CAPÍTULO 2-AFONSO SENTE INVEJA DE WILLIAM E JOÃO PEDRO
"Feliz é quem valoriza a pessoa pelo o que ela é e não pelo o que ela parece ser."
O herdeiro da fortuna de Élio e Cátia percorreu as ruas da grande cidade iluminada ricamente naquela época de Natal.
Ele havia reconhecido que naquele ano os decoradores haviam caprichado nas milhares de luzes enfeitando praças, fachadas de casas e shoppings, mas naquele momento, nem o reflexo de tantas lâmpadas pareceu animá-lo.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro! Por que tudo tinha que girar em torno de dinheiro e poder em sua família? Não que ele não gostasse dos confortos que o dinheiro lhe proporcionava, mas sentia que era pouco para fazê-lo feliz.
"Dinheiro não traz felicidade", ele também já lera certa vez e sua vida era a comprovação disso.
Por que os pais não podiam parar um pouco para pensar na felicidade do filho?
Por que até mesmo a escolha da mulher da sua vida tinha que ser um assunto tratado de maneira tão fria e prática?
Ele não se sentia preparado para se casar e se prender a uma única mulher quando podia ter tantas em sua cama! Isso destruía totalmente o romantismo, o amor...Lembrou-se das palavras do cantor Renato Russo...Quando se aprende a amar, o mundo passa a ser seu. Será que seria feliz se encontrasse uma mulher que amasse?
Verônica, Alessa, Fabiana, Gina, Sofia, Camila...talvez a lista ultrapassasse os duzentos nomes, dos quais ele só se lembrava de uns dez! Aquilo irritava a família! Saber que ele era um predador faminto e indeciso incomodava os donos do dinheiro! Viam como ele tinha relacionamentos vazios que não o satisfaziam... Ele tentava achar naquelas mulheres descartáveis algo que nem ele mesmo sabia o que era!
_Seu filho cada dia leva uma piranha pra cama, Élio! Não vai fazer nada?_ouvira a mãe comentar com o pai certa vez.
_Que leve pra cama quantas mulheres quiser, Cátia, pois ele é homem, viril feito o pai e o avô e está aproveitando que ainda é jovem e pode se dar ao luxo de levar uma vida livre. Quando vier tomar a minha posição, tenho certeza de que sentirá o peso da responsabilidade que pesará sobre os seus ombros e irá sossegar.
_Sossegar? Ele pegou gosto pela coisa, Élio!_desabafara a mãe incomodada._ Não fosse Maria saber muito bem conduzir a situação e teríamos garotas trombando umas nas outras pela casa. Outro dia, enquanto uma saía pelos fundos, a outra já subia as escadas com uma amiga. Vergonhosos os sons que eu ouvi saindo do quarto de seu filho depois disso!
O pai gargalhou como se gozasse pensando na vadiagem do filho.
_Enquanto ele estiver levando fêmeas para a sua cama, fique feliz, Cátia, porque o filho do Marcone, aquele meu colega, assumiu que está ficando com rapazes! Pelo menos o nosso filho não é veado!
_Jesus! Preferia ver o nosso filho morto a vê-lo metido com outro homem!_repudiou a mãe._ Nojo destas aberrações que saem por aí dando o rabo pra outros homens!
O pai também era homofóbico e sentia nojo dos gays.
_São todos insaciáveis bestas primitivas e irracionais que acreditam que quando a graça se acabou com as mulheres, o jeito é partir para os homens. Afonso jamais fará uma barbaridade dessas! Puxou a mim e ao avô!_falou o pai orgulhoso.
Naquele dia em que ouvira esta conversa, Afonso saíra sem esperar para ouvir o resto, mas o simples fato dos pais terem se mostrado contrários àquela possibilidade já fez nascer nele um desejo estranho de desafio, de contrariar os pais, de quebrar as regras, talvez apenas para chamar a atenção, mesmo sabendo o quanto imatura e adolescente era aquela atitude de desafiar os pais!
Afonso reconheceu, mais tarde, que talvez tivesse nascido nele algo novo ao se imaginar escandalizando toda a alta sociedade ficando com um rapaz, só pra contrariar a todos!
Depois daquela última conversa com os pais, ele saiu deixando os dois ainda discutindo e dirigiu sem rumo pelas ruas ainda movimentadas naquela noite de sexta-feira.
Talvez ele, como muitas pessoas, esperasse que algo novo viesse a acontecer pra dar uma guinada em sua vida...talvez uma coisa que satisfizesse o seu desejo de ter algo realmente diferente, inédito.
_Que tédio! Eu queria algo desafiador pra variar._dissera um dia ao melhor amigo, Artur, que estava deitado ao seu lado numa das cadeiras espalhadas pela piscina em sua casa.
Naquele dia, a piscina estava cheia de garotas seminuas tentando chamar a atenção do filho do dono da casa dando gritinhos histéricos e simulando afogamentos patéticos.
_Pois eu, se fosse você, não mudaria nada._rira de forma indecente o amigo Artur, filho de um fazendeiro rico._Eu comeria todas aquelas ali antes do almoço, dormiria à tarde inteira pra repor as energias e à noite voltaria a abater donzelas loucas para serem subjugadas pelo ricaço mais sexy da cidade.
Artur sempre fora o seu fiel amigo, sempre presente...mas talvez até aquilo o estivesse cansando. Novamente desejou um novo desafio na vida...a idade do lobo, talvez, lhe dissera o analista, o estava fazendo desejar um pouco mais de adrenalina, era normal.
Doutor Sílvio Azevedo Marra, psicólogo renomado, só atendia os ricaços e, claro, tinha o nome de Afonso em sua agenda.
Cliente vip, às vezes o médico vinha atendê-lo em casa em alguma de suas crises de tédio e depressão gerada pela vida extremamente fácil e vazia.
_O que você precisa é de algo que o estimule, Afonso._dissera o analista.
Afonso conteve o desejo de dizer que queria ouvir uma novidade, já que aquilo ele já sabia! Mas respeitou o profissional pago pelo seu pai.
_Confesso que nada me estimula atualmente, Sílvio...nada. Tenho tudo o que o dinheiro pode comprar antes mesmo de verbalizar os meus desejos. Isso é entediante!_desabafou._Amigos comprados, garotas compradas, bajulação comprada...
O médico tinha uma opinião diferente. Ter o mundo aos seus pés era também o desejo dele e, acreditava, também o desejo de nove entre dez pessoas no planeta.
"Ricos de merda...não basta terem tudo na vida e ainda querem mais!", ele pensou, mas sabia que nunca poderia verbalizar em voz alta.
Os pagamentos feitos pelos seus pacientes eram pequenas fortunas depositadas em sua conta todos os meses, mas às vezes ele desejava também ter algum paciente realmente desafiador. Queria alguém com problemas reais, pra variar. Muitos deitavam em seu divã atolados em conflitos dramáticos como que decisão tomar a respeito da compra de uma cobertura, um avião, uma fazenda...e se fossem as mulheres confessariam que haviam passado a noite em claro em dúvida sobre que tom escolher para pintar os cabelos, que joia deveriam usar em alguma recepção, ou mesmo se deveriam ou não fazer a décima oitava cirurgia plástica.
_Às vezes invejo aquelas pessoas que precisam matar um leão por dia pra sobreviverem._confessara uma milionária com quase cem por cento do corpo operado no exterior._Minha vida às vezes parece tão vazia e sem sentido que chego a pensar em me matar! Como sofro, meu Deus!
Ele não se impressionava...que se danassem! Que tirassem a própria vida e poupassem o mundo de mais uma mulher artificial, insensível às desgraças alheias. Sua clientela era aquele 1% da população dona de metade da riqueza do país, gostava de exibir para os colegas!
_Não me respondeu, Sílvio._Afonso o tirara de seus pensamentos, observando que o médico o encarava, mas não o via.
_Me desculpe, realmente não entendi por que você ainda tem dúvidas sobre o que fazer a este respeito._o psicólogo falou sério.
Afonso era esperto...amante da filosofia...conhecedor das artimanhas dos homens e sabia que o doutor devia realmente estar longe daquele consultório, ou talvez estivesse ansioso esperando que ele fosse embora para comer a nova secretária que contratara. Mas o herdeiro de Élio e Cátia resolveu ser clemente e não demonstrar ao médico que a sua representação de médico que volta a pergunta ao paciente naquele momento de distração não fora descoberta.
_Gostaria de um desafio de verdade...um desafio digno de me tirar as noites de sono...de me fazer perder os cabelos só de pensar em como conquistar a minha próxima presa. É tudo tão previsível e fácil em minhas conquistas que temo brochar qualquer dia destes!
O médico imaginou quantas pessoas gostariam de estar no lugar de Afonso!
_Artur me sugeriu tentar pegar uma mulher muito bem casada, pra ver se me excito. O que acha?
O médico pensou na esposa linda e dedicada, mãe de três filhos lindos, um lar amado e bem estruturado e tendo como ameaça aquele playboy mal agradecido pela sorte que a vida havia lhe dado em ser rico num país com tantos pobres!
_Seria interessante, desde que não fosse a minha esposa._tentou ser engraçado.
Os dois haviam gargalhado e o cliente, antes de sair, garantiu ao médico que a esposa dele não estava em sua lista.
O médico não soube se agradecia ao paciente ou se exigia, ofendido, que ele dissesse por que a sua esposa não lhe servia.
O analista avaliou que talvez já estivesse pegando as loucuras de seus pacientes, visto que ali caberia um ou dois protestos, se o risco não fosse grande do mimado cancelar suas consultas e levar a sua grana para outro médico.
Afonso pensava em tudo aquilo...em procurar realmente uma mulher muito bem casada...uma mulher apaixonada pelo marido...uma mulher acima de qualquer suspeita para viver com ele uma aventura proibida e arriscada que lhe deixasse cheio de adrenalina pelo simples fato de correrem o risco do marido descobrir tudo e vir à caça deles!
Lembrou-se dos romances onde um milionário se disfarçava de pobre para enganar alguma pobretona a fim de testar se ela seria capaz de se apaixonar por ele apenas pelo que ele era, não pelo que ele tinha. Faltou originalidade, claro...não faria sua vida imitar a arte.
Ele não estava a fim de se meter naquelas ruas imundas, fantasiado de pobretão a fim de garimpar alguma mulher que com certeza daria um jeito de engravidar dele apenas para ter uma pensão no final do mês.
_Quanto mais pobres, mais férteis, cuidado._viera lhe alertar o melhor amigo Artur diante do que ele lhe falara._Trepa com uma vadia qualquer e depois ela irá colar-se a você buscando ração para o pivete pelo resto da vida...isso se o seu pai não mandar matar os dois...ela e o bastardo!
Nojenta a fala de Artur, pensou. Avaliou, olhando as pessoas num bairro pobre onde fora parar, como aquelas pessoas conseguiam passar o mês com menos do que ele gastava em um dia e ainda conseguirem ser mais felizes do que ele...pois via muitas rindo satisfeitas com aquela vida miserável, na opinião dele, de quem precisava trabalhar duro pra por comida na mesa!
Voltou a pensar no desafio de conquistar uma mulher apaixonada pelo marido... Conquistar uma mulher pra ele sempre fora tão fácil que já perdera a graça. Ele sabia que qualquer uma que escolhesse seria presa fácil. As mulheres se jogavam aos seus pés antes mesmo que ele precisasse fazer um gesto mínimo...mesmo que fosse casada, não achou que seria difícil.
Rosto másculo, dentes em que os pais haviam investido uma fortuna para dar ao filho o sorriso perfeito, as pernas longas e peludas, uma bunda dura e arredondada, bem servido de pau e bolas para a loucura das mulheres que não se cansavam de se esbaldar em sua carne... Não...decididamente não seria difícil levar qualquer mulher que quisesse pra cama, concluiu desanimado já descartando o plano antes mesmo de colocá-lo em ação.
Foi aí que Afonso teve a sua atenção atraída para um ponto de ônibus numa rua da periferia, onde dois homens pareciam ter descoberto a fórmula da felicidade e fizeram, pela primeira vez, o filho do milionário sentir uma inveja como nunca tinha sentido na vida!
Uma rua pobre, num bairro pobre, dois homens pobres, mas visivelmente ricos de uma felicidade que parecia lhes exalar dos poros!
Usavam roupas surradas, numa situação que para Afonso seria degradante que era ficar ali esperando para pegar um ônibus pra voltar pra casa depois de um longo dia de serviço. Com o sinal fechado, Afonso chegou a se ofender por eles nem notarem o seu carro importado ali tão perto! Até os amigos invejavam o seu carro!
Estava visível que eram namorados, pois no ponto vazio e acreditando não estarem sendo observados, os dois estavam ali se amando...se querendo...se desejando...felizes!
Aquilo realmente fez nascer a inveja no filho do milionário...uma inveja tão grande que ele parou o carro no acostamento e desejou ir lá e exigir que eles lhe dessem a receita de tanta felicidade!
Não foi, pois acreditou que não teria inteligência suficiente para entender o porquê daquele estado de espírito escandalosamente visível de felicidade nos dois homens e tão desejado por ele durante toda uma vida!
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