21. Euforia
Ao chegar em casa, Gregory percebeu que ainda era cedo demais, todos estavam dormindo ainda e ele aproveitou esse momento de paz para tomar um banho demorado e escovar os dentes. Colocou uma roupa limpa e nunca se sentiu tão bem como naquele momento.
Quando desceu, todos já estavam sentados em seus lugares, menos Nicolas. Os olhares curiosos de sua mãe e de Micaela, o fizeram permanecer de cabeça baixa para que o rubor de sua face não o entregasse.
Nicolas foi o último a descer naquela manhã. Passando por trás de Gregory, para assumir seu lugar na ponta da mesa, Nicolas avistou algo incomum no irmão. Um arroxeado se formara na base do pescoço e ele não precisou de muito mais tempo para entender do que se tratava. Mais que rapidamente ele colocou a mão sobre o local, e apoiando as duas mãos no ombro do irmão, disse:
— Então, Greg, você já terminou aquilo para mim?
O mais novo estranhou a atitude do irmão, principalmente porque ele fazia uma leve pressão em seus ombros, e por incrível que pareça ele sentiu uma dor desconfortável no lado esquerdo.
— Do que está falando, Nick? – Inquiriu.
— Daquilo que me disse. – Repetiu o irmão, apertando mais um pouco.
Gregory arfou ao sentir a dor aumentar mais um pouco. Nicolas não poderia estar apertando tão forte assim. Por que estaria doendo daquele jeito?
— Não sei do que está falando, Nick.
— Gregory, deixa de ser lerdo. Por que não sobe e pega o que me prometeu?
Nicolas tentava de todas as formas lembrar o irmão do roxo que ali estava, pensou que talvez apertando e ele sentindo o incômodo se lembraria, mas Gregory era mais lerdo do que pensava.
— Nick, para de ser maluco, está me machucando!
Os outros encaravam Nicolas com curiosidade, sem entender o que estava acontecendo. Ele não viu outra alternativa, teria que forçar o irmão a se trocar. Pegou uma xícara de café, em frente à Gregory, e a jogou em sua camiseta, o fazendo se sobressaltar e todos ficarem espantados com sua atitude.
— Qual é?! Ficou maluco? – Ralhou Gregory.
— Nicolas, por que isso? – Questionou Micaela.
— É para ele parar de bancar o sonso na minha frente. Agora que precisa subir e trocar a camiseta, aproveita e traz o que te pedi. – Respondeu Nicolas. Apoiando novamente as mãos em Gregory, ele se abaixou perto do ouvido do irmão e completou – Se as crianças virem esse roxo no seu pescoço e eu tiver que explicar do que se trata, juro que vai se entender comigo depois.
Gregory arregalou os olhos, assustado, e se virou para Nicolas.
— Está falando sério?
— Muito sério. Suba e vá colocar uma camiseta que possa tampar isso.
Mais do que rapidamente ele subiu, deixando todos ali sem entender nada. Nicolas se acomodou em seu lugar, mas a pergunta de Eloisa o fez congelar por dentro.
— Papai, o tio Gueg fez dodói?
— Não. Foi impressão sua, filha.
— Por que ele estaria machucado? – Inquiriu Benjamin.
— Tava roxo. – Respondeu Eloisa.
— Não estava, Eloisa. Foi impressão sua. – Corrigiu Nicolas, rapidamente.
Micaela e Susana lhe lançaram um olhar significativo, que foram respondidos com outro olhar significativo. Nenhuma palavra precisou ser dita, os adultos entenderam muito bem o que tinha acontecido.
Gregory decidiu, então, em colocar uma camisa social, a gola tampava um pouco mais do hematoma que ali estava, e ele sequer conseguia encarar sua família naquele dia. Se contentou em passar o dia todo no quarto, inclinado sobre a escrivaninha, montando seu protótipo de robô.
Colocou uma música alta e sem perceber deixou a porta entre aberta. Não saberia dizer o porquê, mas apesar da situação embaraçosa de mais cedo, Gregory sentia uma euforia que mal cabia em si, cantava junto com a música, às vezes fazia até algumas dancinhas, deslizava para lá e para cá no quarto, sentado na cadeira de rodinhas, mas jamais parava de cantar ou trabalhar naquele pequeno robô.
No corredor, Nicolas estava parado, observando o irmão se movimentar dentro do quarto. Vendo Micaela se aproximar, ele disse:
— Sabe o foi que substituiu ou possuiu meu irmão?
Por alguns segundos ela encarou um Gregory alegrinho dentro do quarto e acabou sorrindo com aquilo também, depois se voltou para o marido e disse:
— Sei lá, talvez seja um clone alienígena... Ah, qual é? O garoto não pode nem ser feliz em paz?
— É que eu nunca o vi assim.
— E deveria se alegrar por isso, é muito bom ele estar feliz assim.
— Nunca disse o contrário. – Respondeu ele, dando de ombros.
— Então o deixe em paz.
— Está bem, não está mais aqui quem falou!
Eles mal saíram de perto da porta de Gregory e Eloisa saiu correndo pelo corredor, empurrou a porta e se aproximou do tio, pulando no mesmo lugar, disse:
— Tio Gueg, cadê a Lili?
— Oh, princesa, estava mesmo para te chamar. – Respondeu ele, girando na cadeira com a boneca nas mãos – Aqui está ela. Novinha em folha.
Ele apertou um botão, fazendo-a movimentar as asas, assim como fazia antes. Eloisa deu um gritinho de felicidade e pegou a boneca, a abraçando e apertando. Depois abraçou o tio e deixou um beijo molhado em sua bochecha. Saiu correndo do quarto e gritando:
— Mamãe, o tio Gueg arrumou a Lili!
Gregory riu da empolgação da menina, ele adorava ver aquele sorriso no rostinho dela. Só percebeu que estava tempo demais no quarto, quando seu estômago roncou reclamando de fome, deixou o protótipo de lado e antes de descer deu uma olhada no pescoço, verificando o roxo que ali estava. Tentou puxar a camisa para cima, mas não obteve muito resultado, sendo assim, teria que ser rápido o suficiente para descer, arrumar algumas coisas para comer e subir.
E foi exatamente o que fez, mas enquanto arrumava um sanduíche, na cozinha, Nicolas entrou e o encarou com um olhar... talvez cúmplice. Seu irmão não conseguia esconder o riso que teimava em aparecer em seus lábios. Para evitar mais constrangimento, Gregory se apressou a sair da cozinha, no entanto, sentiu Nicolas o puxando de volta, pelo colarinho da camisa. Um cubo de gelo foi parar bem em cima do hematoma, o fazendo se arrepiar todo e soltar um grito contrariado. Ele tentou se desvencilhar do irmão, mas Nicolas o puxou de volta e esfregou o cubo de gelo nele.
— Está maluco, Nicolas? – Esbravejou ele.
— Só estou tentando te ajudar, Nanico. Um pouco de gelo pode diminuir isso.
— E como sabe? Micaela já te deixou assim, é?
Gregory lançou um olhar sarcástico para o mais velho, com um sorriso debochado. Nicolas não gostou da provocação, pressionou o gelo contra o hematoma, fazendo Gregory se encolher um pouco. Mesmo assim acabou respondendo à pergunta:
— Ela já me deixou assim. Foi a coisa mais constrangedora da minha vida, sua sorte que ela pegou um pouco mais abaixo no pescoço. Dá para esconder um pouco... E, por favor, quando for fazer isso, peça para ela fazer onde você consiga esconder. Ombro, costela, pernas... Onde a roupa tampa.
— É sério que está me dando conselhos sobre isso?
— Sim. Porque aparentemente você não pensou nisso.
— Que constrangedor. – Resmungou o mais novo.
— Da próxima vez pense.
Logo, Gregory conseguiu se desvencilhar do irmão e subiu de volta para o quarto, levando o cubo de gelo consigo. Só esperava que até segunda-feira aquilo já estivesse melhor. Mas não ficou. Ainda dava para ver o tom arroxeado e quase verde que se formara, o que o obrigou a colocar uma jaqueta de gola alta, por sorte aquele dia fazia frio, dando indícios de que o inverno estava chegando, logo, não iriam estranhar aquela jaqueta.
Chegando à faculdade a primeira coisa que fez foi procurar por Elisa, que estava junto com Emma. Se aproximou e a cumprimentou com um beijo e depois cumprimentou a outra moça, que ainda parecia retraída. Francis chegou logo em seguida e permaneceu encarando Emma, como se tivesse perdido algo no rosto da moça, e ela também o encarava às vezes, embora tentasse esconder, mas o rubor em suas bochechas denunciava tudo.
Quando tomaram rumos diferentes na faculdade, Francis começou a cutucar Gregory e dizer:
— Ei, quem é aquela amiga da Elisa? Pode me apresentar ela? Faz tempo que estou de olho!
— É a Emma. Não sabia que estava interessado nela.
— É que sou tímido.
— Quem não te conhece que te compre, Francis.
— Aí, eu não sou bom com mulheres, entendeu? Consegue me arrumar o número dela?
Gregory riu da expressão pidona que Francis fazia, era muito difícil ele implorar por algo da maneira que estava implorando pelo número de Emma. Ele realmente parecia interessado na garota, a última vez que Gregory viu o amigo assim, foi quando ele estava namorando um jogo de RPG que tinha acabado de ser lançado. Quando o ganhou de presente, Francis quase chorou de emoção.
— Tudo bem, vou ver se consigo. – Respondeu Gregory.
— É por isso que eu te amo, cara. Vida longa ao príncipe!
— Sem exageros, Francis.
— Sim, senhor!
Durante a aula, Gregory conversava com Elisa através de mensagens e Francis desconfiava do que o amigo estava aprontando, porque vez ou outra o flagrava olhando para ele de soslaio e soltando um risinho. Ele até tentou convencer Gregory a dizer algo, mas não obteve nada e ainda teve de escutar o professor chamar sua atenção. Francis sequer conseguia parar quieto na cadeira, balançava os pés de modo ansioso e não conseguia prestar atenção no que era dito.
Na saída da aula, ele agarrou Gregory e não aguentou mais, foi logo perguntando:
— Estava falando com a Elisa, não é? Conseguiu o número dela?
— Calma, Francis. – Respondeu seu amigo, rindo – Consegui algo muito melhor.
— O que está aprontando, Greg?
— Confia em mim.
— Confiar? Com essa cara que está fazendo? Acho difícil!
— Até parece que não me conhece.
— Ultimamente não mesmo.
Gregory continuou andando até o pátio da faculdade, onde encontrou com Elisa acompanhada de Emma. Ela lhe deu um sorriso significativo e se aproximou lhe dando um beijo rápido. Logo em seguida, disse:
— Podemos ir?
— Claro! – Respondeu Gregory, e se voltando para Francis, completou – Você vai ficar bem sozinho com Emma?
— O quê?! – Bradou o gordinho – Vai me deixar sozinho com ela?
— Não era isso que queria?
Gregory falou alto o bastante para tanto Francis quanto Emma corarem da cabeça aos pés, involuntariamente a moça se escondeu atrás de Elisa, sempre mantendo o olhar baixo. Não adiantou muita coisa, Elisa agarrou o braço de Gregory e começou a se afastar, o puxando para uma moita que ali ficava.
— A gente já volta. – Disse – Aproveitem para se conhecer!
— Não se preocupem conosco. – Acrescentou Gregory.
Em questão de minutos eles sumiram atrás da clareira ali perto, deixando os outros dois sozinhos. Um silêncio tomou conta do local por alguns instantes, até Francis se aproximar de Emma e com voz acanhada perguntar:
— Então... Gosta de cachorro quente?
No mesmo instante, Gregory e Elisa observavam os amigos interagirem um com o outro, a visão privilegiada detrás daquelas árvores os deixava ver tudo sem serem vistos. Emma e Francis pareciam estar se dando bem. Gregory nunca tinha visto o amigo se sentir tão à vontade perto de uma mulher, ao mesmo tempo Elisa ficava feliz em ver que Emma não estava se escondendo, pelo contrário, parecia gostar da interação.
Ela encarou Gregory, que a encarou de volta. Um sorriso brincava nos lábios dele e ela se perdeu naquelas órbitas castanhas, ele parecia realmente feliz pelo amigo. Não soube o que deu em si mesma para fazer aquilo, mas acabou saltando em cima de Gregory, o derrubando no gramado e o beijando. Elisa queria aquilo, precisava senti-lo, ao mesmo tempo ele a apertou contra si, como se tentasse juntar mais seus corpos. Desceu uma mão pelas costas de Elisa e pousou sobre a base da coluna, a outra estava enterrada em sua nuca, fazendo um leve carinho nos cabelos. Quando se separaram ainda permaneceram encarando ou ao outro e por fim, sem saber o porquê, caíram em uma gargalhada eufórica e só pararam instante depois, quando Elisa saiu de cima de Gregory e rolou para o lado.
Encarando o céu, ele entrelaçou os dedos nos dela e perguntou:
— O que nós temos?
— Como assim? – Perguntou ela, confusa.
— Entre nós. O que está acontecendo? É algo ou... Só divertimento.
Elisa se apoiou nos cotovelos e o encarou com intensidade. Não saberia dizer se era algo, se era só por alguns dias, talvez meses ou se era algo que duraria. Nutria sim sentimentos por Gregory, mas era difícil nomear, só sabia que o desejava, amava tê-lo por perto, estar em seus braços, sentir o cheiro de seu perfume amadeirado e o calor que ele emanava... Mas aquilo a assustava. Porque nunca sentira isso e no fundo tinha medo. Medo de se machucar, medo porque as pessoas sempre vão embora... Sempre vão.
Já estava acostumada com esse fato na sua vida, mas naquele momento percebeu que tinha medo de Gregory também ir. E quanto mais tempo passasse com ele, mais forte esse sentimento ficaria, mais se apegaria a ele... E mais difícil seria a despedida. Porque ela não era alguém de raízes, nunca foi, e isso era uma forma de se proteger e evitar que se machucasse novamente, mas agora ela percebera que Gregory tinha quebrado essa proteção dela e entrara no seu mundo, e se sentia assustada com aquilo. O que ele estava fazendo?
Só percebeu que ficara muito tempo quieta, quando Gregory tocou seu rosto e uma ruga de preocupação se formou entra a sobrancelhas quando ele perguntou:
— Elisa. Está tudo bem?
— Está. Está sim. – Respondeu ela, despertando do devaneio – É só que... Eu não sei responder. Gosto do jeito que as coisas estão, de ir levando, sem pressão alguma.
Ele suspirou e Elisa não soube dizer se era alívio ou frustração, de qualquer forma, todo o sentimento que estivesse estampado no rosto de Gregory se dissipara, dando lugar a um sorriso, que ela correspondeu com outro.
Gregory se levantou e observou novamente como o clima entre seus amigos estava, e parecia amigável, os dois agora estavam sentados em um banco, mais próximos do que antes e conversavam alegremente, parecendo felizes e talvez até íntimos.
— Acho que realmente se deram bem. – Disse ele.
— Sim. Fico feliz com isso... Que tal se sairmos nós quatro?
— Tipo um programa em casais?
— Isso. Vamos ao karaokê. Emma adora aquele lugar e tenho certeza que Francis também vai gostar.
— Tudo bem, só não o deixe cantar, por favor.
Elisa gargalhou com a expressão de súplica que Gregory fazia e logo retomou:
— Então, deixamos eles ali ou os chamamos para comer algo?
— Não... Deixa eles se divertirem. E quero ficar sozinho com você. – Respondeu ele, a puxando para si novamente.
— Seu sem vergonha!
— Você acha?
— Sua mão entrando embaixo da minha blusa nesse momento, te condena. Quem diria que essa sua faceta estaria escondida aí dentro?
— Foi a senhorita que libertou esse lado.
— Devo me sentir lisonjeada?
— Sem dúvida, nunca conseguiram isso antes.
— Ah, eu sou demais.
Enquanto Gregory ria, ela o interrompia com mais um beijo, dessa vez mais profundo e capaz de fazer o mundo parar de girar, dando a sensação de que só existiam eles ali naquele momento.
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