3. Maré de Azar

Há dias em que realmente não devemos levantar da cama. E aquele era um desses dias para Gregory. Logo pela manhã uma onda se azar invadiu sua vida. Ele se levantou e como sempre fazia, a primeira coisa que procurava eram os óculos. Colocou a mão na mesa de cabeceira ao lado da cama, mas encontrou apenas o vazio, e o pior de tudo era que não se lembrava de onde tinha posto. Olhou ao redor, mas não adiantou muita coisa, tudo não passava de borrão.

— Só pode ser brincadeira. – Resmungou.

Se levantou e caminhou cuidadosamente até a cômoda do outro lado, porém no meio do caminho bateu o dedinho do pé no pé da cama. Reprimiu um urro de dor e continuou mancando até o móvel. Correu a mão por cima da cômoda e enfim achou os óculos. Mais aliviado foi para o banheiro e tomou um banho quente. Desceu e tomou café, calado, o incidente logo de manhã o deixara de mau humor.

E como se não bastasse, Eloisa, que não parava de correr ao redor da mesa, esbarrou em seu braço na hora em que ele levava a caneca a boca, fazendo com que Gregory derramasse o café fervendo na sua camisa nova. Nicolas ralhou com a pequena, enquanto ela fazia uma expressão de piedade e dizia:

— Desculpa, tio Gueg.

— Tudo bem. – Disse ele limpando a camisa com o guardanapo enquanto se levantava – Eu já estava pensando em trocar a camisa mesmo.

Sendo assim ele subiu novamente e tirou a camisa, constatando uma mancha avermelhada na barriga.

"Ótimo, agora estou com um dedo roxo e a barriga queimada" pensou.

Antes que seu azar aumentasse, ele pegou as chaves do carro e partiu em direção à faculdade. Não deu muita atenção para as garotas que o cumprimentavam, ele ainda só queria saber de uma... a única que o desprezou.

— Acorda, Gregory – Disse Francis praticamente berrando, balançando os dedos gorduchos na frente de Gregory – Você está totalmente desligado hoje, cara!

— Desculpa, o que estava dizendo?

— O Richard convidou a gente para ir jogar na casa dele hoje, topa?

— Ainda jogando RPG?

— Qual o problema? Você também jogava!

— Problema nenhum. – Respondeu Gregory dando de ombros e enfiando as mãos no bolso da jaqueta, hábito esse que ele tinha quando se sentia desconfortável.

— Tem algum problema sim. Você está fazendo aquilo de novo.

— Fazendo o quê?

— Não se faça de idiota, Greg. Colocou as mãos nos bolsos. Desembucha.

— Eu não gosto do Richard, Francis.

— Por quê?

— Não sei! Ele não me passa confiança.

— É por causa da Monique? Cara, ela nem ficou com ele.

— Não é por causa disso!

— Me engana que eu gosto! Supera isso, jovem padawan.

— Já superei!

— Ah, é? Quanto tempo faz que ela te deixou?

— Seis meses! – Respondeu Gregory, sem hesitar.

— Está vendo como não superou? Ainda está contando.

— Seis meses é pouco tempo!

Francis agarrou a cabeça de Gregory por trás e o direcionou para um grupo de garotas que estavam paradas mais adiante.

— É tempo o suficiente para você deixar de ser um trouxa e pegar qualquer uma daquelas gatinhas ali. – Disse – Você está perdendo tempo, meu amigo! Se eu tivesse metade do charme Lambertini que você tem, eu já tinha pegado todas.

— Charme o quê? – Perguntou Gregory, confuso, se voltando para o amigo.

— Charme Lambertini. Minha irmã que apelidou assim, ela não conseguia encontrar uma descrição para o que vocês tinham, aí ela falou que era isso. Disse que até seu sobrinho tem esse charme... Se quiser até arrumo ela pra você.

Gregory estremeceu só de pensar me beijar Antonella, a garota de dezessete anos acabara de pôr aparelho e falava cuspindo.... Isso quando não babava.

— Melhor não. – Respondeu Gregory, tomando o caminho da biblioteca.

— Ela gosta de você! – Insistiu Francis, apenas para debochar do amigo.

— Não sou uma boa companhia agora. Além disso, ela é menor de idade, seria pedofilia e imoral, não estou a fim de ser preso.

— Você sempre usa essa frase! Parece até um velho ranzinza.

Gregory abriu a porta da biblioteca, mas estacou no lugar olhando um ponto fixo à sua frente. A respiração tinha aumentado e o mundo pareceu girar devagar naquele instante. Lá estava ela... Monique.... Porém, na companhia de Richard.

— O que você está vendo? – Perguntou Francis. Quando ele percebeu o que o amigo tinha visto, completou – Ih, cara que situação....

— O que foi que eu te disse?

— Mas eu pensei que eles não tinham ficado!

— Não... ela só me trocou por ele. – Gregory fechou a porta e tomou o caminho de volta.

— Greg, espera, cara! Ela não vale você ficar passando por isso.

— Me deixa sozinho, Francis.

Gregory desceu rapidamente o primeiro lance de escadas e tirou os óculos os limpando com o tecido da camisa, outro hábito que ele tinha quando ficava nervoso, e sua mãe sempre ralhava com ele por causa disso. De repente deu de frente com alguém e acabou derrubando os óculos, porém, sua maior preocupação era se tinha machucado a pessoa, quem quer que estivesse ali, não poderia ser maior do que sua sobrinha Sofia.

— Desculpa, te machuquei? – Perguntou se abaixando.

— Por que não olha por onde anda? – Retrucou a voz feminina, que parecia bem irritada.

Gregory, encarou a moça, que também estava abaixada recolhendo seus pertences, e não reconheceu mais do que um borrão de cabelos ruivos.

— Desculpa, eu estava limpando meus óculos.

— E escada é lugar de limpar óculos?

Ele se irritou com a petulância da moça e disse:

— E você? O que fazia de tão importante que também não desviou de mim?

— Estava respondendo minha amiga.

— Ah, então você me julga por limpar os óculos, mas você está correta de mexer no celular enquanto anda?

— Você é bem chato hein, engomadinho.

— Meu nome é Gregory, sua mal-educada.

— Que nome de gente velha!

— Ainda bem que não enxergo seu rosto, deve ser abominável! – Retrucou ele provocativo – Dá para devolver meus óculos?

— Que óculos? Não está comigo.

Ela mal terminou de falar e um som de algo se partindo foi ouvido.

— Ops! – Disse a ruiva.

— Me diz que não aconteceu o que eu estou pensando.

— Eu acho que quebrou, engomadinho.

— Só pode ser brincadeira! – Bradou ele, se levantando.

— Foi mal, eu não vi. Acabei pisando em cima.

Ela se aproximou e entregou os óculos sem a haste e com uma das lentes quebrada.

— Como é que vou enxergar agora?

— Enxerga tão pouco assim?

— Você me ouviu comemorar por não enxergar seu rosto?

— Você tem nome de velho e humor de velho.

— E você acabou de piorar. Quer saber... Eu não fico aqui hoje. – Respondeu ele, andando novamente. – Vai que meu me esbarro em você de novo, quem sabe o que você pode quebrar na próxima vez.

— Talvez sua cara, seu engomadinho arrogante.

Ele se virou para ela, mas continuou a caminhar de costas.

— Estou esperando! Que medo dela!

Gregory só não percebeu o perigo que corria, tropeçou nos próprios pés e caiu rolando o outro lance de escadas abaixo. Quando parou ele continuou deitado olhando para o teto. Aquele dia não estava sendo bom, não estava sendo nada bom. Logo ele escutou a voz da garota novamente:

— Está vivo?

— Não sei como, mas estou. – Respondeu se sentando.

— Então você pode de virar sozinho.

Aquela atrevida! Gregory ia dar uma lição nela. Uma ideia passou pela sua cabeça e ainda que fosse maldosa ele a colocou em prática.

— Não estou enxergando. – Disse.

— Disso eu já sei, você me parece míope.

— Não é disso que estou falando. Não consigo nem mesmo ver o pouco que eu via.

— Para de brincadeira, engomadinho, isso não tem graça. – A voz da menina se tornou séria e ao mesmo tempo assustada.

— Eu estou falando sério. Não consigo enxergar! Não tem ninguém nessa droga de corredor? – Respondeu ele, simulando desespero.

A menina desceu as escadas correndo e rapidamente chegou nele, dizendo:

— Ah, meu Deus! Você deve ter batido a cabeça muito forte! E foi por minha culpa! O que eu faço?

— Pois é!

— O que aconteceu? – Soou a voz de Francis se aproximando.

— Ele caiu da escada! – Explicou a menina nervosa – E agora não está enxergando.

— Ah, mas claro que ele não está. Ele está sem óculos.

— Não, ele não está enxergando de verdade.

— Sério? Quantos dedos tem aqui? – Perguntou Francis, levantando três dedos na frente de Gregory.

— Francis! – Ralhou ele.

— Droga! Isso vai ser um problemão.

Francis o ajudou a se levantar e a garota, com a consciência pesada, o guiou para um banco até ele se sentar.

— Vamos ter que ligar para o Nick. – Disse Francis, depois se dirigindo a garota perguntou – E quem é você mesmo?

— Me chamo Elisa, sou aluna nova. Quem é Nick?

— Meu irmão. – Respondeu Gregory, esperando que ela reconhecesse.

E a espera surtiu efeito, logo Elisa começou a parecer mais desesperada do que já estava e disse:

— Espera... Nick vem de Nicolas certo? E você é Gregory, então... Ah, meu Deus! Está se referindo a Nicolas Lambertini?.... E-e você é Gregory Lambertini?

— Sim, sou eu.

— Ah, meu Deus! Eu vou ser presa! Deixei o príncipe cego!

— Tudo bem, não vamos nos desesperar. Vou ligar para o Nick e ele vai saber o que fazer.

Francis tentava apaziguar a situação e ligar para Nicolas, enquanto Gregory se segurava para não rir. Ele tinha que admitir que talvez tivesse ido longe demais com aquilo, mas a garota merecia uma lição.

Percebeu que ela realmente se preocupara quando Elisa colocou as duas mãos sobre sua cabeça e começou a cantar alguma coisa estranha que ele não entendia.

— O que está fazendo? – Questionou ele.

— É um mantra, não me interrompa.

— Tudo bem... Você não...

— Shiu! – Ela colocou um dedo nos lábios dele – Me deixa terminar, não se mova e apenas sinta.

"Meu Deus, ela é maluca!", pensou Gregory.

Francis, que voltava para perto deles, viu a cena e acabou se empolgando.

— Maneiro! O Greg também curte essas coisas de mantras.

— Eu não curto nada disso, só faço meditação.

— Agora você tem um ponto comigo. – Comentou Elisa.

Gregory apenas suspirou entediado e perguntou a Francis:

— O que o Nick disse?

— Ah, ele já está vindo. Primeiro ele entrou em desespero, perguntando como você estava, depois ele surtou fazendo um discurso de como você é um descuidado e atrapalhado, aí eu disse que você estava cego e ele surtou de novo.

— Nada do que ele não faria, provavelmente vai mandar o motorista correr o máximo que puder.

— Ele disse para esperarmos lá fora.

— Está bem.

Gregory se levantou devagar e Elisa mais do que depressa segurou em seu braço, dando apoio para ele. A moça realmente estava preocupada e ele começou a sentir um certo remorso de ter feito aquilo, mas se dissesse a verdade agora, era capaz de realmente ficar cego. Duvidava que Elisa o perdoaria.

— Não precisa ir comigo. – Disse ele.

— Preciso sim, se puder o acompanharei até o hospital.

— É sério, vou ficar bem.

— Só vou me dar por satisfeita quando o médico disser que está bem.

Ela não desistiria fácil, foi o que ele concluiu, estava abusando demais da bondade da moça. Enquanto se dirigiam para fora da faculdade, Gregory sentiu um cutucão nas costelas e logo a voz de Francis sussurrou:

— Cara, ela é linda! Eu se fosse você aproveitava.

— Aproveitar o quê? Ela só está me ajudando. – Sussurrou ele, de volta.

— Meu amigo, até eu queria ser ajudado agora.

Gregory apenas respirou fundo novamente e revirou os olhos, não adiantava muito ser ajudado por uma moça bonita se ele sequer conseguia enxergar ela com clareza.

Elisa Romani

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