"A mentira tem pernas curtas!"

Afonso quase perdeu o fôlego quando viu os pais já entrando porta adentro procurando por ele!

Se não tivesse acontecido aquele show de dona Eva, avaliou contrariado,  já estariam na clínica há horas e aquele encontro que prometia ser desastroso não precisaria acontecer!

Os olhares de Cátia e de Élio sobre o filho pareciam querer fulminá-lo, enquanto o avô sorriu para o neto com carinho e lhe deu uma piscada, como a insinuar que estava orgulhoso de algo que ele tivesse feito. Só mais tarde Afonso entenderia que o avô acreditava que ele finalmente engravidara alguma garota e iria lhe dar o tão sonhado bisneto!

A mãe de Afonso  pediu à empregada que levasse o velho Salomão  para o quarto dele, pois a última coisa que precisavam naquele momento seria ter  o avô de Afonso ali para interferir na conversa entre pais e filho.

O idoso protestou, mas foi vencido pela justificativa de que precisava tomar os seus remédios, falaram do fuso horário, que ele precisava se adaptar e ele foi sendo praticamente arrastado para longe da sala principal.

Afonso terminou de descer os últimos degraus da escada torcendo para que dona Eva  ficasse por mais um bom tempo trancada no banheiro!

_Olhe ele aí com esta cara de imbecil!_Élio foi logo falando com ódio apontando o dedo em riste na direção do filho.

Recebera, ao longo do caminho de volta, informações suficientes para acreditar que realmente fora uma bênção a sua esposa ter colocado alguém pra vigiar Afonso!

Afonso tinha  a cabeça em pane já  imaginando a possibilidade dos pais terem ficado sabendo de alguma coisa  que ele fizera na ausência deles.

Avaliou a possibilidade do investigador e do estrategista terem entrado em contato com Élio e Cátia para venderem algumas informações importantes para os pais, mas quis acreditar que a ética dos dois não lhes permitiria fazer algo sujo assim!

_Meu filho...que saudades..._a mãe foi mais carinhosa e veio abraçar o filho ansiosamente._Olhe só pra você...todo machucado, meu Deus!

_Não sabia que vocês estavam voltando hoje!_Afonso disse tentando ganhar tempo para descobrir o que faria._Fizeram boa viagem?

O filho de Élio e Cátia reconheceu que naquele momento, ter ao seu lado o estrategista seria perfeito para lhe dar uma ajuda, pois previa que as coisas iriam se complicar para o lado dele e o pânico que o invadia não ajudava em nada!

_Que bom que não sabia que estávamos chegando, porque se soubesse, talvez já tivesse ido antes  ao banco para raspar o resto do nosso patrimônio!_Élio falou fora de si, completamente alterado._Você tem muitas explicações pra me dar, ah se tem!

Afonso considerou a possibilidade de João Pedro e dona Eva escutarem o pai falar com ele daquele jeito...Élio praticamente estava aos berros com o filho!

Até ali, o herdeiro de Cátia e Élio havia posado para dona Eva e o filho como sendo um homem forte, decidido, dono da situação, mas a presença dos pais ali  era uma ameaça àquilo  tudo!

Afonso olhou aflito para as escadas temendo ver alguém descer, pôs a mão nas costas do pai e tentou conduzi-lo para o escritório a fim de abafar o som daquela conversa que poderia comprometê-lo e estragar todos os seus planos para conquistar João Pedro!

_Melhor irmos para o escritório para podermos esclarecer tudo e..._começou Afonso convidando os pais a segui-lo.

_Não tente me enrolar como faz com as suas parceiras, seu moleque!_disse o pai indignado se desvencilhando da mão do filho.

Afonso ficou em pânico vendo que os pais não arredariam pé dali! 

Filósofos diziam que quando se ama, o universo conspira a seu favor, mas parecia que com ele aquilo não funcionaria, pensou Afonso se sentindo injustiçado.

Começou a admitir somente   naquele momento que talvez tivesse gastado além da conta realmente...Foram tantas diárias numa clínica particular, todos os presentes que dera  pra dona Eva... o apartamento que dera  para Guilherme...a compra do rim que colocariam em dona Eva e falariam que era dele...a equipe que ele pagou para representar todas aquelas farsas...o investigador e o estrategista que não cobravam barato....Juntando tudo isso, realmente podia-se dizer que ele gastara uma pequena fortuna!

Afonso respirou fundo tentando não se desesperar, tentou manter a calma, ou ele mesmo colocaria tudo a perder metendo os pés pelas mãos!

Blasfemou intimamente contra os céus e contra Deus por aquilo estar acontecendo com ele! Era muito injusto agora, depois de tanto trabalho, de tanto empenho de sua parte para fazer aquilo dar certo, os pais chegarem pra atrapalhar tudo! Seria algum castigo? Só podia pensar que era um castigo, pois os dias tinham 24 horas...os meses trinta dias...mas os pais tinham que chegar exatamente naquele dia...naquela hora...Puta falta de sorte, reconheceu revoltado!

Se ele conseguisse arrastar os pais para o escritório, certamente o pai  lhe faria escutar  um sermão sobre o dinheiro que ele gastara, mas Afonso sabia que aquilo não era nada perto da fortuna que o avô conquistara! Lembraria ao pai que um dia tudo aquilo seria dele, prometeria se controlar mais nos gastos, tentar assumir mais responsabilidades nas empresas... Além do mais, ele pensou esperançoso, talvez  ele já gastasse aquilo antes, com festas, carros, roupas, mulheres...e o pai nunca se preocupara com aquilo. Não seria agora, claro, que ele iria querer regrar os gastos do filho único, afinal, os seus pais também  haviam ficado todo aquele tempo nos Estados Unidos gastando rios de dinheiro! 

Afonso sabia que a todo custo  precisava tirar os pais dali...afastá-los dos seus convidados...acalmá-los no escritório, inventar alguma desculpa...correr ao segundo andar, pedir que João Pedro e dona Eva não comentassem nada sobre tudo o que acontecera entre eles até ali...tantos detalhes pra observar, arquitetar em tão pouco tempo que a cabeça dele deu um nó! 

Era óbvio que ele não poderia disfarçar e sair com dona Eva e João Pedro sem que os pais viessem a questionar aquela situação...o filho hospedando dois estranhos ali naquela casa e saindo com eles sem ao menos dar atenção aos pais que haviam estado por tanto tempo ausentes. 

Afonso  sabia que não teria como evitar que os pais, dona Eva e João Pedro se encontrassem! Poucos passos os separavam dentro daquela casa e o encontro seria um desastre, com certeza!

Como ele conseguiria evitar que dona Eva viesse  elogiá-lo por ser o herói que ela imaginava ser? Claro que ela diria que ele lhe doaria o próprio rim, elogiaria a postura dele, falaria dos presentes que ganhara, dos voos de helicóptero, da generosidade dele em lhe custear todo o tratamento e ainda permitindo que o filho dela estivesse presente ao seu lado em todos os momentos do processo! Ela não deixaria de contar que o transplante seria feito nos Estados Unidos...tudo por conta de Afonso!

Afonso olhava para  os pais ainda em choque...sabia que o pai estava falando com ele, mas não conseguia prestar atenção em nada, pois tinha o seu próprio inferno interior pra administrar! E sozinho, daquela vez...Onde estava o estrategista quando sua vida dependia dele? Invejou Oliveira que, longe dali, certamente tinha respostas para todas as dúvidas em sua vida!

E aí? Como ele explicaria aquilo para os pais? Confessaria que fizera aquilo tudo porque finalmente descobrira que só seria feliz ao lado de João Pedro? Que só seria feliz adotando outra família que não a dele? Diria que pretendia romper todos os laços com aquele passado que nunca o havia feito feliz, especialmente abandonando a vida de orgias dele e partindo para um relacionamento sério com um  homem? Eles aceitariam saber daquele jeito que nunca teriam um neto?

_Por que não fala nada, Afonso? De repente detonou metade do cérebro de tanto fazer merda?_berrou Élio alto o suficiente para trazer o filho de volta à realidade.

Afonso piscou diversas vezes lamentando por lembrar que  aquilo não era um pesadelo, mas sim a realidade!

_Calma, Élio...vocês dois são duas pessoas civilizadas! Precisam conversar como pai e filho e não aos berros no meio da casa para que todos os empregados pensem que vocês são inimigos! Vão lá para o escritório...é o certo a se fazer..._a mãe tentou aliviar toda aquela tensão.

Afonso sentiu um pouco de alívio por ver a mãe tentar ajudá-lo, mesmo sem saber de nada que ele fizera.

Élio não estava preocupado em ser discreto, pois o assunto principal ainda estava por vir e ele não queria adiar mais um segundo pra esclarecer tudo, por isso, ao invés de seguir o conselho da esposa de irem para o escritório, o pai agarrou o filho pelos ombros e o sacudiu com força!

_Não pense que vai me enrolar, ouviu bem? Eu exijo que você não minta pra mim!_falou furioso._Só fez merda enquanto estivemos fora...só merda e agora não diz nada e fica aí com esta cara de besta, calado...sem dizer nada!

 _Não sacuda o Afonso assim, Élio! Perdeu a razão? Olhe aí como o nosso filho está todo arrebentado, coitado..._recriminou  a mãe._O que fizeram com você, meu filho?

_Eu caí da escada!_mentiu Afonso aflito pra saírem dali rápido._Foi isso! Saí com os amigos, bebi demais, fui subir as escadas e tropecei nos meus próprios pés...

_Caiu da escada nada!_urrou o pai._Isso foi a tal briga que você teve numa lanchonete vagabunda brigando por causa de homem! Já estou sabendo que agora você decidiu dar o rabo por aí, seu puto!

Afonso achou que iria infartar ao ouvir aquilo!

Como o pai tinha ficado sabendo daquilo? O que mais ele saberia?

Em pânico, Afonso  percebeu tarde demais uma sombra atrás dele e viu que dona Eva e João Pedro haviam descido, provavelmente atraídos pelos berros do dono da casa!

Os dois com certeza tinham ouvido o dono da casa gritar daquela forma com o filho e, por isso, dona Eva foi a primeira a falar em defesa de Afonso:

_ Não fale assim com ele! Ele não merece! O pobre não teve culpa...foi pego de surpresa...um grande mal entendido entre ele e o meu genro...O Afonso é inocente, eu garanto!

_Realmente o Afonso não teve culpa de nada! Eu estava lá também e vi tudo. Ele foi vítima de um tremendo mal-entendido sim!_João Pedro também quis ajudar.

Cátia olhou para a idosa e para o filho de cima abaixo, visivelmente contrariada com o que via!

_Mas quem diabos são vocês dois  que estão descendo as escadas da minha casa e já chegam se intrometendo num assunto de família sem serem convidados? Que liberdade toda é esta por aqui, podem me explicar?_perguntou a mãe de Afonso olhando os dois com desprezo.

_Isso é pra você ver, Cátia, a zona que o seu filho deve ter feito em nossa casa enquanto estivemos fora!_completou Élio também contrariado._Deve ter dado tanta liberdade para estes dois que já se julgam no direito de se intrometerem numa discussão de família! Gente abusada!

João Pedro ficou vermelho de vergonha percebendo só naquele momento que nem ao menos haviam se apresentado, ou dado bom dia para os donos da casa!

Afonso entrou entre os pais, dona Eva  e João Pedro temendo que os pais viessem a agredi-los fisicamente!

_Mamãe, papai...os dois  são os meus convidados e eu não permito que vocês falem assim com eles!_e apresentou os dois rapidamente, como se aquilo pudesse aplacar a fúria dos pais._Esta é a minha amiga dona Eva e este é o filho dela, o João Pedro...

Élio deu alguns passos ameaçadores na direção de João Pedro e a mãe, que o olharam assustados:

_Então esta é a tal velhinha safada pra quem você prometeu que irá doar o rim, seu idiota?

Dona Eva tampou a boca ao ouvir alguém se referir a ela daquele jeito e João Pedro partiu em defesa da mãe, mas Afonso o atropelou rapidamente, acreditando que aquele papel era dele!

_Papai, não fale assim com a minha amiga dona Eva! Ela é minha convidada, já disse e merece todo o respeito...assim como o filho dela!

Mas o dono da casa não estava disposto a se deixar intimidar pelo filho!

_São dois vigaristas, dois golpistas!_urrou Élio._Ela, o filho dela e aquele tal médico charlatão estão arrancando uma fortuna de você e você nem percebe, Afonso!

_Não admito que você fale assim da minha mãe!_João Pedro disse encarando o dono da casa e perdendo o controle também.

_Meu senhor, foi o seu filho quem se ofereceu pra doar o rim dele pra mim...nós não pedimos nada..._começou dona Eva confusa, tentando avaliar se Afonso iria fazer aquilo escondido dos pais.

_Só se for  por cima do meu cadáver que eu deixaria o meu filho ceder um rim para uma desconhecida, minha senhora! Sei que devem ter enganado ele e o arrastado para este golpe baixo pra arrancar uma fortuna dele!_foi a vez de Cátia._Já sabemos de tudo...já sabemos que é ele quem está pagando tudo pra senhora...clínica particular, cuidadora...

João Pedro e a mãe se encararam completamente perdidos ali naquele meio.

Afonso tentou pensar rápido...precisava impedir que os pais falassem mais...precisava tirar João Pedro e dona Eva dali...precisava evitar o pior, pois acreditou que Cátia e Élio deviam estar muito bem informados!

_Eu não sei o que foram falar pra vocês, mas da minha vida cuido eu...estes aqui são os meus amigos...sou dono do meu nariz..._Afonso tentou silenciar os pais._Dono do meu corpo...esta também é a minha casa...

Élio deu uma gargalhada jogando a cabeça pra trás e cruzando os braços no peito olhando o filho com desprezo:

_Quando foi que você trabalhou um único dia em sua vida, seu malandro, pra ser dono de algo aqui? Eu e o seu avô damos um duro danado para termos este patrimônio, você nunca ajudou, mas agora quer pagar o tratamento desta mulher a troco de quê, posso saber?

_Pai, pelo amor de Deus...a gente conversa sobre isso tudo depois, está bem?

Afonso queria arrastar João Pedro e dona Eva dali a todo custo.

_Vou levar o João Pedro e a dona Eva embora e na volta eu explico tudo, ok?!_e virando-se para os dois convidados._Por favor, me desculpem tudo isso...venham comigo...

Mas Cátia também ficou enfurecida e resolveu falar antes que o filho se afastasse:

_ Seu pai está certo, Afonso! Já sabemos  que você  vai pagar uma fortuna por um rim pra esta mulher!

Dona Eva e João Pedro arregalaram os olhos mais ainda e encararam Afonso como se pedissem explicações para o absurdo que a mãe dele estava falando.

_Por favor, venham...os meus pais não sabem do que estão falando...eu posso explicar tudo pra vocês..._Afonso ainda tentou salvar a situação._Depois converso com eles e esclareço tudo.

Seria fácil convencer João Pedro e a mãe de que escondera dos pais  que seria ele o doador para não preocupá-los...mas precisavam sair dali logo, pensou Afonso aflito!

Élio deu alguns passos em direção ao filho que praticamente ainda tentava arrastar os visitantes visivelmente confusos  para longe dali!

_Sem falar que sei bem que você comprou um apartamento para um prostituto bicha chamado Guilherme! A troco de quê fez isso? Deu o rabo pra ele também?_berrou Élio com repulsa.

Cátia e dona Eva tamparam a boca horrorizadas com o palavreado de Élio, enquanto João Pedro, ao ouvir o nome de Guilherme, percebeu que também precisaria de explicações!

Afonso desejou que o chão se abrisse e o engolisse, ao perceber o quanto João Pedro e dona Eva estavam em choque olhando pra ele!

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