Capítulo 6

O ar se tornava novamente úmido conforme avançávamos. O tempo estava fresco e podíamos nos sentir gratos, pois isso facilitava nossa caminhada pela densa floresta. Era visível que estávamos cansados, embora ninguém fizesse menção de parar. Seguimos em frente durante um dia inteiro e minhas pernas já não aguentavam mais.

Analisei as árvores de porte médio ao nosso redor: as copas eram frondosas e suas folhas assumiam tons de verde que as faziam parecer um grande campo gramado, só que no alto. A terra estava úmida, mas não exatamente encharcada e algumas das folhas que caíam sempre que uma brisa forte batia, cobriam o chão. Era um cenário agradável para descansar um pouco, além do mais, logo iria escurecer.

- Vamos parar aqui, por favor. Preciso descansar um pouco e sei que vocês também. - Passei a chutar algumas folhas para longe, tentando preparar um espaço para que pudesse sentar.

- Lewis e eu vamos cuidar da fogueira. - Zein saiu andando para procurar galhos secos e Lewis o seguiu, sem alternativas. Alguma coisa me dizia que estava evitando me ver junto com o Ethan e meu coração pesava ao imaginar a dor que devia estar sentindo. Acabei soltando um suspiro frustrado, que foi percebido por Julie.

- Alessia? Está tudo bem? - E se aproximou, sentando ao meu lado. Ethan acabou saindo com Ruy para fazer uma ronda no local. Dahlie, Cristian, Ivy e Noah limpavam o terreno para colocar os sacos de dormir.

- Sim. Estou bem, Julie. Obrigada por perguntar. - Forcei um sorriso, mas tinha consciência de que saíra falso.

- Não parece muito bem... - e sorriu de leve. - Sei que está assim por causa do Zein e do Ethan... e sabe de uma coisa? Acho que te entendo. Imagino o que deve se passar na sua cabeça e na deles também.

- Tinha esquecido que você pode ler mentes... - peguei uma folha no chão e passei a brincar com ela entre os dedos.

- Sim. Eu posso, mas não foi lendo mentes que deduzi o que vocês três estão passando. Andei conversando com Ruy e Lewis e juntos conseguimos concluir as possíveis emoções que dominam vocês.

- Sério? Por que fizeram isso?

- Estamos preocupados. Não só nós três, mas todos nós... - e suspirou cansada. - Temos uma grande batalha para enfrentar pela frente e vocês ainda precisam passar por esses pequenos conflitos internos, sabe? Isso pode desconcentrá-los. Pode atrapalhar seu desempenho e fazer com que se machuquem gravemente.

- Obrigada pela preocupação, mas tenho certeza de que nada disso vai me atrapalhar na batalha. Queria saber o que descobriram sobre o que Ethan e Zein estão sentindo... - dirigi meu olhar para ela e larguei a folha de lado por alguns instantes. Julie fitava o chão.

- Zein está confuso. Sabe que não pode gostar de você, mas vê-la com o Ethan o machuca bastante... - e olhou para mim, provavelmente tentando analisar minha reação. - Mas ele é bem decidido. Está dando o melhor de si mesmo para se manter seu amigo, já que esta é a única maneira de poder ficar perto de você. Está tentando aceitar... e tem medo de não conseguir.

- Está com medo?

- Sim. Sabe que se não resistir pode acabar te matando.

- Como sabe disso tudo?

- Lewis me contou sobre a troca de corações e suas implicações. Quem diria que o amor pode matar, não é?

- Sim... e o Ethan?

- Por mais incrível que pareça, o sentimento que o domina no momento também é o medo. - E riu de leve.

- Medo? Está com medo da batalha? Do que teremos que enfrentar?

- Não. Está com medo de perder você.

- De me perder? Tem medo que eu morra?

- Alessia! - E finalmente olhou para mim, um sorriso de incredulidade tomava conta de seu rosto. - É claro que tem medo que você morra, mas não é desse medo que estou falando! Está com medo de perder você para o Zein!

- O quê? - Encarei-a fixamente para tentar encontrar qualquer traço de mentira, mas ela falava a verdade. - Então... tem medo que o troque outra vez?

- Outra vez? - E arqueou a sobrancelha, confusa. Engoli em seco.

- Bem... na verdade, nunca o troquei, pois não estávamos juntos quando o Zein me beijou. Acho que tem medo que eu corra atrás de salvar o Zein de novo e acabe morrendo. Será que é isso?

- Acredito que não. Parece que tem medo de que você escolha ficar com o Zein e não com ele.

- Não acredito... - suspirei frustrada com tudo o que estava acontecendo. Ethan e Ruy voltaram da ronda e precisamos mudar de assunto. Julie se afastou de mim assim que Ethan se aproximou. Antes de ir, piscou para mim e saiu dando risadinhas.

- E aí? Estavam comentando o quão bonito eu sou? - Ethan sentou ao meu lado e me entregou...

- O que é isso?

- Alessia, te apresento... a flor. Nunca viu uma antes? - E riu como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.

- Sei que é uma flor, mas você está me dando?

- Não, não. É uma encomenda. Foi seu Principezinho das Sombras que mandou entregar. - E revirou os olhos, descontente.

- Obrigada. - Ignorei a provocação e o abracei forte.

Eareceu surpreso e me abraçou meio desajeitado. Apoiei a cabeça em seu ombro e observei a flor. Era de um azul claro e bonito, o miolo era branco e parecia o mesmo de uma orquídea, entretanto, suas pétalas eram dispostas como as pétalas de uma rosa e seu perfume parecia algo raro e exótico, adocicado e cítrico ao mesmo tempo. Era um cheiro maravilhoso.

- Ela é linda! Onde a encontrou?

- Encontrei enquanto fazia a ronda com o Ruy, estava crescendo como uma parasita nos galhos de uma das árvores.

- Qual o nome?

- Sinceramente? Não faço ideia. Quer dar um nome a ela?

- Lázuli. - Sorri ao testar o nome que estava na minha mente. - Rosorquidae Lázuli! O que acha?

- Acho bem diferente. - E riu enquanto acariciava meu cabelo. - Mas é um nome bem criativo. Como pensou nisso?

- Misturei os nomes Rosa e Orquídea para formar o primeiro e Lázuli inventei por causa da cor azul.

- Rosa e Orquídea são plantas do seu mundo, não?

- Sim.

Lewis e Zein voltaram nesse instante. Seguiram reto até o centro da pequena clareira onde paramos e passaram a empilhar os galhos para acender o fogo em seguida. Havia começado a escurecer e assim que a noite caiu, conseguimos fazer o fogo pegar através de alguns feitiços. Comemos algumas das coisas que retiramos das mochilas mágicas e conversamos um pouco antes de nos deitarmos para dormir.

Assim que todos estavam acomodados, Cristian se ofereceu para fazer a vigília e Zein se candidatou a manter o fogo aceso durante a noite. Ethan dormiu extremamente rápido e atribuí isso ao fato de ter passado por momentos horríveis nas mãos dos Trolls há pouco tempo. Fiquei observando Zein cuidar da fogueira enquanto o sono não vinha. Em certo momento, me pegou observando-o, sorriu de leve e voltou a olhar para o fogo.

Acho que Julie tinha razão sobre o que estavam sentindo e tinha que entender que isso era normal. As coisas, quando envolvem sentimentos, não se resolvem num passe de mágica. Fechei os olhos e parei de analisá-lo. Ethan havia estendido o braço e envolvido minha cintura de um jeito bem desajeitado. Acabei adormecendo e tive um sonho estranho e confuso.

No sonho, Leon e seu grupo avançavam em direção ao castelo de Leslie e não faço ideia de como sabia disso. Seu grupo era composto por cerca de umas quarenta pessoas e era perceptível que já haviam passado pela aldeia dos elfos, já que criaturas de orelhas pontudas o seguiam. Havia também dois Trolls e algumas fadas, além de Daniel, Undine, Camilla e Cameron. Alguma coisa me dizia que faltava alguém, mas quem?

O sonho mudou e ao que parecia, agora via Magic. Ivan estava organizando a população e, junto com Arak, treinava as criaturas para qualquer ataque que pudesse acontecer. A cena girou outra vez e dessa vez notei que as crianças de Magic estavam reunidas no castelo e estavam aprendendo o que pareciam ser feitiços e poções com os demais fundadores que ficaram para trás. Isso era bom. Estavam pelo menos se preparando caso as coisas saíssem do controle.

Tudo ficou escuro novamente e senti que estava acordando. Sentei-me e olhei ao redor. O dia já havia amanhecido, mas não parecia ser muito tarde. Zein havia desaparecido e a fogueira estava apagada, sobraram apenas as cinzas. Ruy, Julie, Noah, Lewis e Dahlie ainda dormiam. Ethan também não estava mais ali e senti uma coisa estranha, como um mal pressentimento. Levantei-me rapidamente e guardei o saco de dormir. Estava pronta para me embrenhar na floresta e ir atrás de Zein e Ethan, quando uma voz me chamou.

- Alessia? Já acordou? - Era Ivy, que entrava novamente no acampamento. Virei-me para encará-la melhor.

- Sim. Sonhei com o grupo de Leon e com Magic. Sabe onde estão o Ethan e o Zein?

- Vi os dois saírem juntos, foram procurar um rio ou lago para que pudéssemos nos lavar. - E se aproximou mais de mim. - O que você sonhou?

- O grupo de Leon já passou pela aldeia dos elfos e acho que deixaram alguém por lá, mas não sei dizer quem. Ele está com umas quarenta criaturas ou mais o acompanhando. - Sentei-me em um tronco que havia sido colocado perto da fogueira e Ivy sentou ao meu lado. - Em Magic, Ivan e Arak estão treinando a população mais velha, enquanto as crianças estão tendo aulas de feitiços e poções com os demais Fundadores.

- Leon está tentando formar um pequeno exército. Imagino que tentará recrutar mais criaturas na vila do castelo.... É bom que os moradores de Magic estejam se preparando para uma possível batalha.

- Sim. - Puxei minha mochila e peguei alguma coisa para comermos. - Tem certeza de que Ethan e Zein saíram juntos? Amigavelmente?

- Tenho certeza. - E riu ao notar minha expressão. - Não se preocupe. Eu os segui e estavam apenas conversando.

- Sobre o que?

- Alessia... não é educado ficar ouvindo as conversas dos outros.

- Mas você ouviu. - O rosto dela corou e pareceu estar realmente sem graça.

- Bem, sim, mas..., ah! Está bem. Falavam sobre você. Não vou dizer mais nada, se quiser saber, pergunte a eles.

- Vou perguntar.

Mais duas horas se passaram até que todos acordassem. Cristian retornou de sua ronda e nos sentamos em volta do que restou da fogueira para tomar um café da manhã. É óbvio que estávamos com pressa, mas sabíamos que não chegaríamos ao castelo junto com o grupo de Leon, então não fazia sentido que continuássemos correndo para alcançá-los. Seria melhor seguirmos em um ritmo bom, descansando quando necessário, para que conseguíssemos estar em um melhor estado quando enfrentássemos Leslie e seus guardas.

Ethan e Zein retornaram de sua busca alguns minutos depois e informaram que encontraram um lago pequeno há apenas dez minutos dali. Dessa vez, deixamos que os rapazes fossem se lavar primeiro. Assim, Julie, Dahlie, Ivy e eu ficamos organizando o acampamento para que quando voltássemos de nosso banho, pudéssemos seguir direto até a aldeia.

Após todos terem se lavado, seguimos em frente e decidimos que só pararíamos quando chegássemos ao nosso destino, já que não estava tão longe agora. Estava preocupada que o plano de ataque de Leon falhasse e acabasse por matar todos eles, mas havia tomado a minha decisão e agora não daria mais para voltar atrás. Aproveitei que Ethan e eu ficamos para trás e decidi perguntar sobre a conversa que teve com Zein.

- Ethan, soube que você e Zein saíram juntos para procurar o lugar onde nos lavamos. Conversaram sobre alguma coisa nesse meio tempo?

- Por que está perguntando isso? - Parecia desconfortável, mas tentava ao máximo disfarçar.

- Só queria saber se não acabaram por trocar "elogios" um com o outro...

- Nós não brigamos. Não se preocupe.

- Então sobre o que conversaram?

- Alguém te contou, não é?

- Me contou o que?

- Falávamos sobre você. Queríamos encontrar uma maneira de nos aturar sem que você se sentisse desconfortável com a situação.

- E chegaram num acordo?

- Sim. De minha parte, preciso protegê-la com a minha vida e tive que prometer que não a trataria mal. Ele prometeu que se manteria distante das Trevas e que usaria as Sombras para te proteger. - E encarou o céu com o olhar distante. - Prometi que vou fingir que não me importo quando vejo você junto com ele e ele prometeu a mesma coisa.

- Entendi. - Tive que me esforçar de verdade para não rir disso. - Obrigada.

- Pelo que?

- Por vocês dois cuidarem de mim a esse ponto.

- Que ponto? - E arqueou a sobrancelha.

- A ponto de se aturarem e se aceitarem só para me deixar feliz. - Não pude deixar de sorrir.

- Não fique muito animada. Não sabemos nos controlar muito bem, então não espere muito de nós. - E deu de ombros, como se não se importasse em quebrar a promessa.

- Seu bobo. - Dei um soquinho de brincadeira no braço dele e nos apressamos para alcançar os demais.


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