4. O triste cotidiano de um míope
Não demorou muito para que Nicolas chegasse, como Gregory previra, ele pediu para o motorista correr mais do que deveria. Seu irmão conseguia ser exagerado quando queria, seu senso de proteção às vezes passava dos limites e ele tratava o caçula como se fosse um dos filhos. Gregory não poderia reclamar, sempre teve muita dedicação e carinho por parte de seu irmão.
— Como está se sentindo? – Perguntou Nicolas.
— Estou bem. Só não estou enxergando...Não como deveria.
Aquilo não era mentira, Gregory realmente não enxergava como deveria.
— Vou levá-lo para o hospital e vamos examinar o que aconteceu. Obrigado por acompanhá-lo. – Respondeu seu irmão, se dirigindo a Elisa.
A moça parecia estática olhando Nicolas, então apenas concordou com a cabeça e logo se afastou.
Nicolas já ia guiando Gregory de volta para o carro, mas o mais novo logo estacou no lugar e disse:
— Espera, o meu carro está no estacionamento, não posso deixá-lo aqui.
— Tudo bem, eu dirijo então.
Foram para o estacionamento e logo que entraram no carro Nicolas permaneceu em um instante de silêncio, depois encarou o irmão e disse:
— Câmbio automático? Sério isso, seu preguiçoso?
— Nick, você é o único doido que ainda usa câmbio manual.
— Qual a emoção nisso?
— Não é para ter emoção, é para andar.
— O que aconteceu com você hoje? Zeus te mordeu por acaso?
— Nicolas, se você não reparou, meus óculos quebraram e eu não consigo enxergar direito.
— Francis me disse que tinha ficado cego! – Respondeu Nicolas, indignado e dando partida no carro.
— Talvez eu tenha colaborado para o exagero dele. Queria dar uma lição naquela garota que estava comigo há pouco.
— O que aprontou agora?
— Estava discutindo com ela quando caí da escada.
— Então achou que bancando o cego a faria se arrepender amargamente? Francamente, isso é pior do que as ideias do Benjamin.
— Eu sei, não me orgulho disso.
— Devia ter pensado nisso antes.
Gregory se calou, apenas remoendo aquilo, realmente devia um pedido de desculpas a Elisa, aquela foi uma ideia de adolescente, ele se comportou pior que um adolescente. Não poderia exigir que as pessoas o levassem a sério se ele continuasse com aquelas atitudes, precisava agir como um homem de vinte e três anos que era.
Depois de passar por um médico ele se sentiu mais aliviado, não havia sido prejudicado em nada, apenas alguns arranhões e hematomas. O único problema era que deveria ir à ótica arrumar as lentes e a haste dos óculos. Não foram de imediato, pois Nicolas ainda tinha algumas coisas para resolver, então fizeram isso somente no fim da tarde.
Entrando na ótica ele reconheceu o borrão e a voz de Elisa.
Ela trabalhava ali? Como podia o destino gostar tanto de brincar com ele assim?
— Você é a mocinha que estava com meu irmão, não é?
— Sou eu sim. Me desculpe, eu não queria causar esse transtorno.
— Ah, tudo bem. Ele está enxergando. Não exatamente bem, mas os borrões ele consegue ver!
— O quê?! – Bradou ela, indignada.
"Muito obrigado, Nick" pensou Gregory, com ironia.
— Me desculpe, não deveria ter feito aquilo. – Respondeu ele, apenas.
— Não acredito que teve coragem de fazer isso!
Vendo que o clima começava a esquentar, Nicolas tratou de intervir:
— Tem concerto?
Elisa analisou bem os óculos, não tinha muito o que fazer naquela hora, a lente estava quebrada e a haste precisaria ser substituída. Com um certo tom de sarcasmo na voz, ela respondeu:
— Sinto muito, provavelmente só conseguirei arrumar amanhã. Já é tarde e ainda terei que encomendar outra lente.
— Está brincando? Como vou enxergar?!
— Acho que se virou muito bem nesse tempo que ficou sem seus óculos.
Elisa era petulante, nem mesmo Nicolas ali presente foi capaz de intimidar a moça, ela fez aquele comentário sem se importar, o que acabou gerando uma risada por parte de Nicolas.
— Ele tem um par de lentes de contato em casa, acho que pode se virar.
— Eu não gosto de usar lentes de contato. – Resmungou Gregory.
— Não posso fazer nada. – Elisa deu de ombros.
Gregory apostava que aquela baixinha estava amando aquilo, era como uma doce vingança para ela, não que ele não merecesse aquilo. Sendo assim, ele se conformou que teria que esperar até o outro dia e seguiu para a casa junto com Nicolas. O resto do dia foi um tormento, esbarrões, tropeços e até batidas na porta, renderam um pouco mais de hematomas para Gregory, ele não via a hora daquele dia acabar, então logo que escureceu, preferiu ir para seu quarto e evitar que mais acidentes acontecessem.
Na manhã seguinte se levantou ansioso para pegar seus óculos de volta, fez a mesma rotina de sempre, com sua meditação matinal e desceu para o café da manhã. Enquanto todos comiam Gregory permanecia encarando o prato que estava na sua frente, cheio de bolinhos, que tinham alguma coisa preta no meio. Ele tentava decifrar o que era aquilo, mas como tudo borrado era impossível saber, sendo assim levantou um daqueles bolinhos e questionou:
— O que é essa coisa preta no meio?
— Cocô de rato, tio Gueg. – Se adiantou Eloisa.
Ele soltou o bolinho na mesma hora, fazendo uma careta de nojo, enquanto Micaela repreendia a pequena, que se divertia com a situação e ria.
— Não é nada disso, querido. Joana colocou lichia no meio dos bolinhos, é só uma semente. – Explicou Susana.
— Mesmo assim não quero arriscar, me passem o bolo, por favor.
— Devia usar suas lentes, Greg. – Sugeriu Micaela.
— Não, estou bem.
Tomou o café sem fazer muita delonga, iria pegar carona com Nicolas e sabia que seu irmão não tolerava atrasos, nem ele mesmo tolerava. Sendo assim, dez minutos depois já havia terminado tudo e se levantava da sua cadeira.
— Tem certeza que não quer usar suas lentes? – Perguntou Susana.
— Tenho, mãe, vai ficar tudo bem. Consigo enxergar pelo menos um pouco.
— Gregory, você está indo de encontro com a parede. – Alertou, Micaela.
Ele parou bruscamente e olhou para frente, logo se desviou e seguiu saindo da sala e batendo em várias coisas pelo caminho, inclusive em um vaso que Susana amava, o que acabou com o vaso estilhaçado no chão.
Rapidamente ele saiu, sem dar a sua mãe a chance de xingá-lo, sentou no banco do passageiro e esperou até que seu irmão entrasse no carro. O trajeto foi silencioso, Gregory sabia que Nicolas queria perguntar sobre Elisa, talvez na cabeça do irmão os dois tinham algo, mas ele não tinha coragem de perguntar, por mais que tivessem intimidade Nicolas nunca ousou interferir na vida romântica do irmão.
Sendo assim o deixou na porta da faculdade e partiu para o parlamento.
Gregory achou que poderia aproveitar a aula pelo menos ouvindo e prestando atenção ao que o professor dizia, mas estava completamente equivocado, sua miopia não o permitia enxergar a matéria que o professor explicava na lousa, o que resultou em uma manhã improdutiva e total perda de tempo.
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