Capítulo 7

Andamos por cerca de um dia e meio, apenas com curtas pausas de uma hora para o descanso. A floresta começou a ficar menos densa e o sol já conseguia alcançar o chão onde pisávamos, tornando-o mais seco e duro. Subimos uma colina e do alto conseguimos avistar a Aldeia dos Elfos.

- Bem... nenhum ataque até agora. Acho que não precisaremos lutar. - Respirei mais aliviada por não precisar enfrentar uma chuva de flechas. Descemos a colina, exaustos pela marcha que fizemos até aqui e por um uma noite inteira sem dormir.

As casinhas da aldeia eram como ocas de índios e no que parecia ser o centro, havia uma barraquinha maior que as demais, provavelmente a do líder deles. Conforme entramos, alguns elfos saíram de suas tocas para nos observar com atenção. Pude notar alguns de seus utensílios.

Havia panelas, colheres, carapaças (onde deduzi que bebessem os líquidos e comessem os alimentos), arcos, flechas, algumas espadas e roupas estendidas em varais feitos com madeira e cipós. Um dos elfos se aproximou de nós e notei que usava algo parecido com um cocar na cabeça, cheio de penas e sementes de frutas.

- Olá, visitantes. O que procuram aqui?

- Olá. - Dei alguns passos à frente para me aproximar mais dele. De perto, percebi que sua pele era esverdeada, assim como seus olhos, e o cabelo era da cor de uma jabuticaba. Tinha a minha altura, então pudemos nos encarar olho no olho. - Nós estamos aqui para acabar com a tirania de Leslie, mas nos separamos da outra metade do grupo e resolvemos vir até aqui para checar se Leon não deixou ninguém para trás.

- E quem seria a senhorita? - O elfo me olhou de cima a baixo e nesse ponto vários outros moradores já haviam nos cercado com olhares curiosos.

- Meu nome é Alessia, sou uma humana híbrida e estou liderando esse grupo.

- Sejam bem-vindos, Alessia e seus companheiros. Nossa aldeia ficará feliz em abrigá-los para que descansem um pouco. Parecem muito cansados. - O elfo sorriu compreensivo e ordenou aos que nos observavam para que nos levassem até algumas ocas desocupadas.

Apenas Ethan e eu ficamos e seguimos o líder para dentro de sua cabana. Notei que todos os elfos dali tinham cabelos presos em rabos de cavalo e todas as elfas possuíam cabelos longos e presos em tranças decoradas com flores. Os rapazes usavam calças da cor da terra e coletes verdes, as garotas usavam longas saias cor de creme e em cima blusinhas curtas da cor de musgo. Todos estavam descalços e o Líder pediu para que Ethan, eu e os demais tirássemos os sapatos também. Assim o fizemos.

- Leon passou por aqui? - Não consegui me conter. Sentamos em almofadas no chão da cabana e o líder sentou conosco.

- Primeiro, vou me apresentar. - E sorriu. - Meu nome é Linox e sou o líder desta Aldeia. Você se chama Alessia, mas e o rapaz ao seu lado?

- Meu nome é Ethan.

- Certo. Muito bom. Gostaria que parasse de me olhar com desconfiança, jovem guerreiro vampiro. Não sou seu inimigo.

- Ele é assim mesmo, Linox. Desconfia de todo mundo. - Tive que segurar o riso com o comentário dele e Ethan não pareceu muito contente, mas pelo menos parou de encará-lo.

- Viver com desconfiança não faz um guerreiro mais forte. - E voltou sua atenção para mim. Ethan continuou em silêncio. - Leon, nosso Guerreiro-Alfa, passou por aqui há dois dias, humana Alessia.

- E ele deixou alguém para trás? - Tentei controlar minha ansiedade e manter a calma.

- Sim. Deixou uma mulher, uma ninfa. Seu nome é Stella. - Seu olhar estava distante e sua expressão era pensativa. - Nós cuidamos dela, mas ela está machucada ainda.

- Stella! Como pude me esquecer dela? - Senti-me péssima por ter esquecido de uma das professoras mais legais que já conheci. Mas por que havia seguido Leon? Não era quem acreditava que Zein era bom e que estava feliz por eu tentar ajudá-lo? De repente, já não fazia mais tanto sentido que tivesse seguido com o outro grupo....

- Fique calma, menina. Tenho certeza de que algum dos fantasmas que estão com você poderão curá-la mais rapidamente. - O elfo tornou a se levantar e fez menção para que o seguíssemos. - Venham comigo. Vou mostrar a vocês onde está e depois os levarei para suas barracas.

A voz do elfo era áspera e grave, mas ao mesmo tempo inspirava calma e obediência. Levantamos e o seguimos até onde Stella estava passando os dias. Quando entramos na cabana, Julie e Zein já estavam lá dentro e a observavam dormir em uma cama feita de palha e tecidos antigos e gastos.

- Ela está só dormindo, não é? - Senti um nó na garganta, que se desfez quando Julie confirmou minha pergunta. - Então... quando acordar, Zein poderia tomar o ferimento que a está machucando para que melhore de uma vez.

- Já pensei nisso e é exatamente o que farei. - Seu olhar cruzou com o meu e assentimos em silêncio. Julie e Zein se ofereceram para passar a noite na barraca de Stella e tudo foi providenciado para que se sentissem confortáveis ali. Linox guiou Ethan e eu para outra cabana e nos deixou lá.

Não havia muitas mobílias nas ocas, apenas algumas almofadas, as camas de palha, tecidos para que nos cobríssemos e uma pequena mesinha feita com um tronco velho de alguma árvore. Sobre a mesinha estavam uma cabaça cheia de água, uma panela com alguma espécie de sopa bem grossa e consistente, algumas colheres e alguns paninhos menores, que deduzi serem usados como guardanapos.

Ethan e eu nos servimos e comemos em silêncio, digerindo nossos próprios pensamentos. Usamos a água restante da cabaça para lavar um pouco o rosto e as mãos. Depois nos deitamos juntos, já que a noite havia caído há algum tempo. A noite ali era bem fria e fomos obrigados a usar os tecidos que foram deixados para nós como cobertores. Nos ajeitamos mais próximos um do outro e me permiti abraçá-lo, já que ainda estava com frio.

- Está com frio, Alessia?

- Sim. Você não?

- Está mais fresco, mas não diria exatamente frio. - E deu de ombros. - Acho que seu corpo sente mais frio porque ainda é humano...

- Ainda?

- Em algum momento você terminará a transformação e as únicas coisas que permanecerão humanas em você serão seu coração e sua alma.

- E o meu corpo será o que? - Senti um arrepio correr a coluna ao lembrar da aparência de Ruy e dos demais híbridos que se tornaram quimeras. - Ruy e os outros...

- Ruy e os outros completaram a transformação, mas seus corações e almas estavam corrompidos, por isso, seus corpos se metamorfosearam em quimeras. - E começou a acariciar meu cabelo delicadamente. - Você se tornará algo entre feiticeira e vampira por causa do meu sangue e do de Ária.

- Do seu sangue? - Arregalei os olhos e me afastei um pouco para encará-lo melhor.

- Sim. - E sorriu de leve. - Lembra quando bebeu o conteúdo do potinho que te dei e acabei te doando meus anos de imortalidade? - Assenti e ele continuou. - Então, acabei te transformando um pouco em vampira. Quase como Ária fez dando o sangue dela para transformá-la em feiticeira.

- Sou uma Humana Híbrida Feiticeira-Vampira? - Quase ri ao dizer isso em voz alta.

- Ainda não, mas logo será. - E me puxou para perto de novo, beijou o alto da minha cabeça e voltou a acariciar meus cabelos. Fechei os olhos e acabei adormecendo em seus braços.

Na manhã seguinte, os elfos da aldeia prepararam um banquete enorme para que nos alimentássemos direito, e nos mostraram onde poderíamos nos lavar, até nos deram algumas essências para que nos perfumássemos.

Algumas das elfas me entregaram roupas e fiquei sem graça de recusar, porque poderia tirar a roupa que quisesse da mochila. Acabei deixando que me vestissem e arrumassem meu cabelo. Elas colocaram em mim uma saia branca e longa como as que vestiam, me deram uma de suas blusinhas verdes curtas com mangas três quartos e ajeitaram meus cabelos com flores, mas não fizeram tranças, porque eu disse que preferia usá-lo solto.

Ganhei uma tiara de flores e, por fim, passei um pouco de uma das essências que me deram. Tiram um cheiro parecido com o de jasmins. Quando me juntei aos demais para o banquete, percebi que as outras garotas também haviam recebido tratamento especial e que os rapazes haviam ganhado roupas e coroas de louros dos elfos.

O líder deles fez um discurso homenageando nossa coragem e nos desejando sorte em nossa jornada. Já passava da metade do dia quando deixamos a aldeia e seguimos novamente nosso caminho em direção ao castelo. Zein cumpriu o que havia dito e curou Stella de seus machucados, tomando-os para si.

Ao cair da noite, estendemos os sacos de dormir em meio as árvores, já que não encontramos nenhuma clareira. Zein e Ruy saíram para fazer a ronda, Dahlie e Cristian ficaram encarregados de acender uma fogueira e de enfeitiçá-la para que não queimasse tudo ao seu redor. Deitei, encolhida pelo frio, e passei a observar o céu pelos buracos entre a folhagem logo acima de nossas cabeças. Ethan já havia adormecido e Ivy veio se deitar ao meu lado.

- Está acordada?

- Acho que sim. - Continuei a observar o céu.

- Podemos conversar?

- Claro. Algum assunto em especial?

- Não... só queria agradecê-la por ter se unido a nós.

- Não precisa me agradecer. - Desviei o olhar para encará-la e ver se falava a sério. Ao que parecia, estava realmente dizendo a verdade.

- É claro que preciso. - Ivy sorriu e passou a observar o céu. Fiz o mesmo. - Sei que está enfrentando muitos desafios e que sua mente e coração andam bem confusos desde que chegou aqui, mas queria que soubesse que está se saindo muito bem como líder, amiga e tudo o mais.

- Obrigada, Ivy. Fico muito feliz que esteja correspondendo às expectativas de vocês...

- Você lutaria dessa forma para salvar o seu antigo mundo?

- Não sei... - tive que esperar um tempo para responder, assim teria como ponderar as palavras que se passavam em minha mente. - Há pessoas boas lá, mas há tanta gente ruim. Acredito que aquele mundo nunca estará a salvo de verdade.

- Aqui não é tão diferente assim, Alessia. Há criaturas de bem e há criaturas que sucumbiram ao mal. Isso não está impedindo você de tentar salvá-los da tirania louca de Leslie e das Trevas.

- Ainda assim é diferente.... Não sei explicar. Sinto que pertenço mais a este mundo do que ao outro.

- Entendi. Talvez isso seja mesmo verdade, já que sua transformação está quase completa. Você está se tornando de fato uma criatura mágica, mas com coração e alma humanos.

- O Ethan já me disse isso.

- Falando nele... como vocês estão?

- C-como assim? - Senti meu rosto corar e me repreendi internamente por ter gaguejado.

- Vocês estão namorando, não estão?

- Ahn.... Não sei.

- Como não sabe?

- Já nos declaramos um para o outro, mas nunca houve um pedido de namoro de verdade e não acho que estamos em clima para isso agora.

- Suas declarações já não valem como um pedido oculto?

- Não sei. - Suspirei cansada e fechei os olhos, querendo encerrar a conversa logo. - Quando tudo isso acabar, talvez possamos conversar melhor sobre esse assunto.

- Tudo bem. Sinto muito se a incomodei. Boa noite. - Percebi quando se afastou com o saco de dormir e agradeci mentalmente por ter entendido que não queria mais conversar.

...

Dois dias de muita caminhada depois, nós paramos para descansar por um tempo mais longo. Não conseguia entender como minhas pernas ainda me aguentavam em pé e atribuí isso ao fato de estar me tornando "meio mágica" de verdade.

Estive pensando muito no que Ivy conversara comigo nesses dois dias e ter o Zein e o Ethan colaborando entre si era tão bom quanto ruim. Essa suposta trégua deles só me fazia sentir ainda pior por ter tido que escolher entre eles, mesmo que na verdade não tivesse tido muita escolha....

Apesar de estar completamente exausta, me ofereci para fazer uma ronda com Ruy, que fez a gentileza de me levar em suas costas para um voo noturno. Voamos em silêncio por um longo tempo, apenas aproveitando a vista e a brisa suave que batia. Até que ele quebrou o silêncio.

"Alessia?"

"Sim?"

"Gostou da flor que o garoto vampiro deu a você?"

"Ah. Ahn... sim, é adorável e tem um perfume maravilhoso."

"Fiquei sabendo que batizou o presente..."

"Sim."

"Gostaria de saber o nome real da flor?"

"É claro!"

"Roselae Azules."

"Nossa! É bem parecido com o nome que inventei!"

"Sim, seu amigo me contou o nome que você criou..."

"Ah." Não sabia mais o que dizer e não entendi o porquê falou isso assim tão de repente. Depois de um longo tempo, voltou a falar.

"Sabe qual o significado daquela flor?"

"Não."

"As criaturas mais sábias acreditam que aquela flor é um símbolo de fidelidade, companheirismo, confiança e admiração." E fez uma curta pausa para que absorvesse o que disse. "Mas há uma outra interpretação para ela."

"Qual?"

"Aquela flor é entregue para noivas no dia de seus casamentos e colocada no centro do buquê. É uma tradição do povo mágico que o noivo tenha colhido e dado em mãos para a futura esposa..."

"Então..."

"Aquela flor simboliza também um pedido de casamento e uma promessa de amor por toda a eternidade."

"Ah, minha nossa! Ruy! Então ele... será que ele sabia?"

"Pode ser que não saiba, mas... acho difícil já que vive aqui há tantos anos..."

"Preciso questioná-lo sobre isso..."

"Acredito que sim. Deseja que a leve de volta?"

"Não. Vou terminar a ronda com você."

Voar com Ruy por Fantasy se encaixava perfeitamente no quesito "coisa mágica" em minha mente. Era encantador, quase tanto quanto quando fazia os vagalumes me mandarem mensagens em Magic.

As copas das árvores pareciam grandes brócolis escuros e cheios, algumas fadas noturnas voavam de uma para outra, deixando rastros de brilho que tornavam o cenário todo ainda mais encantador. A lua estava cheia no céu, que estava polvilhado de estrelas radiantes.

Foi inevitável recordar quando pensei que Zein tivesse virado pó de estrelas e tive que me esforçar para não chorar. Olhar para o céu no mundo mágico era como olhar para um cemitério de almas, por isso, decidi fazer uma espécie de oração, agradecendo a luz e o espetáculo que cada uma daquelas estrelinhas proporcionavam naquela noite. Acabei derrubando algumas lágrimas ao fazer isso e Ruy percebeu imediatamente.

"Alessia, você está bem?"

"Estou. São apenas algumas recordações."

"Tem certeza?"

"Sim Ruy. Obrigada por se preocupar."

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