Ami
Acordo com a sensação de que um caminhão passou por cima de mim. Sento-me e tento lembrar do ocorrido, organizar meus pensamentos; pensar em como cheguei a essa situação. Preciso ter mais controle, não posso entrar em desespero assim tão fácil, ainda mais por um simples pedaço de plástico.
Não tenho a quem contar, tenho vergonha de ter isso; muitas acham que é frescura, uma coisa passageira, mas elas não sabem, não sentem a dor, o desespero, o medo do amanhã como eu sinto, como muitos que sofrem do mesmo mal. Quero acreditar, todavia essa é minha realidade, tentei abandonar ela, mas ela sempre volta. Um dragão adormecido, podendo despertar a qualquer instante.
Vou para o quarto, pego o celular a fim de ver o horário: 20h. O sol nem começou a se pôr, a noite irá demorar a chegar. Tiro a roupa, não tenho condições de sair; outro dia, quem sabe amanhã se estiver melhor irei. Agora só quero dormir, e pegar no sono o mais rápido possível, com a esperança de tudo passar quando adormecer.
Os raios de sol penetram janela adentro, trazendo consigo um clarão luminoso e com isso abro meus olhos. Mais um dia, tudo irá ficar bem.
Tive um sonho, estava correndo na floresta a procura de algo, no começo tinham flores e toda espécie de aves existentes, cores indo do magenta ao fúcsia; chegando ao final dela, tinha um lago. Ele aparentava ser calmo e puro, mas vendo de perto era tempestuoso e tortuoso com águas negras, exalando mau cheiro. Estou com essa imagem na mente, as aparências não enganam, é o ser humano que prefere ser enganado a enxergar o óbvio.
No banheiro faço minhas higienes matinais em conjunto de um belo banho morno, para afastar esse pesadelo. Enrolada na toalha me visto com calça jeans de lavagem clara, blusa com colo fechado de petit poá no tom creme e um all star de cano alto negro. Por fora parece que está tudo bem, mas essas cores mascaram o que realmente sinto.
Pego a bolsa, já com cadernos e apostilas, tranco a porta e desço lance após lance, calmamente da escada.
Não vejo as cores da primavera, só cinzas.
Caminhar me parece uma boa opção, poderia ir de metrô, mas acho que hoje não, preciso ficar um pouco sozinha; refletir na vida, ou algo do tipo. Como tenho tempo, posso admirar a paisagem ao meu redor. As ruas parisienses em suma são arborizadas, acho que querem tentar "limpar" o ar; visto que o volume de carros é exorbitante, assim como a poluição emitida.
Sigo na direção da Rue Albert Bayet, tenho que caminhar toda ela até chegar na Boulevard Vicent Auriol. É, pode ser um pouquinho mais longo seguindo nesse trajeto, entretanto, não tenho que entrar em várias ruas, só preciso seguir nas avenidas. Também é uma excelente ideia ir por aqui; pois já vou conhecendo mais, vendo onde tem mercados, bancos, bistrôs e, em especial, bibliotecas.
Chegando ao cruzamento, vejo o campus de artes, pensava que era mais longe de casa, uma construção rústica, porém bela. Carros e motocicletas e ônibus passam aos montantes, o trânsito deve sempre estar assim, cheio. Avisto um restaurante chamado Catarina, acho que deva ser italiano, talvez vou comer aqui; embora seja longe e provavelmente não irei aguentar a fome, melhor passar para jantar. Ao lado um simpático mercado com tons de verde em sua fachada, faço uma nota mental de ir ali depois.
Tantos lugares, tantas coisas a se fazer; a sensação é de recomeço, e principalmente, esperança.
- Mulher do céu, eu te liguei e nada da beleza atender! - Charlotte grasna assim que me vê.
Não imaginava que ela chegaria tão cedo, na verdade não esperava vê-la, meu plano era fugir dela, achar um canto, ou biblioteca, e ficar lá. Certamente que o tiro saiu pela culatra, pois lá estava Charlotte a minha espera. Paciência, paciência...
- Eu não percebi, desculpa. - Digo aproximo com um pequeno sorriso.
- Aham sei, não estava me ignorando né?
- Claro que não! Eu realmente não vi, meu celular sempre está no modo silencioso, e também vim caminhando. - Dei de ombros.
- Então ponha volume nele, se tivesse a gente tinha vindo juntas, e tu não precisaria caminhar! - A ideia não me agrada nem um pouco, gosto de silêncio.
- Que tal voltarmos juntas então? - Mas o que eu tô fazendo? A proposta saiu antes de sequer pensar direito.
- Adoraria!! Quero te apresentar a uma amiga minha, acho que você irá amar ela, as duas são um pouco caladas demais. - Pondera me analisando, como se visse o óbvio.
- Ah sim, depois da aula...
- Exato, e como passou a noite?
- Bem, não fiz nada de mais, e você?
Caminhamos em direção ao prédio 5, não sei o porquê, já que está cedo e deve não ter nenhuma aula na sala.
- Dei uma festa bombástica amiga! Não te convidei porque tu não iria aceitar. - Está certa, não iria mesmo.
- Fico feliz que se divertiu.
- Muito mais do que isso, tá certo que não me lembro exatamente de como foi a noite, mas mesmo assim amei!
Então é assim que os jovens se divertem, bebem até o esquecimento e vomitam as tripas. Não me imagino em um ambiente desses, já Charlotte...
Não sei o que falar agora, então fico quieta de braços dados com ela, deixando me perder em meus pensamentos.
- Que professor gato, Isa do céu, vou ter ele para mim! - Exclama a loira ao sairmos da aula de metodologia.
- Mas isso não é errado? Digo, ter relações... - Fico envergonhada demais para completar a frase.
- Sexuais? - O jeito que ela me olha me faz fitar o chão. - No meu ver não, a não ser que seja pega. - Levo um cutucão nas costelas.
- Bom, se você quer, vai atrás.
- E tu irá me ajudar!
Na mente dela só se for, prefiro manter distância de planos mirabolantes e me concentrar nos estudos e, principalmente, achar um emprego. Não acho certo ter que depender do dinheiro dos outros, quero ser independente e não dar gastos para papai.
- Olha alí a Eloise!! - Fácil assim sou arrastada escada abaixo ao encontro de uma moça de olhar sério.
- Por favor, calma! - Exclamo exasperada.
Consigo me soltar no pé da escada, enquanto Charlotte corre na direção da garota. Para minha surpresa, ela estende os braços.
- Isa vem aqui! - Chama ela. Com cautela me aproximo. - Elô, queria te apresentar a Isabelle.
- Como vai? - Pergunta Eloise apertando minha mão firmemente.
- Muito bem e você?
- Ótima.
Ela me parece ser mais agradável do que Charlotte, me sinto péssima dizendo isso, mas sua postura revela muito sobre si mesma. Diria ser uma pessoa cautelosa e muito inteligente, além de ser perspicaz.
- Então, não vai dizer mais alguma coisa? - A loira lança um sorrisinho para mim.
- Como o quê?
- Deixa ela Charlotte, se ela quiser falar, ela fala. - Eloise se intromete no meio. Gostei dela.
- Imagina, só não sou acostumada a isso. - Ofereço um sorriso sincero a elas.
- A ânsia dela pode ser sufocante, não faz mal dizer a verdade se está incomodada. - Os olhos verdes me encaravam como se visse a minha alma.
Confesso que me senti exposta, contudo compreendida ao mesmo tempo.
- Acho que gosto de você. - Digo a Eloise.
- Ei, eu também sou legal beleza?! - Exclama Charlotte.
- Amiga, tu é um pé no saco às vezes. - Ri a morena.
- Não sou não! A alegria nunca é chata!
Eu e Eloise reviramos os olhos diante da expressão. Consegui até rir da situação.
- Quer saber, vamos ao shopping. - Não deu nem um segundo e somos puxadas.
- Você se acostuma depois de um tempo. - Confidência Eloise rindo.
- É, talvez me acostume.
Se você gostou deixa a sua estrelinha, isso é muito importante para mim! Se sinta a vontade para comentar o quanto quiser!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top