Capítulo 17

Minha cabeça doía com o choque que aquela visão me causou e observei tudo ao meu redor com calma e atenção. Meu coração estava disparado e meu sangue fervia nas veias. Não queria entregar a pedra à Leslie, porque não queria que meus amigos morressem.

As Sombras tinham razão. Estava fazendo aquilo por puro egoísmo e tinha certeza de que morreriam de qualquer forma, só não queria ser a responsável por suas mortes. Mas, se não havia mesmo como salvá-los, por que deveria tentar fazer alguma coisa?

— O que está esperando, Humana? Um convite? — Leslie batia um dos pés no chão, impaciente.

— Não. — Não faço ideia de como consegui encontrar minha voz, nem de onde tirei força e coragem para continuar a andar em sua direção.

Conforme me aproximava, as coisas passaram a acontecer exatamente como havia visto na visão e o pânico começou a tomar conta de mim. Tentei desesperadamente controlar as lágrimas que queriam escapar. Senti quando o Poder da Alma me envolveu e, de repente, me sentia mais calma e forte do que realmente estava.

"Obrigada."

— Ande logo! — Leslie segurou a espada com mais força e Ária havia acabado de sair de seu posto para lutar novamente contra meus amigos, que haviam acordado.

Apressei meu passo e mantive minha expressão neutra. Cada passo que dava parecia me levar para um abismo de solidão e tristeza, mas com a ajuda da Alma isso não parecia me abalar muito.

Subi os cinco degraus que levavam ao patamar do trono e evitei cruzar meu olhar com o de Ethan enquanto fazia isso. Cheguei ao topo e comecei a retirar o anel do dedo, enquanto dava os sete passos que me levariam até o meu destino.

Tirei o anel e finalmente me permiti olhar na direção de Ethan, que também me observava. Sua expressão era um misto de decepção, medo e tristeza, não sei se por sua morte eminente ou pelo que estava prestes a fazer.

— Não... faça... isso. — Ainda conseguiu sussurrar, antes das Trevas o apertarem ainda mais fazendo com que engasgasse.

— Te amo. — Sussurrei devagar, sem emitir qualquer som, e antes que Leslie se adiantasse para pegar o anel, ergui minha voz novamente. — Strenus Cetrum!

O que aconteceu a seguir me deixou mais perplexa do que nunca. O anel que segurava começou a brilhar tão forte quanto a luz do sol e todos no salão foram obrigados a fechar os olhos, inclusive Leslie, que também gritou por causa da quantidade de luz.

Senti o anel estalar e se alongar na minha mão. Seu peso aumentou e, quando o brilho finalmente cessou, abri os olhos sem conseguir acreditar no que estava vendo.

No lugar do anel estava um cetro longo, feito do que parecia ser ouro branco, todo entalhado com os símbolos do que deduzi serem os Poderes. Na ponta, estava a Pedra multicolorida protegida por uma espécie de prisma transparente e afiado. Não sei como nem porque, mas sabia exatamente o que fazer.

Aproveitei que Leslie ainda estava atordoada pela explosão brilhante e ajeitei o cetro em minhas mãos, ajeitei meus pés para me firmar e enfiei o cetro no coração dela.

Minha respiração estava atrapalhada e não percebi que havia fechado os olhos até ser obrigada a abri-los outra vez com os gritos que explodiram no salão. De todas as vozes, apenas duas se destacaram.

— NÃO! SUA HUMANA NOJENTA! — Essa era a voz de Ária, que, apesar de ter gritado, ainda parecia chocada com o que havia acontecido.

— ALESSIA! CUIDADO! — Ethan havia se jogado em cima de mim, derrubando nós dois e fazendo com que rolássemos os cinco degraus até o piso do salão.

Assim que me recuperei, percebi que havia acabado de me salvar de um ataque das Trevas, que se reerguiam para nos atacar outra vez.

— Levante! Consegue se levantar? — Já havia me erguido, mas ele continuava deitado. Notei o rastro e a poça de sangue que nos seguia até onde estávamos, havia me esquecido da flechada que levou. — Tudo bem. Esqueça! Vou proteger você!

— NÃO! — Ivy arfava de dor e permanecia deitada no chão, também com uma poça de sangue se formando ao seu redor. — ÁRIA. MATE-A!

— Alessia, faça o que ela está mandando! — Ethan tocou meu tornozelo meio desajeitadamente e tive que fazer o possível para voltar a raciocinar direito outra vez.

"Vento, cuide dele por mim, por favor. Alma, preciso que proteja os fantasmas do exorcismo." Senti quando os Poderes assentiram e partiram para cumprir suas funções.

Corri até Ária, que já esperava meu ataque, portanto, fui obrigada a me esquivar de diversos feitiços lançados contra mim. Usei o fogo para cercá-la pelos lados e nos isolar do restante da batalha, assim não poderia fazer reféns.

O Poder da Água juntamente com o do Raio foram responsáveis por impedir que escapasse pelo alto e as Sombras, em forma de névoa, cobriram o chão.

— Decidiu fazer uma pequena arena de batalha, é? — E riu como se tivesse feito a piada mais engraçado do mundo. Não conseguia me enganar, era perceptível que estava com medo.

— Fico realmente muito triste por isso ter que acabar assim... — achei melhor dizer logo as palavras que meu coração parecia querer gritar. Jamais pensei que a pessoa que me salvou quando cheguei nesse lugar, seria a mesma que conspiraria para a minha morte.

— Realmente atuei muito bem, não é? Enganei até o idiota do meu afilhado. — E gargalhou novamente como se tivesse dito algo engraçado. Percebi a névoa das Trevas se esgueirando através do fogo e a envolvendo, se apoderando e dando-lhe poder.

— Como pôde usá-lo assim?

— Simples. Precisava que alguém testasse os humanos que chegassem para descobrir se algum era o da profecia.

— Profecia?

— Ah, tenha dó! Vai dizer que ainda não se tocou de que você é "a escolhida" e aquele blábláblá todo? Os Poderes já devem ter contado à você! — E cruzou os braços em frente ao corpo, demonstrando irritação e impaciência.

— Entendi.... Certo, talvez isso não me surpreenda. — Tentei demonstrar indiferença dando de ombros.

— Não precisa tentar me enganar. Sei que está com medo. — E sorriu maldosa. — Típico de humanos. São covardes.

— Talvez sejam... — tentei controlar minha raiva, mas a verdade é que não me sentia irritada por me chamar de covarde e sim por ter enganado todo mundo esse tempo todo. Inclusive o próprio afilhado. — Pelo menos, não sou uma cobra manipuladora e sem caráter.

— Ora, sua... — Ária investiu em minha direção e sua espada de Trevas apareceu outra vez em suas mãos.

Firmei o cetro e por um milagre consegui defender seus ataques. Algo me dizia que só conseguia fazer isso porque estava sendo controlada pela raiva e pelas Trevas do seu coração.

Ária conseguiu me atingir algumas vezes quando as Trevas se apoderaram de vez dela. Pareceu que antes estava lutando contra um ratinho e agora, contra um leão. Conseguiu atingir minha perna direita, a lateral do meu corpo, meus braços e meu rosto, mas nesse último lugar foi só de raspão.

Continuei mais desviando do que atacando, esperando que se cansasse, mas isso não aconteceu, pois quem a controlava agora eram as Trevas, não mais ela mesma. Por outro lado, estava me sentindo exausta e com minhas energias sendo sugadas tanto por mim quando pelos Poderes. Seria difícil aguentar por muito mais tempo.

"Alessia, vamos ajudá-la." Senti quando as Sombras se retraíram e voltaram para mim, me envolvendo por completo.

"O que estão fazendo?"

"Não se preocupe. Te daremos a energia necessária para atacar Ária e acabar com isso de uma vez."

— O que foi, Humana? Está ficando cansada? — E investiu outra vez, se movendo como se seu corpo fosse líquido. Não consegui disfarçar meu susto ao ver uma coisa como essa.

— Não. Você está? — As Sombras cumpriram o que haviam dito e senti-me cheia de energia outra vez.

Como fizeram isso? Não importa. É agora ou nunca. Aproveitei a força que as Sombras haviam me dado e milagrosamente passei a me mover extremamente rápido, até para os padrões de criaturas mágicas.

Meus golpes atingiam o corpo físico de Ária e diretamente o Poder que a controlava, que chiava de dor a cada ataque. Percebi a Pedra no topo do cetro mudar de cor conforme os Poderes se uniam para atacar sem que precisasse evocar os feitiços. Aproveitei uma abertura e enfiei o cetro no coração de Ária, assim como havia feito com Leslie....

Acabou.

Uma densa névoa ainda pairava sobre nós e me senti completamente confusa. Corri para perto de Ivy, Leon e os demais. Ivy estava deitada no colo de Leon, que parecia realmente descontente com alguma coisa.

— Ivy! O que fiz de errado? Por que as Trevas não sumiram? Tinha que fazer algum feitiço especial? — Ajoelhei ao seu lado, que se esforçou para pegar uma de minhas mãos.

— Não... não precisava fazer nenhum feitiço, Alessia. Você precisa... precisa me matar também.

O quê? Não! Não vou fazer isso! Não posso! — Apertei sua mão com força e a encarei, assustada.

— Alessia.... Preste atenção: a profecia dos Poderes dizia que a Humana Híbrida mataria as três Irmãs das Trevas. Sou a terceira irmã. Precisa me matar antes que as Trevas se apoderem de mim. Tenho certeza de que não se deixarão abater tão facilmente pela terceira vez. Por favor, esse é o meu destino. Já sabia que isso iria acontecer.

— E por que deixou que acontecesse? — Meu coração estava disparado e minha visão estava borrada pelas lágrimas.

— Fiz quase a mesma escolha que você teve que fazer agora há pouco... — e sorriu de leve. — Faça isso logo, antes que morra pelo ferimento e vá para o Vale da Morte. Precisa me matar com o cetro.

— Está bem. — Suspirei, sentindo que meu coração pesava e lágrimas escorriam em uma enxurrada de tristeza. — Sinto muito por isso e obrigada por tudo. Sempre nos lembraremos de você.

— Não sinta. E seja bem-vinda ao nosso mundo, Alessia, a primeira Humana Híbrida a se tornar definitivamente uma criatura mágica.

— Não sou a primeira, sua mãe também....

— Ela não sobreviveu por tempo suficiente para se transformar por completo. Cedeu à morte.

— Mas meu amigo Daniel, também... — Ivy estendeu a mão e tocou meu rosto com delicadeza.

— Sinto muito... — e fechou os olhos.

Não! — Rapidamente me ergui, fechei os olhos e enfiei o cetro em seu coração antes que morresse pelo ferimento. — Adeus, Ivy.

Seu corpo se dissolveu em pó brilhante e dourado e todos ficamos encarando o lugar onde estivera há poucos segundos. Leon foi o primeiro a se recuperar. Levantou, veio até mim e não consegui decifrar seu olhar.

Tocou meu ombro com cuidado no mesmo instante em que todos os Poderes retornaram ao anel, inclusive as Sombras, e fizeram com que minhas energias sumissem de repente.

— Alessia? — Leon tinha agora uma expressão assustada. — O que houve?

— Tudo bem. Estou bem.

— Tem certeza? Estou precisando usar bastante força para te manter em pé.

— Ah. Sinto muito. — Tentei me erguer por mim mesma e uma tontura forte me dominou. Zein me pegou no colo, já que Ethan ainda estava bem machucado.

— Alessia, você precisa saber que seu amigo não sobreviveu... — Leon me encarava novamente com o olhar indecifrável.

— Meu amigo? — Senti o sangue fugir do rosto. — Quem?

— Daniel. — Zein me abraçou mais forte ao dizer o nome no lugar de Leon. — Sinto muito, Alessia. Tentamos salvá-lo, mas não conseguimos.

— Mais alguém morreu? — Senti meu coração ainda mais pesado no peito, mas estranhamente não tive vontade de chorar. Talvez já tivesse chorado bastante por um dia. Lágrimas são coisas estranhas e a morte de Ivy arrancou-as todas de mim.

— Ruy, Ônix e alguns moradores também. — Leon mantinha a expressão de neutralidade de sempre, mas algo em seu olhar o desmentia e nos fazia perceber que estava triste também. Talvez por causa de Ônix, que também era um elfo.

— Recebi uma mensagem de Magic, Alessia. — Dahlie se aproximou mais de mim, estava bem ferida e se escorava em Cristian. — Parece que, por lá, morreram Alexia e Havena, além de alguns cidadãos da vila. Ivan parece ter sentido a morte de Ária e... se matou.

— Precisamos decidir o que vamos fazer de uma vez por todas. — A vertigem ainda não havia passado e todos que estavam feridos foram instruídos a descansar.

Os demais arrumariam a bagunça e convocariam uma reunião com os moradores da vila, que precisavam ser libertados das masmorras. Em Magic, Luzía e Aron haviam tomado conta da situação com os demais fundadores, de acordo com a informação de Dahlie.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top