15. Epíteto

Chegando ao local, três deles saíram correndo e entraram no estabelecimento de faixada azul escuro, com os vidros decorados com alguns adesivos de jogos. Eloisa precisou esperar para ser solta da cadeirinha e Theo esperou que Gregory abrisse o porta malas. Por muito pouco ele não deixou o garoto trancado lá... muito pouco mesmo. Vontade não faltava, mas provavelmente deixaria o menino sem ar e isso seria muita maldade, além de crime. E ele já tinha ultrapassado sua cota para infrações naquele dia.

O local apesar de parecer moderno, com todas aquelas luzes que alternavam entre o azul e o roxo, possuía algumas máquinas com jogos antigos, uma fileira de cinco delas estava disposta na parede esquerda, alguns consoles ficavam em outro campo separado, repleto de almofadas espalhadas pelo chão, dois telões pequenos, dispostos de frente com pequenas motos, simulavam um jogo de corrida. Tinha até mesmo um jogo que media a força, com um alvo para acertar. Mais à frente ficavam algumas mesas, algumas com duas, outras com mais cadeiras, dispostas perto de uma lanchonete e em um salão separado ficava a pista de boliche.

O lugar era enorme e tinha atrações para crianças e adultos se divertirem o dia todo. Assim que Gregory entrou, avistou Elisa sentada em uma das mesas, acenou para ela e apontou para um balcão à direita, dando a entender que compraria a ficha para os sobrinhos primeiro.

Eloisa correu atrás do tio, para garantir a ficha em um jogo de dança, já os mais velhos se acomodaram em uma mesa com seis cadeiras. Benjamin ficou observando a ruiva bonita que estava sentada sozinha logo à frente. Ele era daqueles adolescentes que não consegue conter seu impulso, se levantou e devagar se aproximou da moça.

— Olá. – Disse ele.

Assim que o notou, a garota abriu um sorriso e respondeu:

— Olá! Tudo bem?

— Melhor agora. E você? É a primeira vez que vem aqui?

— É sim.

— Você vai gostar. – Respondeu o garoto, se sentando de frente para ela – E se eu te pagar alguma coisa?

Ela começou a rir e apertou as bochechas dele, dizendo:

— Mas que fofo!

— Fofo? – Retorquiu ele, franzindo o cenho.

— Algum problema, Benjamin? – Soou a voz de Gregory.

O adolescente se sobressaltou e se virou rapidamente, dando de frente com o tio, que estava com uma bandeja com sucos e sanduíches.

— Não. Nenhum problema. – Respondeu Benjamin, se levantando.

— Então por que está perturbando a Elisa?

— Ela é sua namorada?

— Ela não é minha namorada, só estamos saindo.

— Sério? Ela é muito bonita para você.

— Dá o fora daqui, garoto. – Esbravejou Gregory, dando um peteleco na cabeça do sobrinho.

— Ai! – Ele reclamou, esfregando os cabelos negros e se afastando. Depois parou e se dirigiu a Elisa – Se cansar dele é só me chamar.

Gregory ameaçou ir atrás do garoto e ele disparou correndo de volta para a mesa que estava antes.

Elisa ainda ria e se divertia com a cara de pau do garoto e assim que Gregory se acomodou na frente dela, comentou:

— Achei seu sobrinho uma gracinha.

— Não dá intimidade para ele, caso contrário não te deixará em paz.

— Ele é um adolescente, é normal que faça essas coisas. Sabe como é, todos aqueles hormônios...

— Eu já fui adolescente e não fui assim.

— Com certeza não foi um adolescente normal. – Zombou ela.

Gregory riu, balançando a cabeça negativamente e rebateu:

— Eu não vou discordar. Mas falo sério, não dê intimidade para nenhum deles.

Elisa olhou em direção à mesa, onde estavam quatro adolescentes, observou os gêmeos e se voltando para Gregory, questionou:

— Aqueles outros dois não são seus sobrinhos, são?

— Não. Os gêmeos são filhos do primo da Micaela, mas como as crianças consideram o Thomas como tio, eles se tornaram primos. Ainda tem a caçula, que tem a idade da Elô, e o mais velho que tem um ano a mais que o Ben... Talvez ele seja a peste mor da família.

— Tem alguma criança na sua família que não seja uma peste?

— A Eloisa.

Gregory direcionou o olhar para mais além, onde a pequena estava em frente a um telão, fazendo movimentos desengonçados, tentando acompanhar o ritmo da música. Ele sorriu ao ver que a sobrinha não estava nem perto de fazer a coreografia certa, mas se divertia como nunca e isso era o mais importante.

— Você os adora, não é? – Soou a voz e Elisa, o tirando do devaneio.

— É... Apesar deles me perturbarem, eu faria de tudo por eles.

— E quer ter filhos um dia?

Aquela pergunta o pegou desprevenido, sabia exatamente o que responder, mas não imaginava que Elisa iria ser tão direta assim.

— Não está nos meus planos. – Respondeu ele, dando de ombros – Mas se acontecer... vou aceitar. E você? Pretende?

— Não sei. Talvez. Eu sou acostumada a ser sozinha, talvez um serzinho pudesse trazer uma boa companhia ou quem sabe mais luz para minha vida.

— E quanto a seus pais?

— Eu não sei quem é meu pai, minha mãe contava que assim que assim que ele descobriu a gravidez dela, ele sumiu no mundo. Minha mãe morreu quando eu tinha treze anos, desde então cresci indo de casa em casa, de parentes é claro, mas a maior parte da minha vida eu tive só minha própria companhia.

Ela respondeu aquilo com tanta naturalidade que Gregory imaginou que talvez ela estivesse fazendo uma piada, e esperou que ela começasse a rir da expressão de culpa dele por trazer esse assunto à tona. Mas ela não fez. Continuou o encarando, e o mais impressionante era que ela tinha um sorriso no rosto. Qualquer um que contasse uma história dessas transpareceria tristeza, mas Elisa era diferente, e ali estava ela provando aquilo.

Ela não demonstrava emoção alguma. Ou já era madura o suficiente, ou sabia esconder muito bem suas emoções.

— Eu sinto muito. – Disse ele, por fim.

— Não precisa se constranger, Moranguinho, já faz muito tempo. Aprendi a lidar com isso.

— Lá vem você com esse apelido de novo.

"Que o Ben não descubra esse apelido." Pensou consigo mesmo.

Ela riu do modo constrangido de Gregory, e respondeu:

— Às vezes me imagino com um ou uma ruivinha no colo, cantando canções de ninar e mantras para ele ou ela.... E às vezes acho que isso seria ruim. Eu quase não paro em cidade alguma e ficar viajando de lugar para lugar não faria bem a uma criança. De qualquer modo, terei tempo para pensar nisso.

— Tem razão. Ainda tem tempo... Então, o que mais gosta de fazer?

— Meditar. Acho relaxante.

— Concordo.

— Você também medita pelo que sei.

— Como sabe disso?

— Ano passado vazou uma foto sua na internet. – Respondeu ela, se aproximando – Você estava no topo de uma pedra meditando.

— Eu não lembro de ter visto essa foto vazada, e olha que tento ao máximo não dar material para essas colunas de fofocas.

— Não foi uma coluna de fofoca, foi em um blog de fanáticas pela família real.

— E o que você estava fazendo em um blog de fanáticas? – Inquiriu ele, com um sorriso debochado nos lábios – Assim vou pensar que estava me espionando há muito tempo.

— Talvez eu seja só mais uma das psicopatas malucas daquele blog que quer te sequestrar. – Ironizou Elisa.

Com um ar de petulância, Gregory uniu os punhos e os esticou para frente, como se estivesse rendido e disse:

— Pode me levar, irei colaborar.

Elisa gargalhou e deu um tapinha no braço dele. Gregory estava conseguindo a surpreender, à primeira vista o rapaz parecia quieto e retraído, mas com o passar do tempo e o conhecendo mais, dava para perceber o quanto ele era alegre e descontraído. Talvez um pouco abusado e aquela cara de peste que ele fazia às vezes não colaborava para que ele fosse levado a sério. Talvez aquela parte da personalidade dele ficasse escondida dentro de si até que ele se sentisse confortável o bastante para mostrar a uma pessoa.

Voltando sua atenção totalmente para o homem à sua frente, Elisa fez sua melhor expressão de desafio e rebateu:

— Vou deixar para te amarrar quando estivermos em outro lugar. Um que só nós dois estejamos.

O sorriso presunçoso sumiu do rosto dele, dando lugar a um rubor que deixou até mesmo Elisa desconfortável. Era engraçado vê-lo assim, Gregory sempre agia daquela maneira quando o assunto era sobre intimidade. Parecia sempre envergonhado, Elisa queria poder entendê-lo, essa barreira precisava ser quebrada, sendo assim, perguntou de supetão:

— Gregory, você é virgem?

— Não, sou de peixes. – Rebateu ele, de pronto, tentando desviar do assunto.

— Ah, droga! Onde foi que me meti?

— Ei!

Novamente eles riram, se divertindo com o clima leve que se estabelecera ali. Elisa, novamente tentando retomar o assunto, perguntou:

— Mas estou falando sério. É virgem?

Gregory desviou os olhos por alguns segundos e contraiu os lábios, por fim apenas encarou Elisa, com um sorrisinho envergonhado.

— Não que eu goste de admitir. – Respondeu ele.

— Não creio! Esperava tudo de você, menos isso. – Disse ela, surpresa.

— E se incomoda?

— Incomodar? Por que me incomodaria? Isso é um assunto relacionado a você, quem tem que se incomodar com isso ou não seria você mesmo. Na verdade, acho isso até um charme, só me surpreendeu o fato de um príncipe como você ainda ser virgem.

— Por que a surpresa?

— Sei, lá. Você é super conhecido e cobiçado, é só olhar ao redor e ver quantas garotas fariam de tudo para passar a noite com você!

— Eu não gosto disso. – Resmungou ele, fazendo traços invisíveis na mesa.

— Você é gay?

— O quê?! Não! – Gregory a encarou surpreso, na verdade, espantado de que esse fosse o palpite dela – Eu gosto de garotas, eu só... não sei explicar.

— Okay, me desculpa. Acabei generalizando com esse palpite. Ninguém é igual a ninguém, não é? Mas que é estranho, isso é.

— Eu sei.

— Sofreu um trauma na infância? Foi abusado?

— Não para as duas questões, eu cresci muito bem. Obrigado.

— Desculpa, estar bancando a psicóloga, é que gosto de conhecer as pessoas.... Talvez você seja assexual.

— Não, também não sou assexual.

— Como pode saber se nunca provou? – Questionou ela, desafiadora.

— Tenho certeza que não sou.

— Como? Você já se...

— Elisa! – Bradou ele, envergonhado – Vamos parar de falar nisso? Eu só não sei explicar. Eu... Não gosto de pensar em garotas como objetos para me satisfazer por apenas uma noite. Gosto de conhecer as pessoas mais profundamente e que elas me conheçam também.

— Entendi... Você é inseguro.

— É... Talvez eu seja.

— Por que, Gregory? Você é lindo, um cara super gente boa, bom caráter e tem muito mais coisas para oferecer, além da aparência. O que tem por trás dessa insegurança toda?

— Talvez, as pessoas esperassem exatamente a pessoa que você descreveu. Um príncipe cobiçado, que fica com toda e qualquer mulher que flerte com ele e que no fim de tudo ele a dispense como faz com qualquer outra. Eu não sou assim. Eu não quero ser assim... Esperam que eu tenha o mesmo tipo de comportamento que meu irmão teve antes de se casar, mas não veem que sou diferente. E no fim de tudo depositam essa expectativa, me pintam como se eu fosse igual a ele. Então preferi me calar, e não dar motivos para inventarem que sou um conquistador barato, sem coração.

Elisa ficou pensativa com o que ele disse, sem querer ela se igualou aos outros e fez uma imagem errada de Gregory. Porque era uma verdade que todos esperavam que ele fosse um babaca, era "normal" as pessoas pensarem assim de alguém que é conhecido. É "normal" as pessoas formarem uma imagem distorcida e tirarem suas próprias conclusões sobre pessoas como ele. E era triste pensar que Gregory tinha que conviver com isso. Na verdade, ele tomara a decisão mais acertada. Ignorar. Mas isso não era suficiente para as pessoas pararem de especular.

Eloisa escolheu aquele momento para interromper seus pensamentos e chegou correndo, se empoleirando no colo de Gregory e dizendo:

— Tio, Gueg, eu tô com fome.

— Onde está sua educação, Eloisa? – Repreendeu ele – Já cumprimentou a Elisa?

A menina se virou rapidamente, mirando os olhinhos bicolores na ruiva e abrindo um sorrisinho envergonhado.

— Desculpa. Tudo bem? – Cumprimentou ela.

— Tudo sim, fofinha. E você como está?

— Bem. Seu nome é parecido com o meu!

— É sim. Acho que isso significa que vamos nos dar muito bem. – Respondeu Elisa, sorrindo de volta.

Olhando para o tio, Eloisa disse:

— E gostei dela, tio. Ela pode ser minha tia também?

— Eloisa! – Bradou Gregory, na verdade, ele nem sabia porque tinha dito o nome da sobrinha – Vamos comprar alguma coisa para comer.

— Eu quelo sanduíche!

Apesar de falar muito bem Eloisa ainda deixava algumas palavras escaparem erradas, o nome de Gregory ela não conseguia pronunciar de maneira alguma, ele já havia se acostumado.

Pedindo licença para Elisa, ele saiu atrás da pequena, que saiu correndo na frente, e foi em direção à lanchonete. Comprou um monte de comida e depositou na mesa das crianças, esperando que pelo menos com aquilo eles ficassem quietos. Ali estava seu suborno.

Voltando para a mesa com Elisa, ouviu ela pronunciar:

— No próximo encontro eu escolho onde vamos. E até já tenho uma noção de lugar.

— Quer sair de novo?

— E por que não?

— Tudo bem. Então onde vamos?

— Semana que vem tem a reinauguração do parque, eu nunca fui lá, gostaria de ir.

— Ah... Tudo bem. Só não garanto poder estar o tempo todo com você. Minha família foi convidada para fazer a reabertura, não vou poder faltar com essa obrigação, mas prometo arrumar um tempo para ficar com você.

— Está bem.

Gregory se inclinou para frente e deu um leve beijo em Elisa, as crianças que estavam olhando de longe, fizeram todos a mesma careta de nojo, enquanto pronunciavam um "urgh! "... menos Eloisa, que não estava nem aí para a situação e só queria saber do seu sanduíche, lambuzando a boca e as mãozinhas. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top