5. Quando eu te vi...
Acabou que Francis teve de levar Gregory a ótica para retirar seus óculos, ao chegarem, Elisa já estava lá.
Gregory se aproximou meio receoso, sabia que a baixinha o encarava de trás do balcão. Ele coçou a nuca, um pouco constrangido e perguntou:
— Hã... Sabe se meus óculos estão prontos?
— Creio que estão sim, engomadinho. Vou buscá-los.
Ela entrou por uma porta nos fundos, deixando Gregory suspirando de alívio ao saber que poderia enxergar corretamente de novo. Poucos minutos bastaram até Elisa voltar com uma caixinha nas mãos e dizer:
— O senhor Hendrik, dono da ótica, não gosta de deixar os clientes esperando muito. Ainda mais um cliente como você, então pediu a lente ontem logo que vocês saíram e hoje de manhã ele arrumou.
Ela estendeu a caixinha aberta para ele e Gregory não pensou duas vezes em pegar os óculos e encaixá-los no rosto. Logo os borrões foram embora, dando lugar a imagens bem definidas e mais coloridas.
Olhou para Elisa, a fim de agradecer, mas paralisou diante da moça. Um arrepio percorreu sua coluna e um choque surgiu por todo o corpo ao encará-la. Ela estava com um enorme sorriso brilhante no rosto que era salpicado por sardas bem charmosas, os cabelos cor cobre e ondulados caíam abaixo dos seios e os olhos... Eram de um verde brilhante e transmitiam uma vivacidade única.
— Agora consegue enxergar bem? – Perguntou ela, ainda com um sorriso.
— Hã... Consigo. – Respondeu ele, ainda atônito.
Ela sorriu mais ainda e estendeu a mão em cumprimento, dizendo:
— Então acho que agora nos conhecemos oficialmente, já que pode me enxergar direito. Muito prazer, me chamo Elisa.
— Gregory. – Respondeu ele, a cumprimentando de volta, e preso naqueles olhos – É um prazer.
— O prazer é todo meu, alteza.
— Só Gregory, por favor... Me desculpe por ontem, agi como uma criança idiota.
— Não, eu que agi como uma mal-humorada. Tem dias que são difíceis.
— Eu que o diga. – Respondeu ele, rindo – Mais uma vez obrigado por concertar meus óculos.
— Não agradeça a mim... Mas por nada.
— Quanto ficou o concerto?
— Seu irmão já pagou ontem.
— O quê?! – Perguntou ele, indignado – Mas eu não vi!
— Obviamente não. – Respondeu Elisa, com um sorriso – Relaxa, já está tudo acertado.
— Ele sabe que não gosto disso. De qualquer forma já está feito... Nos vemos na faculdade então?
— Claro! Vá aproveitar que agora pode ver.
Com um último sorriso, Gregory se despediu de Elisa e saiu da ótica, não sem antes dar mais uma olhada para trás, observando a ruiva, que o encarava de volta.
Ao se voltar para Francis, viu o amigo com um sorriso sugestivo no rosto, parecia mais animado que o próprio Gregory. Ele começou a dar soquinhos no braço de seu amigo, dizendo:
— Ah, garoto, é assim que se faz! Ela estava toda sorrisos com você, parecia até uma cena de filme, eu deveria ter gravado.
— Não exagera, Francis. Foi só uma conversa.
— Eu acho que não, tem mais coisas aí, eu posso sentir. E declaro desde já, em breve estarei presenciando a ilustre junção do meu melhor amigo com aquela gata.
— Você consegue ser pior que a Micaela às vezes.
— É que você não viu a cena, quem estava de fora percebeu todo aquele clima que surgiu no ar. – Ele passou o braço pelos ombros de Gregory e o puxou para perto, dizendo – Grave minhas palavras, amigo, você vai se dar muito bem. Estou orgulhoso.
Gregory gargalhou com a empolgação do amigo e se desprendendo, respondeu:
— Me leve para casa logo.
— Sim, alteza.
Em poucos minutos chegaram na casa dos Lambertini, que ficava em uma colina distante da cidade, passaram pelo enorme bosque, percorrendo o caminho de cascalho até parar na escadaria em frente à enorme porta de entrada. Francis até tentou ir embora, mas Gregory insistiu para que o amigo ficasse e para que jogassem uma partida no vídeo game, o que para o gordinho era uma proposta irrecusável.
Francis permaneceu no hall de entrada, observando tudo a sua volta, enquanto Gregory ia pegar comida na cozinha. O hall era grande demais a seu ver, as paredes brancas pareciam simples, mas o acabamento em madeira deixava tudo muito mais refinado, o lustre acima dava um certo requinte e o enorme quadro com toda a família pintada, dava um ar de superioridade ao local. Não era de se esperar menos de uma residência real, afinal, ali morava a família que governava o país todo... Ou pelo menos Nicolas e Micaela faziam isso, os monarcas superiores eram eles.
Não soube quanto tempo ficou ali esperando Gregory, pareceu uma eternidade, quando ouviu uma vozinha dizer atrás de si:
— Oi, Francis.
Ele se virou num salto e soltou um gritinho se afastando da garota e cruzando os dedos, de forma que formasse uma cruz.
— Vade retro! – Gritou.
Sofia permaneceu parada no hall encarando Francis, com uma expressão intrigada e ao mesmo tempo divertida no rosto. Ele, por sua vez, queria distância da menina, ainda se lembrava dela quase o atropelar com um cavalo. Um cavalo!
Quem em pleno século vinte e um atropela outra pessoa com um cavalo?
Ela parecia ainda mais assustadora com aquela expressão inocente no rosto, que agora era coberto por algumas mechas do cabelo negro que caíam no rosto. Ela parecia estar fazendo algum tipo de atividade física, estava um pouco suada também. Francis nem mesmo teve tempo de se recuperar e outra voz, pior ainda, soou pelo local:
— Acho que ele ficou com saudades.
Benjamin! O garoto estava alguns degraus acima na escada, o cotovelo apoiado no corrimão e uma expressão beirando a perversidade estampada no rosto.
Francis não sabia qual dos dois era pior enfrentar, os Lambertini não eram conhecidos exatamente por seu temperamento dócil.
— Gregory! – Ele gritou – Socorro.
Em questão de minutos Gregory apareceu no hall, parecia alarmado e tinha os braços cheios de besteiras para comer.
— O que foi? – Perguntou.
— Eles estão fazendo de novo! – Acusou Francis.
— Fazendo o quê? Aprontaram o que dessa vez?
— Eu não fiz nada, só cumprimentei o Francis. – Respondeu Sofia, com cara de inocente.
Benjamin também aproveitou a deixa e se meteu:
— Também não fiz nada, ele que está devendo.
— Eu devendo? – Protestou Francis – Vocês fizeram aquelas atrocidades comigo e eu estou devendo?
— Está bem, já chega. Meninos, para o quarto de vocês, pelo que sei ainda estão de castigo. Francis, sala de jogos.
Gregory não precisou falar duas vezes, Francis disparou na frente, procurando se afastar o máximo dos adolescentes. Ele realmente tinha pavor dos dois.
E quem não teria? Eram verdadeiras pestes! E não foi por falta de castigos, brigas e conselhos, Nicolas e Micaela se empenhavam ao máximo para pôr os dois em seus lugares, mas ultimamente eles andavam mais rebeldes que o comum. Deixando esse assunto de lado, ele foi para a sala de jogos e permaneceu o resto do dia jogando com Francis, toda vez eles apostavam algo, seja uma entrada no cinema ou algum lanche no shopping, mas sempre eram apostas leves. Só que daquela vez, Francis resolveu pegar pesado.
— Se você perder terá que chamar a Elisa para sair. – Disse ele.
Gregory corou dos pés à cabeça, suas bochechas ficaram mais vermelhas que o comum e os olhos castanhos quase saltaram das órbitas.
— Está maluco? O que te faz pensar que ela iria aceitar?
— Impressionante como mesmo com óculos você é incapaz de enxergar certas coisas. Eu vi a expressão dela, vi como ela te olhou, ela está a fim!
— Eu acho que é você que está vendo coisas demais.
— Para com essa baixa autoestima, seu cabeçudo. – Bradou Francis, acertando um tapa na cabeça de Gregory – Eu posso muito bem não ter experiências com mulheres, e você sabe em qual quesito eu digo, mas são vinte três anos observando cada expressão delas, cada sinal! Ainda não sou expert porque é meio impossível entender as mulheres, mas confia no que falo, ela gostou de você.
— É difícil entender as pessoas no geral, Francis, não só as mulheres. E não tenho baixa autoestima, eu só... Não acho que sou interessante.
— Não é interessante? Já se olhou no espelho? Tem um bom porte, um rosto que me mata de inveja as vezes, é educado, simpático, tímido até demais e ainda tem essas bochechas rosadas...
— Não fala das minhas bochechas, eu não gosto. – Cortou Gregory, se afundando no sofá, com uma expressão mal-humorada.
Ele odiava o fato das suas bochechas serem o tempo todo coradas e lhe conferirem um ar quase infantil na maior parte do tempo, a mecha rebelde do cabelo, que sempre estava espetada, também não ajudava.
— Tudo bem, não falo mais nisso. Mas além das suas qualidades você é um príncipe. Um príncipe, droga! Se eu não posso pegar algumas garotas você pelo menos pode fazer isso por mim, algum de nós dois tem que se dar bem!
— E por que não pode ser você? Está falando da minha baixa autoestima, mas você também não fica atrás.
— Eu sou realista, Gregory. Trazendo para os padrões estipulados, você tem muito mais chances que eu. Até hoje me admira você ser meu amigo.
Gregory revirou os olhos, impaciente, pelo menos uma vez ao ano eles tinham aquele tipo de conversa. Francis muitas vezes se deixava levar por esses pensamentos e acabava caindo num astral tão baixo que só era possível ser elevado com muita comida. Em épocas assim, Gregory comprava tudo o que gostavam e ia para a casa do amigo maratonar alguns filmes, não tinha nada melhor que isso.
— Somo amigos porque eu não me deixo me levar por padrões idiotas, não enxergo a aparência, enxergo o que tem dentro. Agora será que podemos voltar a jogar?
— Só se aceitar a aposta.
— Por que insiste tanto nisso?
— Porque sou seu amigo. Minha função é basicamente te jogar em situações embaraçosas, te tirar de algumas, te dar apoio e te empurrar para a felicidade. No caso, estou executando a última função...Vai me dizer que está com medo, Romeu?
Existiam muitas coisas as quais Gregory não se importava, mas ser desafiado não era uma delas. Ele simplesmente odiava que o desafiassem e Francis sabia disso, sabia que era seu ponto fraco. Sempre que queria convencer o amigo de alguma coisa, ele utilizava essa arma.
Não adiantaria resistir de todo modo, Francis não iria desistir da ideia, sendo assim, apenas disse:
— É melhor dar o seu melhor para me derrotar.
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