Capítulo 9

Mais três dias e finalmente chegaríamos na vila. Maia, Suelen e Samyr demonstraram que estavam preparados para qualquer tipo de jornada que tivéssemos pela frente e até nos demonstraram suas habilidades especiais, adquiridas após muitos anos de treino. 

O dom especial de Maia nós já conhecíamos, mas também mostrou ser excelente com uma espada nas mãos. Suelen, a sacerdotisa, apesar de sua postura calma e centrada, nos mostrou suas habilidades com arco e flechas. Havia aprendido com alguns elfos que a visitavam constantemente. 

Samyr era excelente com feitiços apesar de ser apenas um alquimista. As palavras enfeitiçadas saíam de sua boca com fluidez e qualquer um acreditaria que era um bruxo ou feiticeiro. É claro que seus feitiços saíam bem melhores quando usados para transmutar os metais, mas os outros também eram bons.

Pedi para fazer a ronda com Ruy outra vez e ninguém fez objeção. Subi em suas costas e passamos a sobrevoar outra vez a floresta de Fantasy. Hoje, a lua estava encoberta assim como as estrelas e apenas as fadinhas da noite é que proporcionavam a iluminação de que desfrutávamos naquele momento.

"Ruy?"

"Diga."

"Falei com Ethan sobre a flor..."

"Oh! E o que ele disse?"

"No começo fingiu não saber de nada, mas depois acabou perguntando o que eu responderia se fosse mesmo um pedido de casamento..."

"E o que você respondeu?"

"Eu aceitei..." Senti meu rosto corar ao dizer isso.

"Isso é bom, mas..."

"Mas?"

"Quando estava em Magic você não tinha escolhido Zein para ser seu príncipe?"

"Bem, sim..."

"E isso não implicava em casamento depois que Ária e Ivan deixassem o trono?"

"Sim."

"Não é por que o garoto morreu e voltou como fantasma que isso tenha mudado, não é?"

"Ai, meu Deus! Ruy, você tem razão! O que vou fazer? Não posso voltar atrás! Não quero voltar atrás! Eu amei o Zein e sempre haverá uma parte de mim que o ama, mas escolhi o Ethan agora. Meu coração, tenho absoluta certeza, pertence ao Ethan!"

"Eu compreendo sua escolha, mas..."

"Ah, não! Será que tem algum problema o meu coração não ser exatamente o meu coração?"

"Não. Tenho certeza de que..."

"Isso está tão confuso! Não quero magoar ninguém, Ruy! Quero me casar com o Ethan, mas não sei se vou poder agora que me lembrou sobre o posto que dei a Zein em Magic! O que posso fazer? O que seria o certo a fazer? Eu não..."

"Alessia! Pare com isso! Deixe-me falar, por favor!"

"Ah. Desculpa. Pode falar".

"Antes de se desesperar mais, saiba que você pode mudar sua escolha. Não tem problema algum se você informar o Rei, a Rainha e o conselho. A população pode acabar comentando algumas coisas, mas não vão questionar sua escolha, mesmo porque, os habitantes de lá não gostavam muito do Zein, não é?"

"Os habitantes daqui também não gostam..."

"Isso não importa, você ainda pode protegê-lo dos demais, caso continuem não aceitando a presença dele. Só acredito que depois dessa missão, não irão mais questioná-lo sobre suas antigas ações. Afinal, também está arriscando a própria vida por eles."

"Mas ninguém sabe disso, Ruy..."

"E quem disse que não podemos contar? Até Leon não poderá ser contra a estadia dele, já que verá sua participação efetiva na batalha."

"E se as pessoas não acreditarem?"

"Nós usaremos um feitiço especial e lhes mostraremos nossas memórias da luta."

"Obrigada, Ruy. Por tudo. Não sei o que faria sem você para abrir meus olhos."

"Provavelmente outra pessoa faria isso no meu lugar."

"Talvez..."

O amanhecer estava começando a despontar e as fadinhas voltavam para suas casas nas árvores. Também precisávamos voltar, mas ainda havia uma coisa que queria perguntar ao meu amigo.

"Ruy, pode me contar como era a garota que você amava?"

"Você diz fisicamente?"

"Tudo. Me diga tudo o que lembra sobre ela."

"Tudo bem. Deixe-me ver... o nome dela era Marina, não recordo se possuía ou não um sobrenome. Era uma elfa muito bonita, com longos cabelos loiros e ondulados, olhos tão verdes como as folhas das árvores no verão e a pele tão clara e macia como a pétala de uma rosa branca." Enquanto Ruy falava, pude sentir por meio da conexão que seu coração doía e ao mesmo tempo se alegrava ao pensar na amada. "Ela não era muito alta e adorava andar com os pés descalços para sentir a terra em seus dedos. Respeitava muito a natureza e tudo que tivesse ligação com ela. Nós nos conhecemos em um dos bailes que uma amiga nossa planejou para comemorar alguma coisa. Naquela época, ainda não havia me transformado em uma quimera."

"Você conseguiu ser humano por muito tempo?"

"Durante cerca de dez meses fui humano e pensei que ficaria assim dali em diante, assim como Lucília..." No mesmo instante, alguma coisa estalou na mente dele e percebi que provavelmente foi porque recordou o nome de Lucília. "Alessia! Lucília era minha amiga! Você me perguntou se a conhecia em Magic, não foi? Sim! Eu a conheci! E sim, você tinha razão, não me transformei em quimera quando cheguei na ilha, já havia me transformado antes!"

"Ruy, você se lembrou! O feitiço foi quebrado! Você se lembrou! Lembra quem o enfeitiçou?"

"Sim. Foi o gênio da lâmpada. O mesmo que nos guiou até a ilha de Magic."

"O mesmo gênio por quem Undine era apaixonada..."

"Undine é a criatura aquática que você conheceu nos oceanos da ilha?"

"Sim."

"Lembro-me dela também. O gênio falava muito dessa criatura. Ele a amava."

"E você sabe o que aconteceu com ele?"

"Sim. Uma das criaturas da ilha o encontrou e lhe atribuiu nossas vitórias, portanto, roubou a lâmpada e a jogou no mar. Eu e os demais híbridos tentamos recuperá-la, mas já era tarde demais."

"Ruy! Você sabe o que isso quer dizer?"

"Não."

"Que a lâmpada ainda pode estar no oceano e que Undine ainda pode encontrar seu grande amor!"

"Isso é fantástico, Alessia! Pelo menos um de nós dois terá seu grande amor de volta..."

"Ah, Ruy... não queria chateá-lo. Sinto muito."

"Está tudo bem."

"Não. Não está. Queria que você pudesse reencontrar seu grande amor também."

"As coisas acontecem exatamente como devem acontecer."

"Nem sempre."

"Quer que continue a dizer-lhe como era minha amada?"

"Se você quiser..."

Durante a volta ao acampamento, me contou tudo sobre seu antigo amor e senti meu próprio coração se partir ao sentir sua tristeza quando chegou na parte em que tiveram que se separar. De acordo com o que dissera, na noite em que a pediria em casamento, sua transformação em quimera foi completada por ter roubado o anel de noivado que lhe daria. Não era o primeiro delito que cometia e isso vinha acontecendo por causa do abuso que fazia de seus poderes como Humano Híbrido. 

Nem o amor por sua amada foi suficiente para evitar que seu coração fosse corrompido. Ruy não teve coragem de encontrá-la ao perceber o que se tornou e fugiu. Ficou foragido por muito tempo, até que Lucília finalmente o reencontrou e lhe ofereceu um quarto no castelo. Desde então, nunca mais tivera notícias sobre a amada e resolveu se aventurar atrás da cura para sua forma bizarra. 

Assim, quando estivesse normal novamente, partiria em busca dela. Infelizmente, nada aconteceu como o planejado e acabou ficando preso em Magic com os outros híbridos. Lucília foi obrigada a voltar para o marido e também nunca mais teve contato com ela. Até que descobriu sobre a morte da amiga.

— A história dele é tão triste... — deitei-me ao lado de Ethan, que ouviu toda a história pacientemente, sem me interromper em momento algum. — É tão injusto que algo assim aconteça com ele.

— Alessia, como ele mesmo falou, não era uma pessoa boa e foi corrompido pelo poder que ganhou.

— Mas se arrependeu! Senti que dizia a verdade enquanto me contava toda a história! Por que, então, não poderia ter reencontrado a garota?

— Por que ela provavelmente já deve ter morrido?

— Não diga isso, Ethan!

— Então... por que provavelmente já deve ter seguido em frente e formado uma família sem ele?

— Você faria isso? — Disparei as palavras e virei-me para encará-lo, irritada. Quanta falta de sensibilidade!

— É claro que não. — E retribuiu meu olhar de forma intensa. Depois, me puxou para mais perto e me aconchegou junto de si. Fiquei em silêncio, esperando que entendesse que o que disse tinha sido cruel. — Entendo que você deve estar pensando que sou um insensível agora, mas você também precisa lembrar que é um pouco romântica demais. Isso que falei pode ter acontecido, principalmente na época em que viveram. Era uma vergonha para as mulheres morrerem solteiras e serem abandonadas. Era motivo para serem atormentadas para o resto da vida.

— Como sabe disso? Viveu naquela época por acaso?

— É claro que não. Quantos anos acha que tenho?

— Algumas centenas? — Arqueei a sobrancelha, fingindo pensar um pouco sobre o assunto.

— Em termos de idade humana, realmente seria considerado uma múmia, mas nos termos das criaturas mágicas, sou, digamos, uns três anos mais velho que você.

— Ah, isso é ótimo! Fico muito feliz por saber que não estou noiva de uma múmia.

— Seja sincera, não me pareço nem um pouco com uma múmia, não é? — E sorriu sedutoramente.

— Não. Não parece. — Segurei o riso. — Talvez com o raquítico Conde Drácula, mas uma múmia não.

Acabamos por desistir de voltar ao assunto da história de Ruy para que não acabássemos brigando um com o outro. Ficamos em silêncio, observando o céu, onde algumas poucas estrelas conseguiam escapar das nuvens para polvilhar seu brilho pela terra. 

A fogueira estava sendo cuidada por Cristian e Samyr, que conversavam aos sussurros há um bom tempo. Meus pensamentos retornaram a Ruy quando estava quase caindo no sono e agradeci por não ter muitas horas para dormir hoje, já que provavelmente acabaria sonhando com ele e sua história.

Não sonhei com Ruy, mas as poucas horas que dormi foram suficientes para que tivesse outro sonho ou visão com Leon e com Magic. O grupo já estava invadindo o castelo e tocando o terror por lá, nada de ataque surpresa. Os dois Trolls iam na frente e trucidavam qualquer criatura, objeto ou porta que encontravam pelo caminho. Os elfos iam logo em seguida, liderados por Leon e Daniel, e por fim, as fadas e o restante do antigo grupo.

Pude assistir enquanto invadiam o castelo e destruíam muitos corredores e cômodos, as criaturas que estavam por lá não tinham nem chance de fugir e muitos dos guardas de Leslie eram atacados antes mesmo de ver de onde o ataque tinha vindo. Pobres criaturas... que suas almas descansem em paz. A visão terminou quando Leon e seu bando finalmente encontraram Leslie no salão do trono.

Em Magic as coisas estavam mais calmas. Nada parecia ter mudado desde o último sonho. As criaturas ainda estavam sendo treinadas para o combate. Tudo estava aparentemente bem organizado e ninguém enfrentava maiores problemas... até que a noite chegou na visão e criaturas negras como ébano passaram a surgir das sombras mais escuras, com seus olhos brilhantes do tamanho de laranjas. 

As feras noturnas! Elas voltaram! Mas como? Ária ainda estava na prisão de âmbar, não? Como isso era possível? Será que Leslie havia conseguido invadir a ilha pelo poço? Não... Leon não a estava atacando?

Queria desesperadamente acordar para passar a informação aos demais, mas simplesmente não conseguia. Fui obrigada a assistir enquanto aqueles bichos atacavam as casas da vila e matavam várias criaturas sem dó nem piedade. Quando finalmente consegui abrir meus olhos, percebi que suava frio e tremia descontroladamente. Ethan acordou no mesmo instante e me abraçou de lado, de maneira protetora.

— O que houve? Outro sonho? — Sussurrou, enquanto tentava me acalmar acariciando meus cabelos e tirando-os do meu rosto.

— Sim. — Minha voz não estava muito firme, mas forcei-a a sair. — As feras noturnas voltaram. Ou Ária se libertou, ou Leslie conseguiu invadir a ilha.

— O que? Tem certeza disso?

— Tenho. Eu vi!

— Vou informar Ivy e os fundadores. Fique aqui e tente se acalmar, está bem?

Assenti e se afastou após desenroscar o saco de dormir do corpo. Fiquei sentada, encostada na árvore mais próxima, e Zein chegou mais perto de mim com a expressão preocupada.

— Você está bem? O que aconteceu? — E sentou ao meu lado.

— Tive outro daqueles sonhos-visão. As feras noturnas voltaram à Magic e Leon já está invadindo o castelo. Provavelmente, nesse momento está lutando contra Leslie e sua guarda pessoal. — Minhas mãos ainda tremiam e ele não deixou isso passar. Pegou a mochila e me entregou uma garrafa com um líquido fresco e adocicado, de coloração alaranjada.

— Beba isso e tente relaxar. Provavelmente, Ivy vai pedir para que todos acordem e se preparem para partir o quanto antes. Aproveite esse meio tempo para se acalmar. — E sorriu de leve, enquanto acariciava uma de minhas mãos.

— Tudo bem. Vou tentar me acalmar, mas relaxar não posso prometer. — Fiz o que pediu e o líquido pareceu fazer a tensão se esvair, embora meus pensamentos ainda estivessem turbulentos.

Assim como Zein disse, Ivy organizou todos para que se levantassem e se preparassem logo para partir. Agora continuaríamos a nossa jornada sem pausas ou interrupções, a coisa havia ficado séria. Precisávamos chegar o quanto antes para ajudar Leon e para descobrir o que estava havendo em Magic, já que o comunicador tinha ficado com o outro grupo.

Levantamos acampamento e seguimos rumo ao castelo outra vez. Enquanto caminhava, tudo que pedia era para que meu corpo aguentasse firme essa jornada e não se sentisse exausto demais quando a batalha de verdade começasse. Afinal, como poderia enfrentar Leslie e proteger a todos se estivesse me sentindo tão cansada a ponto de nem me aguentar em pé?

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Não sei vocês, mas toda vez que eu leio a história do Ruy, da Undine e da Lucília, o meu coração se parte em milhões de pedacinhos e eu fico pensando porque essa autora foi tão cruel assim com eles... Que autora má. XD *assobio para fingir que a autora não sou eu* O que vocês estão achando até agora? 

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