26. Por trás dos óculos
Quando fazia sua meditação de sempre, uma batida soou na porta e Nicolas colocou apenas a cabeça para dentro, dizendo:
— Desculpa atrapalhar seu momento "zen", mas acabaram de ligar da clínica oftalmológica dizendo que está tudo pronto. Andou marcando consulta?
— Não é para mim. – Respondeu Gregory, saltando da cama – É para outra pessoa. Obrigado por avisar.
— O que está aprontando, nanico?
— Nada que eu não deva fazer, e para de me chamar de nanico. Já tenho seu tamanho.
Nicolas apenas deu de ombros e já saindo do quarto, respondeu:
— Continua sendo nanico para mim.
Gregory ignorou aquele comentário e correu para o banheiro, tomou um banho rápido e ao sair percebeu o quanto estava atrasado, ainda precisava pegar Francis em sua casa. Vestiu a blusa de qualquer maneira e desceu correndo as escadas, trombando com Benjamin, que vinha na direção oposta.
— Aí, tio Greg, você não devolveu minha jaqueta.
— Está no meu quarto. Dentro do guarda-roupa tem uma outra minha, pode pegar se quiser também. – Respondeu ele, saindo pela enorme porta.
— Não vai dar carona para a Sofi e para mim?
— Se virem.
Entrou no carro, que o motorista já havia deixado estacionado em frente à casa, e partiu acelerando e espalhando cascalho para todo lado.
Em questão de meia hora, estacionavam em frente à pequena casa das meninas. Francis foi o primeiro a sair e bater à porta, enquanto Gregory permanecia encostado no carro, com os braços cruzados. Emma rapidamente surgiu no batente, parecia triste apesar do sorriso que se formou no seu rosto ao ver o namorado.
— Está pronta? – Perguntou ele.
— Pronta para quê? – Emma franziu o cenho – Ainda não estou com muita vontade de ir para a faculdade.
— Não estou falando nisso, estou falando de outra coisa.
Francis cedeu espaço para Gregory, que olhou no relógio que tinha no pulso e disse:
— Creio que temos cerca de meia hora para chegar na clínica, acho melhor se apressar, a doutora está esperando.
— Do que está falando, Greg? – Inquiriu ela, novamente.
— Da sua cirurgia. Ellen é a melhor que conheço.
Emma abriu a boca surpreendida, sem fala, e Elisa, que estava ao seu lado e até então quieta, acabou soltando um gritinho surpreso.
Ele permaneceu encarando a garota à sua frente, que parecia paralisada. A boca fazia vários movimentos, mas nenhum som era emitido. Francis passou o braço pelos ombros dela e a fez se aproximar de Gregory, só então ela conseguiu proferir:
— E-eu não tenho dinheiro...
— Eu não ouvi nenhuma menção à dinheiro. Não se preocupe quanto a isso.
— Não... N-não é justo. Você não precisa fazer isso, Greg, eu consigo juntar o dinheiro novamente e...
— Emma, eu quero fazer isso. – Interrompeu ele – Sei que é importante para você e o quanto você se esforçou para conseguir juntar tudo. Não seria justo você não realizar o que queria.
— Como vou agradecer? – Sussurrou ela.
— Não tem que agradecer. Considere um presente por fazer meu amigo feliz. Me importo com você, Emma. É minha amiga também.
Sem conseguir se controlar ela abaixou a cabeça e chorou convulsivamente, enquanto Gregory a abraçava apertado. As lágrimas desciam em uma torrente, banhando o rosto e deixando a pele escura da moça brilhante, ao mesmo tempo em que estava levemente corada.
Atrás deles, Elisa exibia um sorriso radiante, junto com Francis, que logo disse:
— Vamos, não podemos perder tempo. Emma, eu te ajudo.
Ela se desprendeu de Gregory e notando que tinha molhado a camiseta dele, ficou um pouco envergonhada e logo partiu para dentro da casa, praticamente correndo, junto com Francis.
Elisa e Gregory entraram e se acomodaram no sofá, esperando os outros dois e logo ela tomou a palavra, com um tom debochado na voz:
— Quer dizer que você marca e paga uma cirurgia para minha amiga, mas você mesmo não faz uma cirurgia para corrigir sua miopia. Devo desconfiar?
Ele riu e se aproximou dela, passando o polegar pela bochecha de Elisa, sentindo a covinha que se formava ali toda vez que ela sorria.
— Já disse, a doutora Ellen é a melhor que conheço, não precisa desconfiar de nada. Eu só não faço porquê...
— Se sente inseguro?
— Não. Eu não quero mesmo, me sinto melhor usando meus óculos.
— Ah, então quer dizer que você é um acomodado? – Acusou ela, sorrindo outra vez.
— Culpado. – Respondeu ele, elevando as mãos – É estranho dizer isso, mas de certa forma me sinto protegido com ele. Quase como se me escondesse atrás das lentes.
— E por que precisa se esconder?
Gregory se inclinou para perto de Elisa, olhou para os lados, verificando se não havia ninguém, e com um tom conspiratório na voz, sussurrou:
— Espero que não conte isso a ninguém, mas eu sou um super-herói.
Elisa esperava que ele dissesse qualquer coisa, dado o tom sério de sua voz, mas não esperava por aquilo. Gregory conseguia tornar uma conversa que era para ser séria em algo leve e descontraído. Com o mesmo tom de voz, ela retirou os óculos dele e inquiriu:
— Então quer dizer que você, na verdade, é o Superman? Achei que a identidade dele fosse outra.
— É claro que não. Eu sou o Batman.
— Meu Deus, como você é bobo! Mas estou falando sério agora. Por que se esconder?
— Na verdade, eu não sei. – Respondeu ele, colocando os óculos de volta – Como já disse, me sinto bem com eles, se tornaram parte de mim. Mas ao mesmo tempo... acho que sinto essa necessidade de me esconder pelo fato de ser exposto a todo momento, a cada movimento que eu fizer. Eu acho... que nunca vou ser o suficiente.
Gregory abaixou a cabeça e começou a entrelaçar os dedos nervosamente, enquanto Elisa o observava e mais uma vez constatava a insegurança presente nele. Ela só não saberia dizer de onde viera tudo aquilo, talvez fosse uma carga emocional de uma vida toda, ou talvez de alguma situação. Erguendo o rosto dele, Elisa respondeu:
— Você é sempre o suficiente, Gregory. E necessário, muito necessário. Não tem que ser o melhor para os outros, seja o melhor para você mesmo. Eu notei o quanto se esforça pelos seus amigos, sua família, mas nunca se esforça por si mesmo. Você é tão ruim consigo!
— Eu não... notei isso.
— Porque está sempre focado em outras pessoas, você faz delas sua prioridade quando, na verdade, deveria ser você.
— Virou psicóloga agora? – Perguntou ele, divertido.
— Esse é mais um defeito seu, faz piadinha quando se sente oprimido. – Respondeu ela, repreensiva – Ou então, se esconde e se isola. Entendo que seja introvertido e na maior parte do tempo, tímido, mas não pode deixar isso afetar sua vida. Há certas coisas que são inevitáveis e precisam ser enfrentadas.
— Tem razão.
— Às vezes é horrível conversar com você, sempre concorda com o que eu falo.
Gregory sorriu e depositou um beijo na bochecha de Elisa, que estava com os braços cruzados e encostada no sofá.
— É porque você está sempre certa. – Respondeu ele.
— Olha, até que você é bem inteligente!
Mais uma vez ele riu e se levantou quando ouviu seus amigos descendo as escadas e adentrando a sala. Emma mal conseguia ficar parada, as pernas se mexiam sem parar e Francis tinha o maior dos sorrisos no rosto.
Não demorou muito para que fossem para a clínica, a única que não pôde ir foi Elisa, que tinha uma prova para fazer e se encaminhou para a faculdade. Se negou a aceitar uma carona e só então Gregory notou que ela tinha comprado uma Kombi. Ele ficou perplexo por alguns segundos, observando-a se afastar e se perguntando porque justo uma Kombi.... Se tratando de Elisa, tudo era possível.
Elisa gostaria e muito de acompanhar a amiga, principalmente porque era um momento muito especial para Emma. Gregory tinha sido tão gentil em se dispor a ajudar, na verdade, ele estava fazendo muito mais do que ajudar. Estava realizando um sonho de sua amiga.
De qualquer forma, sabia que assim que voltasse do serviço, encontraria Emma em casa. Elisa ficaria em casa para a recuperação de sua amiga, e faria de tudo para a agradar, principalmente agora que tinham descoberto o que Samantha aprontava. Ainda não podia acreditar no que tinha acontecido.
Deixando isso de lado, ela se concentrou na aula, ou pelo menos tentou, a todo momento se lembrava de Gregory e um sorriso bobo se formava em seus lábios. Estava perdida.
No fim da aula, saiu rapidamente a fim de ir para o serviço e conseguir uma vaga para estacionar, mas no meio do caminho foi interpelada por Monique, que se plantou à sua frente impedindo sua passagem. Por ser mais alta que Elisa, ela tinha certa vantagem e usava aquilo para parecer mais intimidadora. Mexeu nos cabelos negros e abriu um sorriso cínico, enquanto perguntava:
— Será que podemos ter uma palavrinha?
Elisa olhou confusa ao redor, procurando por qualquer pessoa que a tirasse daquela situação totalmente constrangedora, ela não estava com a mínima vontade de conversar com aquela moça. Mas sem ter nenhuma saída, ela suspirou e respondeu:
— Preciso ir para meu serviço.
— Não vou tomar muito seu tempo, será rápido. Prometo.
— Tudo bem, então. No que posso te ajudar?
— Só me responde sua pretensão com o Gregory.
— Hã... Não entendi porque quer saber disso.
— Só para saber se você vai ser o suficiente para ele. Se você ainda não soube, ele pertence à realeza. – Respondeu Monique, com sarcasmo na voz.
— Não sou uma neandertal, eu sei bem quem o Greg é.
— Pois não parece! Se porta e o trata como se ele fosse um homem qualquer.
— Bom, ele é só um homem e...
— O Gregory é um príncipe. – Interrompeu a morena – E se você não sabe o que significa estar com ele, é melhor que acabe de vez com isso e pare de perder seu tempo e o fazer perder o dele.
— O que está querendo dizer?
— Você gosta de ser anônima, não é mesmo? Não gosta de chamar muita atenção, mas correu justo para o lado dos holofotes. Ou acha que as pessoas vão ignorá-la e pensar que é só mais uma? Se liga, tudo o que se refere à família real a mídia comenta, inclusive quem se aproxima deles. Então te pergunto... por que continuar com isso, sendo que tudo o que quer evitar é a exposição? Por que se aproximar de Gregory sabendo que ele é seu extremo oposto?
— Eu gosto do Greg independente de qualquer título que ele ostente, gosto sem interesses. Diferente de algumas pessoas. – Alfinetou Elisa - Não me importo com o que vão falar, me importo com ele.
— Se importa com ele? Não é você que vive indo de cidade em cidade, feito uma cigana sem lar, abandonando a vida que constrói? Sabendo que cedo ou tarde você também vai embora daqui, vai mesmo alimentar um sentimento nele para depois o deixar? Ou acha que ele vai largar a realeza para sair pelo mundo com você? – Monique riu, com o próprio comentário e se aproximando continuou – O Greg pode gostar de você de todas as formas, mas jamais abandonaria a família dele. Eu e você sabemos disso.
Na maior parte do tempo, Elisa não se deixava ser atingida ou abatida por certos comentários, muito menos dava alguma relevância para o que as pessoas diziam, mas aquilo... Aquilo foi como um dardo inflamado no peito, pois ela sabia que era verdade. Mais cedo ou mais tarde ela iria embora, não conseguiria ficar ali. Não tinha algo que a prendesse. Tinha. Tinha alguém... Gregory. Ela não conseguiu responder, ficou ali parada, muda, somente com seus pensamentos, enquanto Monique mais uma vez falava:
— Tem que estar à altura de Gregory para ter algo sólido com ele. Acha que você está? Acha que pode fazer parte da família real e arcar com o cotidiano e a exposição que eles vivem?... Se está calada é porque sabe que não pode oferecer nada a Gregory a não ser diversão temporária. Mas você sabe que ele se apega fácil as pessoas, e mesmo assim vai continuar despertando um sentimento dentro dele, apenas para ir embora depois como se tudo isso fosse insignificante. – Monique soltou um riso debochado e começou a caminhar na direção oposta, dizendo – E ainda diz que se importa com ele...
Elisa permaneceu parada, sem saber como reagir àquilo, queria poder dizer a si mesma que aquilo não lhe tinha atingido ou feito mal, queria poder dizer que esqueceria aquela conversa e seguiria a sua vida, sem dúvidas lhe assombrando, mas não podia. Ela só conseguia se perguntar o que seria dali para frente agora que tinha parado para pensar na relação dela com Gregory. E como Monique sabia tanto sobre sua vida?
Foi tomada por uma culpa e um pouco de remorso, pois quando Gregory lhe perguntou o que era a relação deles, ela não soube explicar. Na verdade, não queria pensar naquilo, mas de certa forma aquela moça a "obrigou" a pensar nisso. Era óbvio que ela não pediria para Gregory ir com ela, ele tinha uma casa, uma família, um lar, era absurdo que ele saísse por aí acompanhando uma mulher que sequer tinha onde cair morta. E mesmo que ele quisesse, não teria coragem. Conhecia Gregory o suficiente para saber que o coração dele escolheria a família dele.
E ali ela percebeu que no fundo queria ter a mesma sorte das pessoas, desejou ter onde permanecer, criar raízes... Desejou ter o lar que nunca teve e poder permanecer pelo resto da vida em apenas um lugar.
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