🔹 Capítulo XIII🔹
𓁧 Ísis 𓁧
Ontem foi um dia maravilhoso, fomos ao centro da cidade, passeamos por entre as lojas, tiramos fotos e Guilherme fez questão de que tivéssemos um digno encontro como namorados oficiais no continente "da minha origem".
Meu namorado...
É um termo novo para mim, fui destinada a Osíris desde que surgi no plano cósmico, nunca me foi dada uma escolha de parceiro da mesma forma que não me foi apresentada outra situação que não o casamento. Porém, eu realmente gosto da sonoridade disso, gosto de desfrutar dessas novidades ao lado do meu humano favorito.
O sol quente resplandece seu brilho intenso sobre nossas cabeças e a nossa frente um antigo templo marroquino se ergue em paredes feitas de tijolos de barro tingidos de um vermelho vivo. Em alguns pontos da arquitetura - que pode ser facilmente associada a um dos vários templos feitos em minha homenagem no Egito - está um pouco desgastada, mas é um espaço muito conservado e a magia que exala dele é misteriosa, um pouco macabra e... cruel. Um arrepio percorre por minha espinha e uma sensação ruim toma a boca do meu estômago.
- Convoquem os trajes por proteção, não sabemos o que podemos encontrar lá dentro. - Nervosa, aliso discretamente o pequeno arame em torno do meu dedo, o anel que Guilherme me deu.
Como se fosse uma equipe sincronizada como os heróis que Guilherme gosta, os oito convocam os trajes que os presenteei prontos para enfrentar o maior vilão de suas histórias. Respirando fundo, tomo a frente da linha pronta para entrar, mas antes que eu possa dar mais um passo um bufo alto soa me assustando.
- Ai, espera, eu estou num medo do cacete. - Gustavo diz arrancando pequenas risadas dos demais.
- Um homem todo tatuado morrendo de medo. É um cagão mesmo. - Giovanna retruca e não consigo segurar a gargalhada com a alfinetada da minha cunhada caçula.
Os dois entram em uma discussão e insultos, Gustavo parecendo reduzir sua idade a 3 anos de idade reclamando com toda a indignação do mundo, enquanto apenas observamos risonhos na rinha dos dois.
- Está bem, chega dessa briga besta, vamos acabar logo com isso. - Guilherme intervém, entrelaçando nossas mãos para darmos o passo a diante.
A tensão é palpável na atmosfera e a cada passo que dou em direção ao edifício, uma parte de mim insiste em querer recuar. Minhas mãos tremem quando empurro a porta velha de madeira do espaço, cautelosa adentro no espaço, estalando os dedos e fazendo antigas tochas se acenderem ao seu redor, no entanto à medida que iluminação toma o ambiente levo um susto com o que se põe a minha frente.
Um corpo. Um corpo sem vida. Um corpo feminino ensanguentado e maltratado amarrado pelo pescoço por uma corda. No chão de terra batida, escrito com o próprio sangue da vítima uma mensagem escrita em hieróglifo.
"Mais uma morte para sua conta, a reencarnada de Tarek, sua avatar."
Meus joelhos fraquejam e me levam ao chão, Guilherme me ampara tão em choque quanto eu e os demais se dividem entre horrorizados e enojados pela situação. A minha avatar. A minha avatar está morta. Lágrimas grossas se prendem em minha garganta, mil e um pensamentos correndo de uma só vez, a agonia da culpa voltando a me corroer. A sala do templo se torna cada vez mais apertada, o ar começa a faltar em meus pulmões e a sensação de estar morrendo é desesperadora.
Eu fiz isso. Eu a condenei. Eu a condenei como condenei a Safyia.
- Vão embora... - sussurro com o fio de voz que me resta, meus olhos já transbordando de lágrima.
- O que? - Guilherme diz confuso.
- Vão embora. Vão embora! Ele vai matar vocês, ele vai matar vocês como fez com ela. Foi estupidez minha envolver vocês, a minha avatar morreu por culpa minha. É culpa minha. Vão embora. - as palavras começaram a embolar na minha garganta e as lágrimas apenas descem copiosamente.
- Ísis, calma. - Guilherme tenta de novo. Em uma mistura de confusão, medo e firmeza, o loiro segurou minha cabeça entre as mãos me fazendo olhar. - O que está acontecendo? Quem é ela?
Por alguns minutos não consigo pronunciar nada, Guilherme me puxa para seus abraços em um abraço de conforto. Moises, Gustavo e Felipe desamarram a corda e descem o corpo da moça, o colocando deitado em um espaço sem sangue como se estivesse em um enterro.
- Ela é minha avatar, a reencarnada de Tarek, o primeiro senhor do Nilo. O sangue que usaram de tinta no chão... - digo baixo, à medida que os soluços diminuem um pouco. - É uma mensagem de Seth, ele a matou. Um recado para mim.
Ninguém diz nada, apenas evitam olhar o corpo no chão. As mãos de Guilherme tremem juntas as minhas. Eu estou colocando eles nesse perigo, eu deveria ter deixado eles no Brasil, nunca deveria ter comentado sobre o pergaminho, eu deveria ter saído do apartamento de Guilherme como o combinado.
Nenhum deles me impede quando me levanto vagarosamente, me aproximando do corpo sem vida. Minha mão trêmulas encostam nas mãos geladas e pesarosa deixo que minha testa se apoie sobre elas.
- Me lembrarei de você quando retomar o que é meu. - sussurro, mesmo sabendo que ela não pode nem mesmo me ouvir. - Enfrentarei até o inferno para que você tenha uma vida excelente no pós vida. - a promessa sai de minha garganta banhada em raiva. - Melhor saírem, vou dar um enterro digno a ela.
Guilherme encoraja os outros para fora do local já sabendo de como o ritual funerário acontece e como pode ser macabro para pessoas não acostumadas. Vou fazer por ela o que não pude fazer por Safyia. Vou velar seu corpo e assim que matar Seth com minhas próprias mãos irei passar por cima de qualquer ordem cósmica para lhe proporcionar a boa vida.
Vou vingá-la.
Não importa o que.
𓁧 𓁧 𓁧
Não sei quanto tempo passei transformando com cuidado o corpo da minha avatar em uma múmia, mas assim que terminei o pessoal voltou ao lugar e ficamos ali consolando uns aos outros em um silêncio confortável.
- Está tudo bem? - Guilherme questiona se sentando ao meu lado e aninhando meu corpo em um abraço confortável.
Nego com a cabeça, não sei se estou pronta para verbalizar todas as sensações tempestuosas em minha cabeça, então apenas decido por me aninhar no peito do loiro que imediatamente me dá conforto. Seus braços formam um maravilhoso abraço, aconchegante, cheiroso e bom. Guilherme beija delicadamente o topo da minha cabeça e tento me encher de coragem para conversar, mas as palavras não vem. Eu não sei bem como falar de cada detalhe, mas deixo que minha mente projete as cenas que rodam minha mente na cabeça do loiro.
A imagem de Tarek surge, a expressão calma iluminada pelo sorriso ao ver o seu amado Jahi fazendo cambalhotas a beira do Nilo, o amor prosperava entre os dois rapazes desde de que se tornaram a enéade de avatares dos deuses, entre eles a promessa de viverem juntos para todo o sempre. A imagem mudou e o caos estava a solta, milhares dos monstros de Seth tomam as areias que já se consumiam em sangue, uma criatura monstruosa jorra poder maligno ceifando todas as vidas à sua frente. Uma explosão de tal poder atingiu Tarek o fazendo cair com um ferimento letal, Jahi correu ao seu caminho tentando fazer com que meu avatar se levantasse, mas a vida lentamente o deixava. Tarek tentou fazer com que Jahi deixasse o local, que batesse em retirada e salvasse sua vida e daqueles que ainda restavam, porém ele se recusou dizendo que se fosse morrer, morria ao lado de quem amava e o procuraria na vida após a morte.
A criatura caminha em direção a eles, a aura pesada me faz querer vomitar. O rapaz estava cansado e sangue escorria de sua têmpora, ele não tinha mais forças de lutar, ele estava apenas esperando pela morte. Ele se abaixou deixando seu rosto a centímetros do jovem ferido em seu colo e sussurrou algo que não entendi, até que uma lâmina atravessa suas costas e ceifa a vida dos dois jovens de uma só vez.
Novamente a imagem muda e Tarek está em sua nova forma, reencarnado em uma mulher bonita a minha marca brilha em seu pescoço, estudando uma forma de chegar perto da minha estatueta. Uma criatura monstruosa surge à espreita e sem que a reencarnada veja é sufocada. A sessão de agressões foi violenta, a criatura não a queria apenas morta, a queria de aviso para quem a encontrasse. À medida que apanhava do bolso de seu casaco caiu o seu celular e um tipo de documento brilhava na tela do aparelho revelando uma foto no canto. A foto de Guilherme...
- Ela sabia que era uma reencarnada, era para ela me libertar e consequentemente te encontrar como foi prometido por Tarek e Jahi... - sussurro baixo sentindo uma lágrima escorrer por meus olhos. - Acredito que era dela que as filhas de Hathor estavam falando. Por conta de tudo isso eu coloquei todos vocês nessa situação, minha avatar está morta assim como Safyia e atrasei em ir de socorro com os deuses da eneade. Tudo porque eu errei a reencarnada. Que tipo de deusa eu sou? Eu realmente sou a protetora? Estou sendo passada para trás por Seth a cada passo que dou.
As lágrimas já descem descontroladas e a cada palavra carregada pela raiva que sinto por mim, me agarro com mais força ao loiro que apenas escuta atentamente.
- Eu tirei de você a chance de encontrar o grande amor da sua vida, a pessoa destinada para você e eu fui a responsável pela sua morte. E o pior é que fico com raiva só de imaginar você não sendo meu. Eu sou uma usurpadora cretina como Rá disse. Eu sou uma divindade terrível, me desculpa, Gui...
- Ei. Shiii... Está tudo bem. Você estava aprisionada, não posso te culpar por isso e não precisa se desculpar por isso, não controlamos nossos sentimentos. Você não é terrível. Tenho certeza que quando resolver isso tudo irá dar um devido descanso a todos que sofreram pela maldade de Seth e irá proporcionar a Tarek e Jahi o amor eterno que desejavam ter. - ele segura meu queixo me fazendo olhar nos seus olhos. As orbes cor de mel brilhando em compressão e carinho. - Quando a sua avatar talvez ela não gostasse de homens, ela poderia não ter se apaixonado por mim. Não dá para calcularmos todos os "e se" da vida e eu não me arrependo dessa nossa variação.
- Você...
- Não abriria mão dessa versão onde me apaixono por você.
Suas palavras são doces e amorosas, capazes de acalmar um pouquinho o meu coração. Mas os questionamentos ainda sondam a minha cabeça. Isso foi um recado para mim, uma concretização de que Seth realmente está em posse do grande poder e o que as mensageiras disseram sobre os oito não faz sentido. Os oito senhores do Nilo ou os oito deuses? Como podem ser os oito deuses se Seth é o traidor?
Nessa hora eu realmente concordo com Guilherme, a incrível capacidade dos segredos egípcios se manterem intactos é a nossa maior maldição agora.
- Estão sentindo isso? - Alice questiona, interrompendo meu momento de auto depreciação.
Barulho de cerâmica tilintando começa a soar cada vez mais forte, nós caminhamos até uma antes sala e a sensação de um poder descontrolado predomina, levando nossas atenções até duas estatuetas que não havíamos notado com toda a questão da defunta dependurada. Uma estátua de Anúbis feita de ouro, obsidiana e lápis-lazúli tremelica deixando escapar uma névoa espessa, ao seu lado uma estátua de Sekhmet feita de ouro e rubi faz a mesma coisa.
Um papiro está entre as estátuas escrito em hieróglifos. "Ele matou os deuses, sem ninguém desconfiar... Em breve vai matar Rá e tudo estará acabado, seja rápida, Ísis. Ele vai matar todos que você ama".
Ele matou os outros.
Ele matou os demais deuses.
Ele matou meu filho...
O grito doloroso emergiu grutual da minha garganta, uma dor e desespero maior do que o momento em que encontrei o corpo da minha avatar. A ideia do corpo do meu filho largado a vala, seu poder estraido sem escrúpulos. A agonia da perda me consome e descontroladamente emu poder se propaga. A terra treme, as tochas caem.
Em meio ao choro e ao ódio sinto os braços de Guilherme se fecharem ao meu redor em um abraço, uma tentativa de me acalmar e confortar. Uma tentativa falha.
- Ele matou meu filho, Gui...
Em meio ao meu sofrimento uma nova onda de poder percorre o ambiente, dessa vez não vindo de mim. Os poderes nas estátuas estão lutando para se libertarem e encontrarem um novo corpo para possuir.
Inebriadas pelo poder Alice e Bianca caem de joelho, as estatuetas se quebram em milhares de pedaços. Alice respira com dificuldade, suas mão apertam fortemente suas têmporas, hieróglifos acendem, as imagens dos seus sacrifícios invadem a minha cabeça sem permissão iniciando sem permissão o sacrifício. O sacrifício de ligação, o acesso total ao pior medo do avatar que se ponha a tal ritual.
"Eu tenho repulsa de você!" . A voz do pai de Alice aterrorizante e sua imagem em completa desaprovação faz meu coração se apertar. "Você não é minha filha! Eu te desprezo!". A cena muda e a imagem de um homem vestido com roupas militares brancas e medalhas no peito, aperta a imagem pequena e desesperada de Alice em um espaço escuro, a nojeira das tentativas do homem de se aproveitar de seu corpo me doem. Alice consegue correr, mas a criatura que recusou chamar de homem caminha atrás dela com um sorriso tenebroso em seu rosto. A jovem grita descontroladamente até as tochas se apagarem bruscamente e ela cai desacordada.
Segundos depois é a vez de Bianca pressionar as têmporas em desespero, as tochas reacendem pela magia, lágrimas caem de seus olhos que se abrem tomados pela escuridão. As imagens na tigela revelam mais uma vez seu ex namorado violento jogando inúmeros objetos que a machucam, em seguida colocando uma faca em seu pescoço. "Você nunca vai se livrar de mim..." Aquelas palavras foram o suficiente para que o grito desesperado apague por completo as tochas, a fazendo cair inconsciente e o ritual ser oficialmente encerrado.
Os rapazes correm em direção delas para socorrer, mas para sua surpresa ambas se levantam, a magia dançando pelos seus corpos. Alice tem os olhos brilhando totalmente vermelhos, enquanto Bianca ainda tem os olhos enegrecidos. Seus corpos começam a convulsionar em pleno ar, o poder é grande demais para seus corpos mortais. Vão mata-las. Aos tropeços corro em direção a elas, um estalo de dedos e meu poder se acendem em minha mãos, uma teia de poderes de misturam lutando para se sobressair.
O poder de um deus nunca morre. Se matar um deus, sua essência ainda irá continuar formando uma nova coisa ou tomando um novo alguém... Sem Sekhmet e Anubis, seus poderes agora buscam suas avatares as mais próximas que tem como referência.
A carga de poder é alta, as jovens gritam em agonia a medida que absorvo ambas as essências divinas. A reinvindicação mentalizada com fervor, sugando para dentro de mim os poderes selvagem e obscuro dos deuses. O céu troveja, as terras tremem e em alguns minutos Alice e Bianca retornam ao chão desacordada.
Minha cabeça zune, a tontura me acerta com força a medida de imagens vem e vam em minha mente. Imagem de caos, sangue e destruição. O corpo de Anubis mutilado e devorado por criaturas do Duat, o corpo de Sekhmet padecendo com inúmeros cortes fatais, as imagens da jovem avatar sendo torturada. Não consigo parar as imagens, a magia absorvida começa a perder o controle a medida que a volta a mistura absurda de sentimentos se propaga e por fim sou abraçada pela escuridão.
𓁧 𓁧 𓁧
Só precisa abrir os olhos e vê... Uma chance... Uma vitória e um novo final...
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