Capítulo 3

Ruy nos cumprimentou analisando nosso grupo cautelosamente, talvez para verificar se éramos realmente nós. Assim que confirmou, sua expressão pareceu relaxar e seu rosto se contraiu em algo que pensei ser um sorriso. Lewis cutucou meu ombro e virei-me. Indicou o tronco onde meu corpo repousava. Seguiu comigo e retirou os feitiços que havia colocado.

Em seguida, me deu as instruções para conseguir voltar sem danos. Pediu-me para que flutuasse por sobre o corpo como se estivesse deitando em uma cama invisível, depois pediu para que respirasse fundo e fechasse os olhos, por fim, me ajudaria a baixar e voltar ao meu corpo.

Quando abri os olhos novamente, me senti um pouco tonta e pisquei os olhos até que minha visão deixasse de estar turva. Respirei fundo e me levantei como se acordasse de um pesadelo. Lewis estava ao meu lado e segurou meu braço com cuidado, dizendo que estava tudo bem e que havia conseguido voltar. Percebi que minhas roupas voltaram a ser as que usava quando saí de Magic e que meus pés não estavam mais descalços, calçava botas marrons parecidas com as de exército, mas incrivelmente leves.

- Você acordou. - Meu coração deu um pulo no peito quando ouvi a voz de Zein e percebi que se aproximava sorrindo, sua expressão parecia aliviada.

Por mais que tentasse ignorar a sensação, alguma coisa mudou em minha expressão e me senti realmente feliz por vê-lo. Levantei rapidamente de onde estava sentada e cortei a distância entre nós para abraçá-lo, coisa que não havia conseguido fazer desde que nos reencontramos. Sua postura se enrijeceu e deslizou os braços vagarosamente ao redor da minha cintura. Então me lembrei de que Lewis, Cristian e Ruy estavam acordados e me afastei sem graça pela minha reação.

- Tudo bem. Não vamos contar para ninguém. - Lewis riu da minha expressão envergonhada e se dirigiu para um dos sacos de dormir. Cristian seguiu o mesmo exemplo e Ruy tornou a alçar voo para continuar sua vigília. Segui com Zein até minha mochila para tirar um saco de dormir para ele também e ajoelhei perto da árvore onde a havia deixado.

- Esse é o meu manto...? - Ouvi sua voz atrás de mim e um arrepio correu minha coluna. Não entendi essa reação do meu corpo, sabia que estava atrás de mim. Assim que mencionou o manto, passei a sentir o tecido sobre minha pele. Havia esquecido que o estava usando.

- Sim. - Forcei-me a não gaguejar. - Você o quer de volta?

- Pode ficar. - Finalmente consegui tirar um saco de dormir de dentro da mochila mágica e virei-me para entregar a tempo de ver seu sorriso encantador. Meu coração disparou novamente e me repreendi por isso, mesmo sabendo ser involuntário. - Acho que vai proteger mais a você que a mim, mas obrigado pela oferta.

- Disponha. - Retirei uma mecha de cabelo que caía no meu rosto e peguei outro saco de dormir na mochila. Ele estendeu o seu ao lado do meu e me senti nervosa por algum motivo. Engoli em seco e deitei tentando cobrir meu corpo ao máximo. Estava finalmente relaxando e quase adormecendo, quando sua voz me despertou novamente.

- Por que veio atrás de mim?

- Quando descobri que tinha dado sua vida para me salvar... - comecei a contar sem perceber, mas me interrompeu.

- Só não se esqueça de que quem te matou fui eu... - sua voz era pesarosa e parecia realmente deprimida.

- Se fosse sua intenção real me matar, você não teria morrido para me salvar. Quando descobri a verdade sobre tudo o que havia acontecido, me senti muito mal. Não queria acreditar no que estava ouvindo. Conversei com Undine, uma amiga que fiz em Magic, e ela me deu vários bons conselhos. Dentre eles, esquecer de você, dar uma chance ao Ethan e continuar minha vida, porque ainda havia muitas pessoas que dependiam de mim para salvar os reinos e esse tipo de coisa....

- O que quer dizer com me esquecer e dar uma chance ao Ethan? - Percebi um tom diferente em sua voz, não estava mais triste e deprimida. Olhei para ele e me arrependi imediatamente ao notar que também estava me observando e que sorria timidamente.

- Ah... ahn... - senti meu rosto enrubescer e meus pensamentos ficaram tão embaralhados que não conseguia formular uma resposta.

Meu coração havia se acelerado novamente e minhas mãos estavam trêmulas. Não ajudou muito o fato de estender o braço para tocar meu rosto como havia feito com ele quando estava preso no Castelo da Ruína. Ainda sorria e passei a analisar seu sorriso para não olhar diretamente para os seus olhos. Ainda tinha presas de vampiro e percebi aí a chance de mudar de assunto.

- Você ainda precisa beber sangue?

- Não. - O sorriso sumiu de seu rosto aos poucos. - Só mantenho algumas das características de vampiro, mas não sou mais um sugador de sangue.

- Como você reagiu a essa mudança? - Novas perguntas surgiam em minha mente com uma velocidade assombrosa para nos desviar do assunto que me parecia assustador e difícil de encarar.

- Foi complicado me adaptar no início.... Não sentir as coisas e não poder tocar em nada era terrível. E estar preso também não ajudava muito para me animar, mas nada disso foi a pior coisa. - Agora fitava o céu e havia afastado a mão do meu rosto, deixando-a apoiada sobre o peito.

- Qual foi a pior coisa? - Minha curiosidade me fazia esquecer o sono e o cansaço que se apoderaram de mim de repente. Meu corpo estava dolorido como se tivesse corrido uma maratona sem ter se preparado antes.

- A pior coisa foi que não sabia se meu sacrifício havia sido em vão. - Ainda fitava o céu, com um sorriso triste se formando em seus lábios.

- Você havia se arrependido de ter se sacrificado? - Meu coração estava apertado novamente e parecia querer me sufocar.

- Não! - E virou o corpo de lado para me observar melhor. - Tinha medo de que meu coração não servisse ou não fosse o suficiente para trazer você de volta à vida. O meu único arrependimento foi ter cedido e deixado as trevas me usarem para te matar.

Notei em seus olhos um brilho triste e o aperto em meu coração se tornou quase insuportável. Novamente não sabia o que dizer e fiquei em silêncio, fitando seu rosto até que minha visão ficou embaçada. Quando pisquei, lágrimas escorreram pelo rosto e tentei me esconder dentro do saco de dormir. Zein ergueu minha cabeça com cuidado e enxugou as lágrimas com as costas da mão. Sua expressão estava preocupada e seus olhos assumiram de novo aquele brilho triste que havia notado antes.

- Desculpa... - sussurrei com um sorriso leve e me forcei a parar de chorar.

- Não é você quem precisa se desculpar. - Sua voz era suave, grave e terna, acredito que como uma tentativa de me acalmar.

- Você também não me deve desculpas. - Disse rapidamente, enquanto sentia que poderia manter minha voz firme.

A verdade é que fizera sim muitas coisas pelas quais teria que pedir perdão, mas para mim nada disso importava. Sabia que não foi ele quem fez todas as maldades no passado. Sabia que também já havia sofrido muito nas mãos de outras criaturas e tudo de que precisava era de alguém em quem confiar.

- Você sempre tenta ver o lado bom das pessoas, não é? - E se endireitou, sentando-se ao invés de deitar, recostando-se na árvore atrás de nós. Depois gesticulou para que me aproximasse. Arrumei-me ao lado dele e acabei me sentando também, ignorando os protestos do meu corpo exausto.

- Acho que sim. - Fitei qualquer coisa à minha frente. - Não consigo parar de tentar enxergar o bem em tudo e todos.

- Isso é uma qualidade incrível. - Pelo canto do olho notei que me observava sorrindo com uma expressão suave e... havia mais alguma coisa em seu olhar. Nada ruim. Era como um brilho especial... algo como uma criança observando a vitrine de uma loja de doces.

- Pode ser tanto uma qualidade quanto um defeito. - Suspirei e passei a fitar minhas mãos. Um longo tempo de silêncio se seguiu e só então percebi que devia ter interpretado meu comentário como uma espécie de indireta. Virei-me em sua direção e peguei delicadamente uma de suas mãos entre as minhas. Ele parou de encarar o chão para olhar nossas mãos juntas, depois passou a fitar meu rosto. - Não estava me referindo a você. O que quis dizer foi que...

- Está tudo bem. Não precisa me explicar nada. - E abriu um sorriso torto, seus olhos continuavam com aquele brilho especial que não conseguia identificar. Senti meu coração dar um pequeno salto e torci mentalmente para que não reparasse na tremedeira de minhas mãos. - Está tremendo. Você está com frio?

- Sim. Está frio. - Menti, sabendo que era impossível estar frio com o chão exalando aquelas ondas de calor por causa da lava presa abaixo da superfície. Ele me puxou mais para perto de si e me abraçou com cuidado. Encostei minha cabeça em seu ombro involuntariamente. Ele puxou mais o manto que ainda usava e que pertencera a ele.

- Melhorou? Sei que fantasmas não possuem muito calor próprio... na verdade, acho que não possuímos calor nenhum. Estou só piorando a situação, não é? - Ouvi-lo rindo, mesmo que de leve, me pareceu algo estranho e ao mesmo tempo reconfortante.

- Está bom assim. - Ajeitei-me para encontrar uma posição mais confortável e sorri ao virar o rosto para vê-lo melhor. Estava com seu medalhão, portanto, materializado.

- Você está cansada. É melhor descansar, creio que daqui a pouco vamos seguir viagem. - E depositou um beijo no alto da minha cabeça, me abraçando mais forte ao desejar boa noite.

Enquanto tentava dormir, após tê-lo respondido, minha mente voava em diversas direções me fazendo pensar sobre os mais variados assuntos. O assunto em que pensei por último, antes de apagar, foi em como passamos a ficar assim tão próximos após tanto tempo separados. Nossa relação não era assim antes de tudo aquilo com as feras noturnas acontecer.

Tinha medo, desconfiava dele, embora quisesse ajudá-lo, entretanto, agora me sentia... conectada a ele, sentia, de certa forma, como se tivéssemos sido amigos desde sempre e que poderia confiar nele apesar de tudo o que passou. Não consegui identificar em que ponto nossa relação deu esse giro, e foi pensando nisso que adormeci.

Não consegui ficar em paz essa noite. Não sonhei com Zein. Dessa vez, o pesadelo me guiou até a imagem de Ethan, que estava perdido com os outros do grupo que seguiu. O lugar em que estavam era sujo, úmido, escuro e através de suas sensações, percebi que possuía um mau odor também.

Árvores de porte médio, apresentando copas com galhos que se dobravam até formar espécies de ocas, estavam dispostas por sobre um solo enlameado e sujo com o que pareciam ser folhas em decomposição, água suja, terra escura e algo mais que preferi não tentar entender a origem. O lugar era quente e o ar parecia pesado.

Pude sentir que Ethan estava tenso e atento aos sons que ouvia. Parecia que algumas criaturas estavam batendo nos troncos das árvores com alguma coisa. Quando o som cessou, passou a ouvir o som de vários passos pesados, que pareciam fazer uma marcha na direção de onde estava com os outros do grupo. A atmosfera toda agora tinha um ar de tensão e medo. Alguma coisa se moveu à direita e pude ver quando algo parecido com uma tora de madeira voou em direção à ele. Acordei gritando e com o coração aos saltos, a respiração pesada e o corpo trêmulo.

- Alessia! O que houve? O que aconteceu? - Zein me segurava delicadamente pelos ombros e me olhava assustado e preocupado. Todos os outros já haviam acordado, estavam prontos para partir e me observavam com expressões preocupadas.

- Acho que... acho que tive uma espécie de visão ou algo do tipo. - Minha voz estava trêmula e busquei o olhar de Cristian. Talvez conseguisse decifrar o que estava sentindo e o que havia visto, mas não disse nada, ficou apenas me fitando com expressão séria. - Sonhei com Ethan e os outros. Alguma coisa os estava atacando. Era um lugar sujo, feio e fedido.

- O Pântano dos Trolls. - Ivy possuía uma expressão serena e nos observava enquanto falava. - Fica no caminho para a Aldeia dos Elfos. Devem ter se perdido um pouco ao seguir o Rio Das Águas Que Cantam.

- Por que acha que estão indo para a aldeia, Ivy? - Dahlie cruzou os braços em frente ao corpo.

- Leon é o Guerreiro Alfa dos Elfos. Provavelmente está indo buscar ajuda. - Ivy segurava as alças de sua mochila e observava nossos rostos atentamente. - Vamos atrás deles agora, Alessia?

- Sim! - Sentei-me de supetão, tentando me livrar do saco de dormir para poder levantar. Assim que consegui, agarrei minha mochila e a coloquei nas costas. - Estão todos prontos?

- Coma alguma coisa primeiro. - Ivy jogou uma fruta parecida com uma maçã em minha direção e a apanhei antes que caísse.

A fruta era de fato uma maçã, só era um pouco maior que o tamanho normal. Será que Ivy a retirou da mochila mágica? Seria seguro comer isso? Decidi me arriscar e devorei a fruta enquanto caminhávamos pela floresta, que aos poucos deixava de ser obscura e cheia de cinzas, tornando-se mais fechada e verde, com o ar limpo cheirando a flores e grama fresca.

Inspirei fundo aquele ar puro e senti como se meus pulmões estivessem sendo purificados. Durante nossa caminhada pelos quatro dias que se seguiram, tudo parecia calmo. Até que no quinto dia um tremor percorreu meu corpo e arregalei os olhos assustada.

- Eles passaram por aqui. - Ouvi minha voz como se estivesse em transe. Fitava o chão fixamente e abraçava meu próprio corpo. Não havia tido mais sonhos com o Ethan desde aquele último e estava me sentindo cada vez mais preocupada. O aperto em meu coração era quase insuportável. Zein se aproximou mais de mim e assim que colocou a mão sobre meu ombro pareci despertar.

- Como pode ter tanta certeza? - Dahlie questionou, curiosa.

- Está sentindo o Poder de Ethan no ar. - Ivy sorria levemente enquanto todos a observavam confusos. - Seu amigo tem poderes com o vento e por onde passa deixa um resquício de sua energia. Sei que vocês dois trocaram sangue e isso acabou por criar uma conexão entre vocês. Foi assim que teve aquela visão em seu sonho. Provavelmente foi real, não subestime nunca o poder de um sonho. Sua conexão estava um pouco, digamos, apagada por conta da nova ligação criada entre você e Zein, quando ele deu seu coração para te salvar. Mas, agora que você o reencontrou, não tem necessidade de usar a conexão para saber onde e como está.

- Então a conexão com o Ethan se reativou, já que você está longe e preocupada com o que deve estar passando. - Lewis completou o raciocínio de Ivy, o que a fez sorrir com aprovação.

- Aquilo que sonhei realmente está acontecendo com ele? - Quase gritei, sem conseguir controlar meu desespero ao recordar o tronco o atingindo.

- Já deve ter acontecido, Alessia. - Lewis me olhava preocupado. - Você sonhou já faz alguns dias... provavelmente aconteceu aquilo no momento em que você sonhava.

- Tenho como saber se está bem? - Tentei cerrar meus punhos para que meu corpo parasse de tremer, um bolo se formava em minha garganta e meu coração estava apertado no peito novamente. Zein me abraçou de lado e falou em voz baixa para que me acalmasse. Não sei o motivo, mas dessa vez a proximidade dele não me abalou como antes, minha mente estava focada apenas em Ethan e nos demais integrantes do grupo que o acompanhava.

- Infelizmente creio que só poderemos saber quando você adormecer de novo e sonhar. - Ivy me observava atenta enquanto pronunciava as palavras e me afastei um pouco de Zein para conseguir sustentar seu olhar. Deixei escapar um suspiro pesado e indiquei aos demais que deveríamos continuar a caminhada para tentar chegar o quanto antes ao Pântano dos Trolls.

O céu estava tomado por enormes nuvens cinza escuras e começávamos a considerar a possibilidade de chuva, porém nenhuma gota caiu durante todo o dia. Caminhamos até um pouco depois do cair da noite e agora as enormes nuvens haviam desaparecido e dado lugar a um céu bonito e estrelado, acompanhado por uma lua brilhante em pleno quarto crescente.

Cristian deu a ordem para que parássemos um pouco para descansar e se ofereceu para fazer a vigília. Zein se ofereceu para compartilhar o turno, a fim de que pudesse descansar. Todos os demais se ajeitaram e enquanto Zein começava a patrulha, Julie veio se deitar perto de mim. Logo depois Lewis a seguiu, deitou do outro lado e acabei ficando entre os dois.

- Alessia... nunca tive a chance de dizer isso antes, mas acho muito bonita a sua capacidade de tentar salvar sempre as pessoas. - Julie estava com os braços repousando sobre a barriga e fitava o céu, sorrindo. - Nunca fui boa com relações sociais. Acho que minha natureza de ninfa fez com que sempre esperasse o pior das pessoas.

- Obrigada pelo elogio, mas por que você acha isso sobre você?

Lewis estava em silêncio e fingia dormir, mas estava prestando atenção em nossa conversa.

- Nós, as ninfas, sempre fomos ensinadas a não confiar em ninguém. - Tinha uma expressão triste e o sorriso sumiu de seu rosto. - Isso porque, há muito tempo atrás, as ninfas eram tratadas pelas demais criaturas como objetos, como armas ou como instrumentos musicais. - Não queria interrompê-la, mas fiquei imaginando o quão horrível isso deveria ser. - Ao longo dos séculos algumas coisas mudaram, mas as ninfas continuavam sendo escravizadas e usadas pelas classes mais poderosas: os vampiros, os bruxos e os feiticeiros, como se não fossem nada importante, como se não tivessem sentimentos ou necessidades.

- Sinto muito por isso... - segurei uma de suas mãos e a apertei de leve. Percebi que seus olhos brilhavam com lágrimas contidas e que se recusava a olhar para mim.

- Demorei muito para voltar a confiar nas pessoas depois daquela terrível lavagem cerebral que sofri por causa dessa história. - Continuou com a voz mais firme e as lágrimas desaparecendo aos poucos. - Fui rejeitada por não querer me vingar e controlar criaturas por diversão, como as demais ninfas faziam. Encontrei apoio em criaturas de outras classes e, ironicamente, fiquei amiga de Cameron, Lewis, Ethan, Camilla e Noah. Não me importei que Cameron e Camilla fossem bruxos, ou que Noah fosse meio vampiro, mas não conseguia suportar a presença de Ethan e constantemente brigávamos. Nunca consegui aceitar vampiros ao meu redor, talvez porque de todas as classes, os vampiros eram os que mais se aproveitavam das ninfas.

- Acho que consigo imaginar isso... vampiros não têm uma boa reputação no mundo humano, com o pouco que sabemos sobre eles e sua existência. - Soltei a mão dela e passei a observar o céu também.

- Nunca acreditei que Ethan se tornaria alguém do bem depois de ter trabalhado para Leslie. Para mim, não passava de um canalha manipulador. - Sua expressão estava sombria. - Também nunca confiei que Zein fosse mudar.

- Aonde quer chegar com isso Julie? - Senti-me confusa e irritada por insultá-los assim. Tinha consciência de que não fazia ideia do que ela e sua espécie haviam passado de fato, mas não poderia deixar que continuasse a ofendê-los.

- Quero dizer que você foi capaz de mudá-los. - Julie agora havia desviado a atenção do céu e me olhava sorrindo. - Você foi capaz de mostrar para mim que as pessoas podem sim ser salvas das trevas se você der a elas um pouco de amor e confiança. Apesar de antes ter tentado acreditar nisso, nunca havia tido um exemplo real. Além do mais, se tornou nossa amiga em circunstâncias que permanecer escondida seria muito melhor. Nos aceitou sem nos conhecer e ainda confiou a nós sua própria vida.

Comecei a me sentir sem graça o que falava, mas quando tentei interrompê-la, me cortou e voltou a falar.

- Alguns diriam que você foi imprudente, mas sei que você confiou em nós porque sentia que poderia fazer isso e nunca tinha visto alguém confiar em mim dessa forma. Era amiga deles, mas ainda não confiava completamente neles e mesmo que tivéssemos passado por diversas situações juntos, não sentia que confiavam em mim. Nosso grupo era unido, mas havia certos limites nessa união. Quando você chegou, esses limites deixaram de existir e todos estavam focados em um único propósito: não deixar que a machucassem.

Tentei interrompê-la de novo, mas Lewis fez isso por mim, desistindo de fingir que estava dormindo.

- O que Julie está tentando te contar Alessia, é que você foi como um ponto de luz quando chegou. - E sorriu quando me virei para fitá-lo. - Lembra que nosso grupo estava meio inativo até você chegar? Não tínhamos esperança de vencer a suposta guerra que se formava até você chegar. Todos nós pudemos sentir em você uma espécie de poder forte e diferente, mas ninguém podia dizer nada até saber se você iria sobreviver à transformação e aceitar todas as mudanças em sua vida sem enlouquecer.

- Estava se formando uma guerra?

- Sim. Antes, contra a Rainha Antonieta, e agora, contra Leslie. Todos os fundadores concordaram que você é tão poderosa quanto eles e que, se todos trabalharmos juntos, conseguiremos derrotar Leslie e o Poder das Trevas de maneira definitiva. - Lewis explicou com o tom de voz calmo e tornou a observar o céu. Fiz o mesmo e pelo canto do olho percebi que Julie também estava observando as estrelas.

- Obrigada por ser minha amiga e por ter aceitado nos proteger. - Julie falou depois de um longo tempo em silêncio. - Você não tinha obrigação nenhuma de fazer isso, mas mesmo assim aceitou fazer.

- Eu é que fico muito grata por ter conhecido todos vocês. - Não percebi que estava chorando, até quando as lágrimas turvaram minha visão. - Me sinto honrada por ter todo esse poder e por ter a chance de fazer algo especial por esse mundo que sempre sonhei existir. Adoraria que se tornasse um lugar tranquilo e seguro para viver. Todos vocês merecem isso, depois de tantos infortúnios que aconteceram ao longo de toda a história.

- Não chore... - Lewis se aproximou de mim e me envolveu em um meio abraço, Julie se juntou a ele e fiz o possível para conseguir abraçá-los também. - Vamos dormir, amanhã precisamos continuar a nossa jornada e você precisa estar descansada tanto fisicamente quanto psicologicamente.

- Ele está certo Alessia. Boa noite. - Ambos soltaram o abraço, mas não se afastaram de mim. Desejei "boa noite" a eles e fechei os olhos após secar as últimas lágrimas que insistiam em escorrer pelo meu rosto. Havia esquecido que ao dormir poderia vir a sonhar com Ethan de novo e, por isso, quando o sonho teve início, senti meus pensamentos bagunçados e confusos.

Não conseguia ver nada dessa vez, mas podia sentir e ouvir como quando sonhava com Zein. Aquele barulho de coisas batendo na madeira estava de volta, havia vozes graves e altas discutindo alguma coisa que não conseguia compreender. Sentia minha mente atordoada e minha cabeça doía, mas não mais que meus ombros e costas e principalmente a região das costelas.

Havia novamente aquele cheiro fétido de coisas em decomposição misturado a um odor que parecia se assemelhar ao de esgoto. Minha garganta estava seca e ardia, minha língua estava áspera e senti o corpo fraco. Alguma espécie de tecido áspero cobria meu corpo e parecia que haviam tirado minhas roupas e deixado apenas esse tecido que era capaz de sentir por toda a pele exposta.

Tentei abrir os olhos e senti-me frustrada por não conseguir, depois tudo ficou em silêncio novamente e só voltei a ter consciência quando acordei assustada no dia seguinte. Lewis chamava meu nome, ajoelhado ao meu lado. Julie chacoalhava meus ombros de leve para me acordar e Zein me observava em pé, com uma expressão preocupada.

- Sonhei com o Ethan de novo. - Minha voz soava baixa e me sentia tonta, tentei me sentar e com algum esforço consegui. - Eu era ele, ou sentia e ouvia o mesmo que ele. Está machucado, deitado em algum lugar. Acho que o grupo parou no pântano, ainda estão por lá.

- Ainda estão lá? Isso é estranho. - Ivy se aproximou de nós com os braços cruzados sobre o peito e com a confusão estampada no rosto. - Já deveriam ter seguido viagem.

- O que você acha que isso quer dizer? - Não consegui disfarçar o desespero, que transpareceu em minha voz. Já havia conseguido levantar e Julie guardou o saco de dormir na mochila para mim.

- Eu não sei. Sinto muito, Alessia. Precisamos continuar e.... - Ivy foi interrompida por Cristian, que olhava assustava em direção a Dahlie. A druidisa estava sentada no chão, numa posição desajeitada de meditação, e possuía o olhar vidrado com o corpo sofrendo pequenos tremores.

- Dahlie está tendo algum tipo de visão!

- Está recebendo uma mensagem do grupo de Leon! -Ivy correu até eles e nós a seguimos. - Fique calmo!

Dahlie permaneceu naquele mesmo estado por alguns minutos e quando voltou a si acabou desmaiando. Após meia hora que havia desmaiado, concordamos que não poderíamos mais esperar, por isso, Cristian a pegou no colo e tornamos a seguir nosso caminho em direção ao Pântano dos Trolls, com Ivy e Lewis nos guiando.

Finalmente chegamos ao rio das águas que cantam. O ar estava mais fresco e limpo que antes e todos pareceram reparar essa mudança. O chão não estava mais quente e agora era repleto de pedrinhas redondas e achatadas, de superfície lisa e fria. A temperatura havia caído de repente e perto do rio soprava apenas uma leve brisa fresca.

Paramos para descansar quando o sol se punha e todos puderam aproveitar a água do rio para se refrescar e se limpar. A água era limpa e cristalina, mas também era muito gelada e isso me fez sentir saudade das banheiras do castelo de Magic. Cristian teve a ideia de utilizar a água do rio para tentar acordar Dahlie e quando despejou um pouco na parte superior de sua cabeça, ela despertou tão rápido que quase o fez derrubar o cantil.

- O grupo se separou novamente! - A voz dela soava urgente e estava mais aguda que o normal. Respirava rapidamente e agitava as mãos no ar enquanto falava. - Abandonaram o garoto vampiro no pântano e seguiram para a aldeia sem ele. O garoto está fraco, não bebe sangue a muito tempo e não tem condições de curar o ferimento. Precisamos nos apressar!

Dahlie desacelerou de repente e voltou a desmaiar, passando em seguida para um sono profundo. Cristian tinha uma expressão preocupada no rosto enquanto ajeitava o corpo dela no saco de dormir. Noah e Julie pararam de tentar acender a fogueira que montaram com feitiços. Ivy estava mais próxima a mim e era a única que parecia estar calma. Lewis e Ruy haviam saído para fazer a patrulha da área e Zein estava com a mesma expressão assustada que eu.

- Alessia. - Ivy chamou meu nome com sua voz serena e me virei devagar para encará-la. - Fique calma, está bem?

- Calma? Como pode ficar calma? Ouvi histórias terríveis sobre os Trolls! Eles jamais irão perdoar um prisioneiro! Principalmente um vampiro! Trolls odeiam os vampiros por causa da Grande Guerra! Os vampiros traíram os Trolls, não se lembram? - Julie parecia irritada com Ivy por me pedir para ficar calma. Noah segurou o braço dela delicadamente e lançou-lhe um olhar sério.

- Essas coisas realmente aconteceram, mas nem todas as tribos de Trolls odeiam os vampiros. Há tribos pacifistas e nossos amigos podem ter encontrado uma dessas. - Noah disse calmamente e sorriu ao dirigir o olhar para mim.

- Se a tribo fosse pacifista, por que teriam atacado? - A lembrança do primeiro sonho que tive retornou a minha mente e senti um tremor percorrer meu corpo, minha voz se tornou mais urgente. - Precisamos atravessar o rio e seguir viagem imediatamente! Ivy, por favor, não podemos continuar aqui parados!

- Ela tem razão Ivy. - Cristian se levantou e veio até nós. - Alessia, assim que Dahlie acordar seguiremos viagem e só vamos parar quando não aguentarmos mais andar.

- Não podemos fazer isso. - Zein havia se juntado a nós na discussão. - Se não aguentarmos mais andar, como vamos lutar? Se esses Trolls não forem da tribo da paz teremos que lutar. Será arriscado demais seguirmos direto.

- Zein está certo. - Senti meus ombros caírem e meu coração se contrair, mas minha consciência dizia que a coisa certa a fazer era seguir o mais rápido possível, parando para descansar um pouco também. Sabia que meu corpo não seria capaz de aguentar essa viagem ao pântano sem descanso e ainda por cima lutar e doar sangue ao Ethan. - Vamos seguir o mais rápido possível, mas também iremos fazer pausas para descansar.

Todos concordaram que seria melhor assim e que seria melhor dormirmos agora. Não conseguia nem pensar em deitar, por isso segui até a margem do rio e fiquei observando as águas correndo. Minha mente me guiou aos meus últimos sonhos e me encolhi, abraçando os joelhos. Não queria ficar pensando nisso agora. Estava com medo de que minhas escolhas tivessem colocado Ethan em perigo, embora outra parte do meu subconsciente insistisse em dizer que foi ele quem escolheu seguir com Leon. Zein veio sentar ao meu lado após um tempo.

- Não se preocupe. Ele vai ficar bem.

- Não tenho tanta certeza. Realmente não bebe sangue há algum tempo e... - lágrimas estavam turvando minha visão ao pensar que poderia morrer naquele lugar horrível.

- Talvez devesse ter seguido a missão e me deixado no Vale da Morte. - Zein também fitava o rio, mas sua expressão era como uma máscara para mim naquele momento. - Você já fez muito por mim. Não precisava ter ido atrás de mim de novo para me resgatar.

- Só fiz o que achei certo. Não me arrependo de tê-lo resgatado e preciso da sua ajuda também. - Procurei evitar encará-lo e permaneci olhando as águas do rio, que se tornaram escuras com o cair da noite. - Você é poderoso e precisamos de criaturas assim nessa missão. Vamos enfrentar Leslie, que está sob o controle das trevas.

- Antes diria que foi uma péssima ideia tentar me fazer lutar contra as trevas... -observei sua expressão pelo canto do olho e vi que sorria. - Só que agora sinto que não podem mais tomar conta de mim. Não as quero. Não preciso delas. Tenho você e sua amizade é suficiente para me manter do lado do bem.

"Alessia... Você conseguiu! Sabíamos que conseguiria"! A voz das Sombras me assustou quando começou a sussurrar em minha mente de repente. "Estamos muito gratas".

"Oh! Olá! Fico contente por ter conseguido ajudar". E sorri feliz por ter conseguido cumprir pelo menos uma de minhas missões. "Isso é um adeus?"

"Não. Não podemos abandonar um Mestre assim. Você ainda é nossa Mestra e pode nos ordenar a protegê-lo, como fazemos com você."

"Posso ordenar isso para qualquer um de meus amigos?" Minha mente me guiou imediatamente aos sonhos com o Ethan.

"Perdão, nos expressamos mal. Você pode transferir seu poder temporariamente apenas para ele, já que também já foi nosso mestre."

"Entendi." Não pude disfarçar a decepção.

- Alessia? Alessia, está tudo bem? - Zein me olhava preocupado e estalava os dedos próximo ao meu rosto. Só nesse momento percebi que o havia deixado falando sozinho.

- Estou. - Chacoalhei a cabeça de leve e sorri para ele. - As sombras estavam conversando comigo e disseram que você pode voltar a controlá-las temporariamente se eu permitir.

- Elas... disseram isso mesmo? Senti falta da companhia delas. - O sorriso que me lançou era sincero e seu olhar demonstrava que realmente sentia saudade.

- Sim. Sombras... podem ficar com ele, por enquanto. - Falei um pouco mais alto, observando a escuridão ao nosso redor e, no mesmo instante, uma névoa escura, mesclando roxo e cinza, se aproximou de nós dois e nos envolveu.

- Olá, minhas amigas. - Zein sorria e fazia movimentos com as mãos como se as afagasse. - Obrigado, Alessia.

Ruy retornou de sua patrulha no momento que a névoa nos envolvia e investiu contra a fumaça ao nosso redor. No mesmo instante me levantei e expliquei o que estava acontecendo. Ele pareceu compreender e se desculpou. Zein se ofereceu para terminar a patrulha e o incentivou a descansar um pouco. Ele aceitou e foi se deitar em um canto de nosso improvisado acampamento.

Peguei minha mochila e estendi o saco de dormir ao lado da margem do rio. Deitei-me e procurei uma posição confortável, depois voltei a observar as águas e tentei guiar meus pensamentos para outros problemas. Como faríamos para atravessar o rio? Lewis, Ruy, Cristian, Julie e Zein poderiam voar por sobre as águas, mas como faríamos com Noah, Dahlie, Ivy e eu? Zein poderia usar as Sombras e pedir que virassem um pássaro, assim poderiam carregar a mim. Ruy poderia carregar Noah e Dahlie em suas costas e Julie poderia carregar Ivy com ela... seria uma excelente solução. Acabei adormecendo inventando soluções para atravessar o rio e seguir mais rápido pela floresta.

O sonho foi quase como uma repetição do anterior. Ethan estava deitado em uma cama com um lençol áspero e sabia disso porque era capaz de sentir e ouvir o que conseguia também. O cheiro ainda era de podridão. O lugar era quente e úmido e o seu corpo ainda doía, nos mesmos pontos de antes. Estava se sentindo frustrado e irritado, mas também havia mágoa e tristeza. Pude notar a garganta ardendo e a língua áspera, que eram resultado dos dias que ficou sem beber sangue. Acordei assustada quando tentou gritar ao notar que alguém entrava no lugar onde estava.

- Outro sonho? - Ivy estava ao meu lado e me fitava com um sorriso triste no rosto, sua expressão demonstrando compreensão. Assenti e me entregou um cantil para que bebesse um pouco da água. - Acho que vai ficar feliz em saber que Dahlie acordou e podemos prosseguir imediatamente.

Recolhemos as coisas que havíamos espalhado pela margem do rio e limpamos os restos da fogueira que Julie e Noah fizeram. Depois que todos já haviam se alimentado e estavam com as mochilas nas costas, lhes apresentei o plano que fiz na noite anterior para atravessarmos o rio. Todos concordaram e quando fomos colocá-lo em prática tivemos uma surpresa: ninguém estava conseguindo voar.

Enquanto todos se envolviam em discussões e tentavam entender o que os estava impedindo de voar, me aproximei do rio e notei uma sombra comprida na água. Observei atentamente por um tempo e logo uma cabeça feminina apareceu na superfície. Seus cabelos eram longos, ondulados e loiros, sua pele era de um tom perolado de branco e seus olhos azuis possuíam uma expressão fria, sua boca exibia um sorriso maldoso.

- Quem é você? - Perguntamos as duas ao mesmo tempo. Todos pararam de falar e voltaram sua atenção para as águas.

- Uma sereia! - Noah se aproximou da água e encarou a criatura, parecendo analisá-la.

- Sim, sou uma sereia. - A criatura falou de forma agressiva. - E vocês não vão atravessar o meu rio voando. - A sereia riu e mergulhou, desaparecendo de nosso campo de visão. Assim que sumiu, a água passou a se agitar ainda mais e conforme batia nas pedras parecia formar uma espécie de canto que era ecoado por uma voz surgida das profundezas das águas.

- Temos que tapar os ouvidos? - Rapidamente me mantive alerta nas expressões dos homens que nos acompanhavam, com medo de que as lendas que ouvi em meu mundo fossem verdadeiras.

- Não será necessário, Alessia. - Cristian sorriu ao me explicar que a sereia não estava cantando com a intenção de seduzir nenhum de nós, estava apenas fazendo uma espécie de canto da vitória por pensar que tinha nos feito desistir.

- O que faremos agora? - Sentia-me aflita por pensar que demoraríamos mais ainda para chegar até o Ethan. Estava tentando ao máximo me manter forte, mas meu coração parecia se contrair cada vez mais e era difícil lutar contra as lágrimas.

- Vamos usar magia e construir uma ponte. - Ivy cruzou os braços em frente ao corpo e estava tão decidia que não a questionamos. - Vou construir vigas de gelo nas águas do rio através de meu Poder. Noah, use seu Poder para criar toras de madeira e conjure cipós para segurá-las juntas. Cristian, Lewis e Zein, assumam sua forma física com seus medalhões para não irritar a sereia. Lewis, preciso que tente acalmar a água, já que é o seu Poder. Dahlie, auxilie a travessia do Ruy e não deixe que se desequilibre. Alessia e Julie, conjurem um feitiço de proteção para que a sereia não possa nos atacar.

- Como faço um feitiço de proteção?

- Eu te ensino. - Julie se dirigiu até mim rapidamente e me disse as três palavras necessárias para conjurar o feitiço. - Você também precisará manter sua mente focada em quem quer proteger enquanto conjura o feitiço. Mantenha sua voz firme e seus olhos fechados.

Todos pareciam preparados para seguir as ordens de Ivy e não pude deixar de admirá-la por arranjar uma solução tão rápida enquanto os outros estavam apenas digerindo a ideia de que não poderiam atravessar voando.

Lewis conjurou o feitiço e acalmou a água com as seguintes palavras: Gelidus in Puritates et Aquam. O feitiço de Ivy foi algo como: Pontem Glacies, e logo enormes vigas de gelo surgiram ao longo do rio até a outra margem. Noah conjurou as toras e os cipós após invocar o Poder da Natureza, dizendo: Invocato Dei Terrae Placant.

Ivy estava envolta por uma espécie de brilho azul celeste, Noah estava com o mesmo tipo de brilho, mas em um tom de verde e Lewis estava brilhando num tom de azul mais escuro. Quando Julie e eu invocamos o feitiço de proteção: Prasidium Illorum Propé, a atmosfera ao redor de nós e de todas as criaturas de nosso grupo parecia envolta em uma cúpula brilhante de coloração lilás.

Ivy nos parabenizou por conseguir realizar os feitiços e nos incentivou a atravessar a ponte que foi construída. Confesso que fiquei com medo enquanto pisava nas toras de madeira, mas sabia que podia confiar em meus amigos e que jamais nos deixariam cair cessando o feitiço de repente. Por isso, também me esforcei para manter o feitiço de proteção enquanto atravessávamos.

Quando todos conseguiram pisar na margem do outro lado, a sereia tornou a aparecer e parecia aborrecida. Quando ia começar a cantar, Dahlie lançou um feitiço rápido e parecia que os lábios da sereia ficaram colados um ao outro. A criatura entrou em desespero e sumiu nas águas novamente.

Seguimos caminhando pelo resto do dia e Ivy nos informou que estávamos chegando perto, mas quando pedi para continuarmos, negou e disse que era melhor pararmos para descansar um pouco. Lewis e Cristian se ofereceram para fazer a ronda, portanto, Zein estava livre essa noite e veio deitar-se ao meu lado.

- Como estão você e as Sombras? - Perguntei, virando-me de lado e sorrindo. Não sabia porquê, mas todo o nervoso que sentia perto dele começou a desaparecer aos poucos e percebi que não precisava me sentir assim, não era mais um vampiro, afinal.

- Bem. - E riu ao virar o corpo de lado para ficar de frente para mim. - São ótimas companheiras e dessa vez prometi que não as trocaria por suas irmãs. As Trevas pareceram perder o interesse em mim.

- Isso é ótimo. Gosto que as Sombras possam cuidar de você como sempre fizeram, isso me deixa mais tranquila.

- Dessa vez, sei que tenho motivos para não deixar as Trevas se aproximarem. - E sorriu. - Antes, quando você me conheceu, já haviam se apoderado de parte de mim e ficou mais difícil lutar para afastá-las. Agora tenho você, uma amiga para me ancorar caso tornem a se aproximar de mim, e não deixarei isso acontecer de novo.

- As Sombras também são suas amigas e tenho certeza que Lewis, Julie e os demais também são.

- Eu sei, Alessia, mas você ainda é diferente. Você apresentou uma coisa para mim que não me recordava conhecer. - Seu sorriso se tornou tímido.

-Ah... bem... o que exatamente você está querendo dizer? - Senti meu próprio rosto corar e o observei ansiosa e preocupada.

- Você me apresentou o amor e a compaixão. Você quis me ajudar mesmo depois de tudo que soube sobre mim e de tudo que fiz a você. Acho que acabei me apaixonando por você... - nesse momento, segurou uma de minhas mãos e não consegui desviar o olhar do dele. - No entanto, quando dei meu coração a você, sabia que seria impossível ficarmos juntos.

- Impossível? - Minha expressão agora era confusa e finalmente havia me recuperado do choque.

- Sim. Primeiro, porque pensei que me tornaria pó de estrelas. Segundo, porque, dizem as leis da magia, que quando alguém doa o seu coração para outra criatura e consegue sobreviver a isso, está permanentemente proibido de amar essa pessoa. - Seu olhar estava triste assim como seu sorriso leve.

- Ah. Então... você deixa de amar a pessoa?

- Não. Ainda amo você, mas se quiser que fique bem e que não haja rejeição ao feitiço, preciso me manter apenas como seu amigo.

- Então, por que me disse tudo isso? Não seria mais fácil omitir?

- Sim, seria. Só que eu quis ser sincero. Queria que você soubesse que ainda te amo apesar de tudo, mas que vou me contentar em ser apenas seu amigo. Nunca poderíamos completar nossa união. Você morreria se fizéssemos isso. - Havia parado de sorrir e me olhava de forma intensa, a expressão séria.

- Você quer dizer que não poderíamos nos casar?

- Quase isso. As criaturas, quando se casam, unem suas almas em uma só e nós não poderíamos fazer isso.

- Bem... saiba que também amo você. Antes não queria admitir isso, mas quando você "morreu", uma amiga minha me aconselhou a admitir que o amei e tentar dar uma nova chance ao amor... foi o que fiz, e, durante esse tempo, eu e o Ethan nos aproximamos mais. Ele me mostrou um lado que ninguém conhecia e... - suspirei e tentei me manter firme. - Desculpa por dizer isso, mas preciso ser sincera com você também. Ainda o amo, mas estou com o Ethan agora e.... A verdade é que sempre vai ter um pedaço de mim que te ama e isso não é só porque me deu seu coração, já o amava antes. Só que... o Ethan ficou ao meu lado todo esse tempo e conseguiu conquistar meu amor também, principalmente depois que achei que você tivesse morrido.

- Entendo perfeitamente. Não precisa se desculpar e imaginei que isso aconteceria quando ordenei ao Ethan que cuidasse bem de você.

- Você fez o quê? - Agora não consegui mais disfarçar a incredulidade.

- Antes de te entregar meu coração, fiz ele prometer que cuidaria bem de você. Pareceu confuso no momento, mas aceitou meu pedido. - Zein sorria e agora encarava o céu, provavelmente lembrando-se da cena.

- Você ainda será capaz de encontrar alguém para você. - Segurei a mão dele com firmeza e a apertei levemente. - Você é uma pessoa adorável. Não há como não gostar de você, principalmente agora que as trevas o deixaram em paz. Entendo que não possamos ficar juntos e aceito isso. Acho que já havia me acostumado com essa ideia quando pensei que você estivesse morto.

- Não quero outra pessoa. Vou continuar ao seu lado como seu amigo e isso terá que ser suficiente. - Devolveu o aperto em minha mão e seu sorriso se tornou terno.

- Tudo bem. Sinto muito por tudo isso.

- Você não precisa sentir muito por nada, Alessia. Estou bem. Continue sua vida e procure mesmo dar uma nova chance ao amor.

- Tudo bem. Eu prometo. - Levantei-me de onde estava e o abracei forte.

- Amigos? - Sussurrou após se recuperar do susto e me abraçar também.

- Amigos. - Sorri e me afastei, voltando ao meu saco de dormir. - Boa noite.

- Boa noite.

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