ─ A loira debochou.
─ E por quê ela não ia querer? Eu nem fui um namorado tão ruim assim pra ela, pô.
─ Primeiro que vocês nem namorar direito namoraram, cara. Vamos começar por aí. ─ Keyla voltou a rir. ─ No máximo foi um namorico de adolescente que não durou nem três meses. Vocês nem foram muito além, que eu sei.
Ruan bufou, frustrado e irritado. Ele estava começando a se arrepender de ter ido visitar Keyla, pois se soubesse que a loira teria tocado em sua ferida, nem teria ido visitá-la no hospital. Contudo, um pensamento começou a surgir em sua mente e ele começou a maquinar, pensativo.
─ O que foi? No que você está pensando?
─ É o seguinte, Keylinha. ─ Ruan abriu um sorriso sacana. ─ Eu posso te ajudar com essa tua ideia maluca de se oferecer pros caras em troca de um teto, mas eu também quero algo em troca.
─ Ruan, eu já não te falei que vou dividir a grana contigo? ─ A loira revirou os olhos.
Ruan riu, balançando a cabeça em negação.
─ Mas quem disse que eu tô falando de grana, loira? Eu quero é a Sofia de volta, sacou?
Keyla gargalhou, esquecendo por alguns segundos do rosto dolorido devido aos machucados. Ruan a olhou perdido, mas fechou a cara.
─ Para de rir, pô. ─ O moreno reclamou. ─ Isso é papo reto, Keyla.
─ Desculpa, Ruan, mas você tá completamente louco se acha que me ajudando a Sofia vai querer reatar contigo. ─ Keyla disse, se recuperando da crise de riso.
─ Talvez, mas se você me ajudar a ganhar a grana suficiente, eu posso encontrar um jeito de fazer a cabeça dela. ─ Ruan retrucou, cruzando os braços, determinado. ─ A Sofia sempre foi grudada contigo. Se você fizer a ponte, eu aposto que consigo virar o jogo ao meu favor. Você só precisa convencer ela.
Keyla olhou para Ruan com ceticismo, mas uma parte dela sabia que, no fundo, ele tinha razão. Sofia sempre teve um carinho especial por ela, e Ruan podia usar isso a seu favor. Além disso, ela sabia que não era justo deixar o moreno de mãos vazias, já que ele era o único que estava concordando com aquela ideia que para ele era absurda. Keyla sabia que Sofia e muito menos Joana estariam de acordo com aquele plano.
─ Tá bom, Ruan. ─ Keyla cedeu, finalmente. ─ Eu vou te ajudar com a Sofia, mas você vai ter que ser esperto. A Sofia não é burra. Se ela descobrir o que a gente tá tramando, já era. Eu perco a minha melhor amiga e as suas chances, que são bem baixas, de voltar com ela, morrem de vez.
─ Fechado. ─ Ruan estendeu a mão para ela, com um sorriso satisfeito. ─ Mas você tem que me prometer que vai pensar bem antes de se meter nessa merda, Keyla. Eu não quero te ver ainda mais ferrada do que já tá.
Keyla apertou a mão dele, mas seus olhos mostraram que ela estava firme na decisão.
─ Relaxa, Ruan. Eu sei muito bem o que tô fazendo. E se a gente for esperto, todo mundo sai ganhando.
Pelo menos era isso o que Keyla esperava.
Quando Lívia acordou, se assustou ao ver que já eram quase 9h00 da manhã. Ela jamais havia dormido até tarde e a diferença de fuso horário ainda estava afetando sua rotina. A ruiva se levantou, separou uma roupa para usar e foi para o banheiro fazer sua higiene matinal e tomar um banho antes de descer para o café da manhã.
Durante o banho, ela deixou que a água morna percorresse seu corpo, enquanto encostava a cabeça na parede e soltava um suspiro pesado ao pensar em Rodrigo. Lívia sabia que o relacionamento de ambos não estava indo bem, mas queria acreditar que era apenas algo passageiro. Contudo, o mal pressentimento que sentia quando pisou em solo brasileiro novamente quis dizer justamente o contrário.
Rodrigo continuava carinhoso, doce e gentil como sempre, mas parecia tratá-la mais como amiga do que como noiva, e isso estava começando a incomodar e preocupar Lívia. A ruiva saiu do banho e se encarou no espelho, enquanto enxugava o cabelo com a toalha. Ela não podia negar que as diferenças entre ambos havia afetado o relacionamento, mas a sensação de que algo mais estava errado não a deixava em paz.
Balançando a cabeça, Lívia decidiu deixar aqueles pensamentos de lado por um momento. Ela e Rodrigo ainda não haviam discutido novamente e Lívia esperava que continuasse assim. Ela seguiu de volta para o quarto, onde vestiu uma lingerie preta de renda e optou por usar um vestido cinza com uma saia rodada que ia até a altura dos joelhos e uma sapatilha preta.
Após terminar de se arrumar, Lívia deixou o quarto e desceu para a sala de jantar, encontrando Gael lendo alguns documentos. O rapaz terminava de ler atentamente o processo do caso em que estava trabalhando e, por conta disso, mal notou a chegada de Lívia.
─ Bom dia. Parece que alguém anda trabalhando muito ultimamente. ─ A ruiva sorriu ao notar o leve susto do cunhado. ─ Te assustei, não foi?
─ Bom dia. Imagina, Lívia. Eu é que estava distraído e não te vi chegar. Dormiu bem?
Lívia assentiu com um sorriso, puxando a cadeira para se sentar e servindo-se de um pedaço de bolo. Gael não pôde deixar de observar discretamente cada gesto da ruiva, torcendo para não ser pego em flagrante.
─ Eu estava tão cansada e com a função do fuso horário, acabei dormindo mais do que a cama.
─ Acontece. Já passei por isso também. ─ Gael sorriu, colocando os documentos que estava lendo de volta na pasta de couro preta.
─ Pensei que você já estava no trabalho.
─ Ah, era para eu estar. Mas houve uma reunião de última hora, então só vou entrar mais tarde. ─ Gael explicou, se levantando para sair dali.
Lívia franziu o cenho, confusa com o gesto do loiro.
─ Você já vai? ─ Indagou. ─ Você não acabou de dizer que só vai trabalhar mais tarde?
Gael coçou a nuca, visivelmente nervoso. Lívia olhava para o cunhado confusa e desconfiada. Ela estava com a sensação de que no dia anterior, Gael tinha evitado estar por perto dela e de Rodrigo. E se antes ela desconfiava, agora tinha certeza.
─ Gael, é impressão minha ou você está me evitando? ─ Ela perguntou, cruzando os braços acima dos seios.
─ Por que você acha isso, Lívia? ─ Gael perguntou de volta, se colocando na defensiva.
─ Gael, eu não sou idiota. Eu percebi que ontem você ficou a maior parte do tempo encerrado no seu quarto. Nem descer pra jantar você desceu. ─ Lívia pressionou, sem deixar de olhar o cunhado. ─ O que foi? Eu fiz alguma coisa?
Gael balançou a cabeça, negando aquela acusação. Ele apertou ainda mais a pasta em suas mãos, não gostando do rumo que aquela conversa estava tomando. Lívia suspirou, afastando a cadeira para trás e se levantando.
─ Tudo bem. Acho que já entendi.
─ Lívia, você está vendo coisas onde não tem. ─ Gael seguiu atrás da ruiva, que estava indo para a sala. ─ Não tem nada a ver com você ou com o Rodrigo. Eu só estava cheio de trabalho ontem.
─ Gael, chega. ─ Lívia pediu, se virando para o cunhado. ─ Está tudo bem. Seja lá o que eu fiz, você tem todo o direito de ficar chateado e até querer me evitar. Mas eu só queria entender o que realmente aconteceu.
─ Mas quem disse que eu estava chateado com você? Meu Deus! Você e o Rodrigo ficam enxergando coisas o tempo todo. ─ A irritação de Gael surpreendeu Lívia, que deu um passo para trás.
O loiro, por sua vez, passou uma das mãos pelo rosto, sentindo-se cansado em plena manhã. Contudo, estava sendo extremamente difícil para ele ter que encarar Lívia sem poder revelar e expressar o que ele sentia verdadeiramente por ela.
─ Ok. Já entendi que eu sou paranóica. Vou te deixar em paz pra ir trabalhar. Tenha um bom dia, Gael.
─ Lívia... ─ Gael voltou a chamá-la, mas Lívia lhe deu as costas e subiu as escadas, deixando-o parado sozinho na sala. ─ Você é mesmo um babaca, Gael.
Keyla estava tomando o café da manhã e assistindo ao jornal matinal quando Sofia tornou a entrar no quarto. Ruan felizmente já tinha ido embora há algum tempo e a loira sentiu um leve alívio por aparentemente Sofia não ter esbarrado com ele pelos corredores do hospital.
─ Bom dia, minha loira favorita! ─ Sofia parou em frente à cama de Keyla, checando o soro e a pressão arterial. ─ Como passou a noite?
─ Ai Sofi, se eu pudesse, eu ia passar mais vezes aqui no hospital só pra ter uma noite maravilhosa de sono nesse quarto. ─ A loira riu, fazendo Sofia rir junto.
─ Nem brinca com isso, Keyla Oliveira! ─ Sofia advertiu, ainda rindo, mas com um tom de seriedade. ─ Você sabe que não é lugar pra se ficar brincando de hotel. E você tá precisando de descanso de verdade, sem piadinhas.
─ Tá bom, tá bom. ─ Keyla disse, voltando a dar atenção ao café da manhã. ─ Mas me diz aí, alguma novidade do lado de fora? Qualquer coisa boa que tenha acontecido que não envolva a minha desgraça pessoal?
─ Tirando o fato de eu ter esbarrado naquele asqueroso do César e a Carmem ter dado um piti logo cedo, nada demais. ─ Sofia desabafou, sentando na ponta da cama. ─ Eu juro que se eu não precisasse do emprego e do salário que eu ganho aqui, eu pediria demissão ou transferência pra outro hospital.
─ Sofi, sendo sincera com você... ─ Keyla cruzou os braços. ─ Acho que você está reclamando de barriga cheia. O que é um babaca e uma velha amargurada pra aguentar todo santo dia do que ficar presa em uma loja no calor infernal do centro do Rio de Janeiro ganhando uma ninharia?
Sofia piscou, abismada e um pouco incomodada com o tom áspero que Keyla usou. No entanto, ela sabia que a loira estava certa e nem tinha como negar isso. Considerando a vida da amiga, Sofia tinha plena consciência de que tinha certos privilégios que Keyla não tinha e que talvez jamais teria.
No entanto, Sofia não pôde deixar de se abater pela forma como Keyla, de certo modo, falou de Joana e pareceu ter relevado o comportamento inaceitável de César e Carmem.
─ Olha só, Keyla, eu sei que a sua vida não está nada fácil, aliás, nunca foi. ─ Sofia se remexeu, incomodada. ─ Mas a minha madrinha também mal tem pra ela e pra Gabi às vezes. E ainda assim, ela te deu o emprego na loja dela porque ela sabe que você estava precisando muito.
Keyla revirou os olhos, tentando conter a risada irônica. O clima no quarto tornou-se tenso. A loira sabia que Sofia não tinha culpa do inferno que era sua vida, mas era inevitável não descontar suas frustrações na morena quando lembrava que Sofia ainda podia manter alguns privilégios e ela não.
─ Vamos fingir que ela não me deu o trabalho na loja dela porque você pediu, Sofia.
Sofia se levantou, olhando para Keyla com um misto de mágoa e indignação.
─ Eu não acredito que você tá reclamando disso, Keyla. ─ Sofia expressou, colocando as mãos na cintura. ─ Eu quis te ajudar! Você é a minha melhor amiga. Eu jamais ia te deixar passar necessidade.
─ Eu não estou reclamando de nada, Sofia. Eu estou apenas constatando um fato. ─ Keyla resumiu. ─ Não quero que você pense que eu não sou grata à você por isso, mas vamos aos fatos: se você não tivesse pedido pra Joana, ela nunca teria me dado aquele emprego. Ela nunca gostou de mim.
─ Ah, claro. A Joana não gosta de você, mas o Ruan gosta, né? ─ Sofia soltou um riso nervoso. ─ Eu vi ele saindo do hospital. Nem adianta negar que ele não esteve aqui porque ele esteve. Agora se foi pra ver você ou pra vir tentar me incomodar, eu não sei.
─ E eu tenho culpa se vocês dois, quer dizer, você né, não suporta ele? ─ Keyla retrucou se encostando no travesseiro. ─ Sofia, o Ruan pode andar com gente que não presta, mas ele também é meu amigo. Meu melhor amigo depois de você, porque ele, assim como eu, sabe como é viver em uma casa totalmente desestruturada. Você não teve isso, Sofi. Me desculpe, mas essa é a verdade.
Sofia virou de costas para Keyla, sentindo as palavras da loira ecoando em sua cabeça. Um nó em sua garganta lutava para contestar e responder todas as acusações feitas pela amiga, mas ela sabia que qualquer coisa que dissesse soaria como hipócrita. E naquele momento, Sofia se odiou pela primeira vez por ter seus privilégios, embora também tivesse uma origem tão humilde quanto Keyla. Ela se odiou e principalmente, se culpou por toda aquela situação.
─ Eu não quero brigar com você, Keyla. Na verdade, é a última coisa que eu quero. ─ Sofia respirou fundo, passando as mãos pelo rosto. ─ Vou deixar você descansar e depois venho te ver antes do plantão acabar. Até lá vou tentar convencer a minha mãe ou a Joana te receber lá na minha casa ou na casa da minha madrinha.
Keyla balançou a cabeça, negando.
─ Não precisa, Sofia. Já arranjei um lugar pra ficar depois que eu sair daqui. ─ Ela relatou, mordendo os lábios com certa apreensão. ─ O Ruan arrumou. Fiz um acordo com ele.
Sofia piscou, atônita, enquanto observava uma Keyla a olhando com receio de contar o resto da notícia. A morena sabia que iria vir uma bomba.
─ Que acordo, Keyla? Pelo amor de Deus, como você teve coragem de fazer um trato com o Ruan? ─ Sofia explodiu, passando as mãos pelos cabelos com força. ─ Com o Ruan, Keyla! Logo com ele!
─ Sofia, também não é o fim do mundo. Eu conheço o Ruan desde que eu me entendo por gente. ─ Keyla desdenhou, dando de ombros. ─ Enfim, ele vai arranjar um quarto pra mim na casa da galera dele e eu vou pagar do meu jeito.
Sofia se deixou cair sentada no sofá, abismada com o que seus ouvidos tinham escutado e a tranquilidade com a qual Keyla lhe contou a conversa com Ruan, como se não se importasse com o absurdo que ela lhe dissera. A morena sempre soube que Keyla recorria à prostituição em casos que as dificuldades aumentavam ainda mais para ela e nunca lhe julgou por isso. No entanto, ela conhecia de longe o pessoal com quem Ruan convivia e sabia o suficiente para temer pela vida de Keyla e ficar furiosa e mais preocupada do que já estava com ela.
Keyla não precisou olhar para Sofia para adivinhar o que a outra estava pensando. Para ela não era surpresa que a morena logo iria discordar e tentar convencê-la do contrário. Mas se Sofia achava que iria conseguir fazer isso, estava muito enganada.
─ Keyla, eu... eu acho que não escutei direito. ─ Sofia fechou os olhos, sua voz saiu trêmula e ela estava se controlando para não gritar. ─ Ou melhor, eu escutei, mas eu não quero acreditar que você vai fazer isso.
─ Você sempre soube o que eu faço fora da loja, Sofia...
─ Mas é muito diferente, Keyla! ─ A morena se levantou abruptamente, alterada. ─ Aquela galera com quem o Ruan anda é barra pesada! Meu Deus! Você não tem ideia de onde você tá se metendo! Tá saindo de um inferno pra ir pra outro!
─ É muito fácil pra você falar quando não foi você que foi espancada quase até a morte e tem que se virar nos trinta para sustentar um pai bêbado.
─ Agora pronto! É uma competição pra saber quem sofre mais, é isso? ─ Sofia guinchou, apoiando as mãos na beira da cama de Keyla.
─ É uma constatação, Sofia. ─ Keyla insistiu. ─ Você sabe que é verdade.
─ Keyla, como você pôde entrar nessa furada? ─ Sofia perguntou exausta. ─ Eu não sei o que o Ruan te prometeu ou te disse, mas a palavra dele significa o mesmo que nada!
Keyla revirou os olhos, soltando um suspiro exasperado. A verdade é que nos últimos dias, a loira já vinha se sentindo incomodada com Sofia. O incômodo que vinha crescendo dentro de Keyla nos últimos dias finalmente atingiu um ponto crítico. Ela sentia que Sofia não conseguia entender completamente a realidade de sua vida, por mais que tentasse. Essa diferença entre as duas, que antes era apenas uma nuance, agora parecia um abismo intransponível.
─ Você acha que eu não sei com quem estou lidando, Sofia? ─ Keyla respondeu, a voz estava fria e seca, algo anormal para Sofia. ─ Eu conheço o Ruan melhor do que você. Sei exatamente quem ele é e com quem ele anda. Mas, no final das contas, ele sempre esteve ao meu lado quando ninguém mais estava. E agora, ele é o único que pode me ajudar.
Sofia sentiu os olhos arderem, mas se forçou a engolir o choro e mordeu os lábios, desviando o olhar por alguns segundos.
─ E você acha que eu não tentei e não estou tentando te ajudar, Keyla? É o que eu mais venho fazendo desde que nós éramos crianças.
─ Eu sei que você sempre esteve ao meu lado, Sofia. ─ Keyla suspirou, suavizando um pouco sua voz. ─ Mas tem coisas que nem você pode resolver. Tem batalhas que eu tenho que enfrentar sozinha. Você nunca vai entender porque nunca viveu no inferno em que eu vivo.
Sofia voltou a olhar para a amiga,com o coração apertado com uma mistura de decepção e frustração. Ela sentia que, de alguma forma, estava perdendo Keyla para um caminho sem volta. A morena tentou se controlar, mas as emoções transbordaram.
─ Eu só não entendo por que você prefere confiar no Ruan e naquele bando de marginais em vez de mim. ─ Sofia desabafou, a voz saiu tremendo. ─ Eu tô aqui, Keyla! Eu faria qualquer coisa pra te ajudar, mas você não me deixa.
─ Você sabe o porquê.
Sofia balançou a cabeça, negando.
─ Não, eu não sei. E talvez eu nunca entenda. Se você quiser fazer isso, ok. Já vi que não tem como fazer você mudar de ideia.
─ Ainda bem que você sabe. ─ Keyla murmurou, virando o rosto para a janela.
Sofia mordeu os lábios e sem responder nada, saiu do quarto batendo a porta com certa força.
No término do plantão, Sofia deu graças a Deus pelo suplício de esbarrar em César e aguentar Carmem lhe fuzilando o tempo todo com o olhar ter terminado. A discussão feia que tivera com Keyla ainda atormentava sua cabeça e tudo o que a morena queria era sair daquele hospital e ir direto para sua casa.
Sofia tomou um banho rápido no vestiário, trocou de roupa e finalmente deixou o hospital às 19h00 da noite, horário em que aconteciam as trocas de plantão. Para sua frustração o trânsito naquele dia estava caótico e isso só serviu para irritá-la ainda mais do que ela já se encontrava.
A para de ônibus onde a morena costumava pegar seu ônibus para ir para casa ficava do outro lado da rua e, sem prestar atenção no semáforo, Sofia atravessou a rua, com sua cabeça fervilhando com o barulho das incontáveis buzinas, as palavras duras e agressivas de Keyla.
Sem prestar atenção e ignorando tudo à sua volta, Sofia não viu quando um dos carros veio com tudo em sua direção. E tudo o que ela conseguiu ver foi o asfalto e um homem se aproximando desesperado enquanto ela se perdia em um mar de escuridão.
Depois de três meses sumida, aqui estou eu novamente! Sei que demorei demais pra atualizar a história, mas como eu sempre digo, vida de universitária é sempre um caos.
Enfim, estamos pertinho do primeiro encontro do nosso casal! E aí? Palpites de como vai ser? Ansiosos? Eu também estou, hehehe.
E a Keyla, hein? O que acharam dessa "revolta" dela contra a Sofia? Acham que a Sofi tem culpa?
O Ruan, nem falo nada... E que loucura de acordo foi esse né? Eu não quero nem pagar pra ver e acho que vocês também não...
Pobre Gael... Mas não se preocupem porque logo logo vão vir dias felizes pro divo :)
Não prometo que vou conseguir atualizar ainda essa semana, mas vou tentar ao máximo até semana que vem. Espero que gostem do capítulo de hoje. Tô ansiosa pra ver os comentários de vocês 😊. Até a próxima!
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