CAPÍTULO 14-UM AMOR POSTO À PROVA
"No amor e na guerra...vale tudo?"
Dona Eva piorava dia a dia... Parecia que a vida da idosa estava se esvaindo aos poucos sem que ninguém pudesse fazer nada.
A agonia do filho e do genro era enorme, pois amavam demais a boa senhora, que era sempre tão carinhosa com os dois.
Liam foi super compreensivo, quando João Pedro avisou que a partir da noite em que dona Eva teve uma piora significativa, ele iria dormir na cama da mãe, como antigamente. O namorado entendia que o filho queria aproveitar cada minuto ao lado da mãe que partia e quanto a isso, não havia o que discutir, claro.
As noites do namorado de João Pedro se tornaram tristes, deprimentes, solitárias, mas ele sabia que a prioridade agora era da sogra.
Liam sofreu por ver o Natal...também o ano novo se aproximando sem que o amor de sua vida estivesse ao seu lado na cama. Era tão bom dormir de conchinha...tão bom ouvir "eu te amo" todas as noites antes de dormir...e ouvir "eu ainda te amo" todas as manhãs assim que acordava.
_Eu te amo muito mais!_respondia Liam silenciando o namorado que lhe sorria com um beijo apaixonado.
João Pedro sentia uma dor enorme no coração imaginando até quando poderia ter a sua querida mãezinha ao seu lado...até quando poderia ouvir a voz mansa...o riso tímido...até quando sentiria as mãos macias e delicadas em seus cabelos fazendo um cafuné...morreria de saudades de tudo aquilo!
O filho de dona Eva reconhecia que ter um namorado tão compreensivo quanto Liam ajudava muito a suportar a dor pela perda que parecia se aproximar.
Qual outro homem aceitaria perder o namorado para a sogra, especialmente por um tempo indeterminado e numa época tão especial quanto o Natal e o Ano Novo? João Pedro só podia se apaixonar mais e mais pelo homem que escolhera para viver ao seu lado.
O médico fora claro: ela não conseguiria vencer a batalha contra a doença e cada sessão de hemodiálise parecia ser a última. Mudaram a medicação nas vésperas, mas parecia que nada havia mudado no quadro de dona Eva que estava cada vez mais fraca.
O dono da lanchonete, mesmo estando apertado naqueles dias, aceitou que João Pedro ficasse junto com a mãe, enquanto Liam se desdobrava para fazer o serviço dos dois.
Liam chegava mais cedo na lanchonete lotada naquela época do ano...não parava para o almoço...adiava ao máximo suas idas ao banheiro...trabalhava até mais tarde, tudo para não deixar o bondoso patrão na mão. Não dava para prejudicar o homem, visto que ele sempre se dispunha até a ir tomar o lugar dos funcionários quando eles precisavam se ausentar por algum motivo.
Tinham que agradecer...outro patrão não seria tão compreensivo, Liam e João Pedro reconheciam.
_Dona Eva é uma pessoa iluminada, uma mãe amorosa, Liam e eu sei o quanto não apenas João Pedro, mas também você irá sofrer quando ela partir._disse o patrão solidário._Pode falar com o João Pedro que eu compreendo...especialmente porque nesta época das festas de final de ano, realmente a gente fica mais emotivo e quer ficar ao lado de quem a gente ama.
_Nem sabemos como poderemos agradecer ao senhor..._disse Liam emocionado apertando a mão do patrão.
_É só continuarem sendo estes dois funcionários que valem por quatro e eu já me sentirei recompensado._sorriu o patrão._Antes de vocês começarem a trabalhar aqui, não havia tanto movimento. A freguesia ama vocês dois e com isso a lanchonete está indo super bem! Pobre João Pedro...a mãe dele é a razão de sua vida!
Liam não se sentia menos amado por ter ouvido aquele comentário...ele também era amado por João Pedro, mas reconhecia que naquele momento era dona Eva quem precisava mais do filho. O egoísmo não teria espaço ali, claro.
João Pedro não conseguia pregar os olhos à noite, temendo dormir e não perceber alguma alteração no estado da mãe.
O filho de dona Eva, consumido pela dor antecipada da perda, estava emagrecendo, estava abatido, tão frágil que o coração do namorado cortava de dó.
Liam queria aliviar mais para o namorado e às vezes se sentia impotente por não poder fazer mais nada pelo homem que amava!
_Oh, meu Deus! Que rosto abatido, cansado...Vai lá, amor...deixe que eu durmo com ela esta noite e você descansa no nosso quarto._oferecia Liam todas as noites._Deste jeito, você não vai aguentar, querido!
João Pedro não cedia. Não deixaria a mãe um minuto sequer. Queria estar com ela quando ela abrisse os olhos de manhã...queria estar com ela quando ela fechasse os olhos à noite...queria passar toda a sua energia pra ela, apenas para ter mais um minuto ao lado de sua mãe!
_Este mundo é tão cruel!_lamentou João sofrido._Aquele médico ambicioso não podia ter se recusado a ajudar a gente, Liam! O que ele achava? Que a gente iria dar o cano? Eu seria capaz de vender um órgão pra pagar o tratamento de minha mãe e você sabe disso! Não ficaria devendo um centavo a ele!
Liam sabia que João seria sim capaz de vender uma parte de seu corpo, se isso não implicasse ele ter que se afastar da mãe e, de repente, enquanto estivesse longe, ela precisasse dele e ele ali não estivesse.
_Não fale assim, amor...você já tem feito mais do que as suas forças permitem, João Pedro! Daqui a pouco irá adoecer e aí como é que vai ser, vida?_disse Liam agoniado._Você precisa estar bem pra cuidar da sua mãe.
Mas parecia que João Pedro não havia escutado nada do que o namorado havia falado, pois a ideia de que poderia ter salvado a vida da mãe, caso vendesse um de seus órgãos, parecia torturar o seu coração sofrido.
_Poderia ter pensado nisso antes..._recriminou-se João Pedro fora de si se odiando por pensar que dera aquele vacilo._Poderia ter visto antes que se vendesse um rim...ou mesmo parte do meu fígado, com certeza teria dinheiro suficiente para pagar o tratamento da minha mãe! Como não pensei nisso antes, Liam? Como? Sou saudável, me recuperaria rápido...não haveria problema algum comigo...Fui um idiota! Perdi essa grande chance de salvar a vida da minha mãezinha!
Liam o agarrou pelos ombros e o sacudiu, tentando obrigar o namorado a recuperar o juízo!
_Não faça isso com você mesmo, vida!_Liam tentou chamá-lo à razão._Acha que é fácil assim se deitar numa mesa e permitir que alguém o mutile? E se você morresse? Já pensou nisso? Aí seriam três enterros...o seu, o da sua mãe e o meu, que não suporto nem pensar como seria a minha vida sem você, coração!
_Estou morrendo agora!_desabafou João Pedro parecendo não ter escutado o que o outro havia dito._Não consigo pensar nesta casa...nos meus dias sem a mamãe!
_Então pense nos dias da sua mãe sem você, querido...se algo acontecesse a você...como acha que ela ficaria?
Mas João Pedro parecia ter perdido a razão realmente...estava fora de si, provavelmente devido a tantos dias sem dormir!
_Viva, Liam...ela ficaria viva...só isso importa pra mim!
_Sem você por perto...difícil acreditar que dona Eva sobreviveria!_explodiu Liam._Dona Eva nunca se perdoaria se perdesse você para salvar a vida dela! Trocar a sua vida pela de sua mãe só iria retardar a partida dela até que percebesse que o filho amado já não estaria mais junto dela! Você se lembra como ela sempre falava: nenhuma mãe deveria ser obrigada a passar pela dor de enterrar um filho!
João sabia que ele estava certo. Várias vezes a mãe já tinha manifestado aquele sentimento de revolta ao saber de alguma mãe tendo que enterrar algum filho.
_Que monstruoso isso!_ela dizia horrorizada._Que mãe suportaria enterrar o próprio filho? A ordem natural das coisas é o filho enterrar a mãe! Deus pai celestial tenha piedade de mim!
João Pedro sabia que ela não aguentaria viver sem ele...Liam também sabia. Dona Eva preferia morrer do que ver morrer!
Liam ficou feliz por seu amado não ter tido aquela ideia antes, porque desesperado do jeito que estava, talvez tivesse perdido o controle e colocado o plano em ação escondido dele e escondido de dona Eva!
Clínicas clandestinas, ele sabia que existiam, compravam órgãos humanos e muitas vezes o serviço porco tirava a vida do pobre coitado desesperado para se mutilar a fim de pagar alguma dívida. Teria o próprio Liam cedido um órgão à venda pra aliviar a dor do outro, se tivesse certeza de que sobreviveria pra tomar conta de seu namorado!
Foram dias monstruosos, Liam admitiu. Chegava em casa detonado...mal se aguentava sobre as pernas...ainda tinha que dar apoio a João Pedro...às vezes dar apoio à sogra enquanto o filho dela tomava um banho corrido...e ainda manter-se firme repetindo, como se fosse um mantra, que um milagre poderia estar a caminho e que era preciso ter fé.
Primeiro dia do ano...a cidade em festa...fogos de artifício explodindo pra todo lado...todos comemorando um novo ano e acreditando que novos planos e novas oportunidades surgiriam melhorando a vida de todo mundo.
Dona Eva não conseguira dormir à noite...talvez por causa do som dos fogos intermináveis...mas também porque já se sentia sem energia para lutar contra o arrastar firme e contínuo da morte que lhe chamava para a última provação de sua vida...sua última viagem...
João Pedro viu a mãe pálida feito cera olhar pra ele com os olhos sem vida...voz fraquinha...mãos de seda, quase imperceptíveis tocando o seu rosto marcado pelas lágrimas na tentativa de consolar o filho amado.
João Pedro não dizia mais nada...porque não tinha mais nada pra dizer a não ser um temido adeus, talvez...mas despedir-se da mãe era algo que ele sabia que não teria coragem de fazer...e já se via agarrando o corpo sem vida e o sacudindo tentando reanimar a mulher que o gerara com tanto amor e carinho.
Liam entrou no quarto também agoniado. Havia preparado a comida, mas nenhum deles conseguira colocar nada na boca.
Viviam um luto prévio que já se arrastava por mais de uma semana.
Dona Eva passara mal durante as duas últimas sessões de hemodiálise e João Pedro precisaria ser cego para não perceber os olhares desanimados dos profissionais que estavam na sala acompanhando os pacientes que precisavam daquela máquina pra sobreviver.
Dona Eva foi reanimada nas duas vezes em que o corpo falhou...palavras de esperança foram proferidas...justificativas, explicações, afirmações de que aquilo era comum...que as pessoas às vezes iam e vinham naquela máquina...que morriam e ressuscitavam a todo momento enquanto o sangue era filtrado e devolvido ao corpo.
_Não fique assim, João Pedro._disse uma das enfermeiras que fizera amizade com João Pedro._Confie em Deus...pra Ele nada é impossível.
Todos ali eram muito carinhosos com dona Eva...todos ali eram muito carinhosos com o filho tão dedicado...todos ali sabiam que o rapaz era homossexual e ficavam felizes quando também Liam acompanhava os procedimentos feitos na idosa. Reconheciam o quanto era linda aquela relação entre os três. Realmente triste ver o sofrimento do filho e do genro de dona Eva.
_Deus há de ouvir nossas preces, filho._dizia um médico mais velho quando via João Pedro tão deprimido._Sua mãe ainda é nova...vai se aguentar. Confie, Deus é maior e pra Ele nada é impossível.
Mas João Pedro não acreditava mais naquelas palavras...estava perdendo a fé em milagres e na bondade, no poder de Deus. Ele já estava cansado daquelas frases clichês de consolo ao longo de um período que ele já julgava longo demais para que Deus não viesse fazer o milagre do qual ele precisava.
*.*.*&&&*.*.*
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top