🔹Prólogo🔹
𓁧 Ísis 𓁧
A brisa fresca sopra pelo paraíso de juncos. Era um dia tão tranquilo como vários outros na terra dos deuses, uma vez que o Alto e Baixo Egito estavam um vez sob o comando dos faraós Ramy e Abayoni, e os senhores do Nilo formam a guarda mais poderosa, os dias têm se tornados muito mais simples de se lidar.
— Ísis! — a voz de Toth me tirou dos meus devaneios. — O que está fazendo?
O deus da sabedoria se sentou ao meu lado depositando um beijo em minha têmpora direita. O lago à nossa frente é como uma tela transparente para o mundo dos humanos, um belo e rico protegido por Geb, o deus da terra, e bem iluminado por Nut, deusa dos céus. É meu passatempo favorito, se ao menos eu pudesse reencarnar em um deles...
— Apenas observando os mortais — respondo. — Sinto saudades de lá, algo em suas vidas me faz inveja-los um pouco.
— Inveja desses pobres seres?
— Às vezes — dou de ombros deixando o assunto de lado, ele não entenderia. Um novo pensamento passa por minha mente. — Você acha que Geb e Nut estão bem em estarem separados?
Geb e Nut foram os primeiros a serem criados por Rá, pouco depois se apaixonaram perdidamente, mas não demorou para que fossem separados tragicamente pelo deus-sol. Quando Seth tirou Osiris de mim foi como se tudo tivesse sido arrancado do meu interior, diferente de Nut, eu pude reaver meu amado. A sensação da perda de um amor deve ser a coisa mais dura de se enfrentar.
— Há boatos que mesmo após tantos milênios, Geb nutre um gigantesco rancor por Rá, Nut parece conseguir se manter mais firme — ele diz logo despertando dos pensamentos. — Vamos logo ou Osiris vai fazer um escândalo pelo atraso.
Ele está certo quando a isso e eu não quero ver o deus da vida após a morte em fúria novamente. Nosso casamento está em uma turbulência irritante, seu humor está em completo desequilíbrio desde que retornamos ao nosso lugar depois de resolver os assuntos mortais e o carinho que existia antes... Esfriou.
Não tenho tempo para pensar nisso, o dever nos aguardava, novos corações a serem pesados. Eu e meu bom amigo partimos em direção ao grande salão.
𓁧 𓁧 𓁧
Vinte almas foram julgadas.
Vinte corações pesados na balança de Ammit.
Uma pena apenas nove deles terem sido mais leves que a pluma.
Todos já havíamos presenciado todos os julgamentos daquele dia, prontos para descansar até que o próximo grupo de almas seja designado ao julgo por Anúbis. A luz refletida no salão dourado, os deuses relaxados trocando conversas frívolas sobre o templo até que Rá adentrou furioso no salão. Ele está furioso.
— Você! Sua víbora! — ele berra. Seu corpo é projetado contra meu com violência. Suas mãos se fecham em torno do meu pescoço.
— Grande Rá! O que significa isso! — Osíris se põe entre nós, me libertando do sufocamento.
— Ela pôs aquela serpente em meu caminho, ela quase me matou para descobrir meu nome, ela me enganou!
Do que ele está falando?
Um mês atrás, eu estava saindo do meu ateliê onde produzo e testo a eficiência de ervas medicinais para o tratamento de doenças — um trabalho que tenho em comum com Toth, o deus da sabedoria —, enquanto retornava ao grande palácio encontrei o deus sol deitado no chão agonizando por causa de uma picada de serpente. Eu o ajudei a se recuperar, fiz com que retornasse a boa forma. Ele disse algo sobre me agradar e eu brinquei dizendo que ele poderia me agraciar com a dádiva de me contar seu real nome, o maior mistério dos quatro cantos do Egito, e me tornar ainda mais poderosa. Espantosamente ele fez isso, mas em nenhum momento eu o enganei.
— Eu não sei do que o senhor está falando. Eu não fiz isso.
— Como explica você ter chegado tão rapidamente até mim assim que fui picado?
— O senhor estava no meu caminho de volta para o grande palácio. É o meu caminho corriqueiro, eu sempre o faço naquele horário.
— Eu a vi manipulando uma serpente poucos dias antes do incidente — Seth incita fazendo Rá borbulhar de raiva ainda mais e os demais deuses nos olham divididos entre condenar e duvidar.
— Era para fins medicinais!
Os deuses não parecem convencidos da minha defesa e o silêncio de Toth, uma das pessoas mais próximas que tenho, são como agulhas em meu peito. Não acreditam em mim? Eu trabalho com ervas e às vezes bichos peçonhentos, mas não seria capaz de fazer algo contra Rá, seria como um atentado a ordem do cosmo. O deus sol me olha com certa desconfiança e então a minha ficha cai.
A regra é clara: Todo e qualquer deus não é digno de total confiança. A mentira é como mel que adoça a boca dos de maiores poderes.
Rá voltou sua mão em minha direção, a sensação de sufocamento se mesclando a dor em meu interior por nem mesmo Osíris — que mesmo depois de tantos momentos tortuosos eu sabia que me ama — interferir em nada.
— Eu te expulso do paraíso de juncos, eu revogo seus dons — sinto grande parte da magia em meu corpo ser drenado fazendo minhas pernas bambearem. — E eu sentencio você ao confinamento eterno.
— Não — sopro incrédulo, tentando sem sucesso me libertar.
A força de seu poder me faz cair em joelhos no meio do salão e os demais deuses o imitam, elevando suas mãos em minha direção e liberando seus dons.
— Eu sou inocente! — grito em meio aos soluços, incapaz de conter as lágrimas. — Acreditem em mim! Por favor! Por favor, Osíris, me ajude! — meu marido fica parado em seu lugar, virando apenas o rosto para não me encarar.
Estou sozinha. Acabou para mim.
O ar me falta, a dor me domina. Alguns me olham com desdém, outros com pena, mas ninguém se coloca em risco para defender minha inocência. A dor de ser entalhada e presa em uma estatueta me consome, os gritos de desespero que deixam minha garganta são ignorados assim como minhas súplicas para que acreditem que sou inocente.
Estava feito. Eu estou condenada.
Silenciada.
Amaldiçoada.
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