Capítulo 10
A floresta tornava a ficar escassa outra vez. O clima quente fazia todos suarem e respirarem cansados, mas sabíamos que não poderíamos parar nem por um segundo. Quando finalmente alcançamos a vila, já era noite e notamos que não havia ninguém nas ruas. Também não havia qualquer ruído vindo de dentro das casas, que estavam completamente no escuro.
— É o toque de recolher. — Sussurrei para Ivy, que estava ao meu lado observando tudo atentamente. — Talvez encontremos alguns guardas fazendo a patrulha. Temos que tomar cuidado.
— Alessia, há algo estranho por aqui. Não é possível que um simples toque de recolher faça com que todos os habitantes fiquem em completo silêncio dentro de suas próprias casas!
— Então, o que você acha que aconteceu?
— Leslie provavelmente prendeu todos que pertenciam as classes de luz nos calabouços.
— Tudo bem, mas e os demais?
— Abrigados no castelo.
— Por que desocuparia a vila assim?
— Por que talvez tenha sentido a chegada de Leon e do restante do grupo. — Seu olhar estava sombrio e suas mãos estavam fechadas em punho.
— Precisamos avançar. — Olhei para trás e fiz sinal para que nosso grupo seguisse em frente.
Chegamos ao castelo sem encontrar qualquer empecilho e entramos sem qualquer resistência. Minhas pernas estavam cansadas e minha mente continuava mais agitada que o normal. Aqueles corredores cinzentos e sombrios que há tanto tempo pensei que seriam meu novo lar... aquelas portas enormes e imponentes que acreditei poderem me esmagar... toda a magnificência daquela construção que agora abrigava mais maldade e Trevas do que nunca.
Era hora de dar um basta nisso tudo.
Enquanto caminhávamos com cuidado pelos corredores, senti meu coração batendo cada vez mais forte e fiquei com medo de que estivesse tendo algum tipo de ataque cardíaco, mas logo entendi que isso era apenas fruto do medo que sentia de encontrar Leon e o restante do grupo mortos no salão, aos pés de Leslie.
— Alessia, fique calma, está bem? Não há o que temer. — Zein se aproximou mais de mim e segurou uma de minhas mãos, lançando-me um olhar sereno. Seu olhar era pura fachada, pois podia sentir o medo que ele próprio sentia das Trevas.
— É claro que há o que temer, seu idiota. — Ethan apareceu ao meu lado do nada e me puxou pela cintura para mais perto de si. Como não o vi se aproximar? — O que seria mais verdadeiro para você dizer é que não precisa se preocupar, pois estaremos aqui para protegê-la. Se bem que, sozinha ela é mais poderosa que nós dois juntos.
— Pare de falar besteira Ethan. Não sou mais forte que vocês. — Tentei me livrar de seu abraço para andar melhor, mas não consegui.
— Ethan está certo, Alessia. Você tem sim mais poder do que eles. — Ivy seguia logo à nossa frente e parou um pouco para analisar o caminho enquanto dizia isso. — Acho que está tudo certo no próximo corredor também. Estranho. Leslie não está se esforçando nem um pouco para proteger seu forte.
— Talvez esteja confiante demais. — Ethan deu de ombros e finalmente me soltou.
Seguimos por mais uma série de corredores até encontrar o salão principal, onde Leslie provavelmente deveria estar. Meu estômago começou a dar cambalhotas a cada passo que dava rumo às portas do salão. Faríamos um ataque surpresa e investiríamos todos de uma vez quando Ivy contasse três.
Um.
Dois.
Três!
Adentramos o salão já com os feitiços na ponta da língua para atacar. Ivy, Ethan, Zein e eu fomos na frente; Dahlie, Cristian, Julie, Lewis e Noah foram logo atrás e, por último, ficaram Ruy, Stella, Maia, Samyr e Suelen.
— PAREM! — A voz de Leon reverberou por todo o salão e no mesmo instante congelamos em nossas posições, incrédulos e confusos. — Acho que chegaram um pouco tarde, Alessia.
O sorriso de Leon era triunfante. Estava ao lado de uma jaula com seu arco e flechas dourados, e Daniel logo atrás dele. O que provavelmente era o grupo de Leon, estava espalhado por todo o restante do lugar com os guardas de Leslie acorrentados.
Conseguia sentir minha pulsação nos ouvidos e aos poucos fui me recuperando do choque. Notei que dentro da jaula estava Leslie e que as barras não eram feitas de metal, mas de alguma espécie de feitiço como o que prendeu Ária numa pedra de âmbar.
— Vocês conseguiram derrotá-la? — As palavras saíram da boca de Ethan, mas acho que eu mesma as teria dito.
— É claro que sim. Não está vendo? — O tom do guerreiro alfa dos elfos não era muito amigável, assim como seu olhar. — E se vocês não tivessem feito tantas paradas para salvar pessoas insignificantes, teriam participado da honrosa batalha conosco.
Aos poucos, meu próprio grupo baixou as armas e desistiu dos feitiços já prontos para serem lançados. Apesar de toda a presunção de Leon, percebi que alguma coisa ainda o estava incomodando. Por que ainda não havia matado Leslie? Com certeza havia alguma coisa que queria arrancar dela.
— Ela não quis dizer a você a localização da cura de Ária. — Minha voz saiu sem que percebesse e todos me olharam de uma só vez, surpresos.
— O que disse, garota? — Leon se afastou da jaula e começou a andar em minha direção, seu olhar era pura irritação.
— Eu disse o que você ouviu. Você pode até ter derrotado Leslie e seus guardas, mas não foi capaz de cumprir a missão porque não consegue arrancar a informação dela. — Não sei de onde arranjei tanto sangue frio para dizer isso e ainda por cima encarar os olhos dele. Notei pelo canto do olho que Ethan e Zein se aproximaram de mim na intenção de me proteger de qualquer ataque de fúria de Leon.
— Diga a ela que está certa, seu orelhudo repugnante! — Leslie estava em pé na jaula e agarrava as barras com expressão de dor. Estava descabelada e suas roupas estavam em farrapos. Leon a havia torturado? — Está certa, Alessia! Não contarei a ele! Só a você!
— Ninguém do meu grupo tinha o poder da alma para conseguir arrancar a informação dela, então tentamos outros métodos, mas todos falharam. — Leon voltou ao seu antigo posto e Daniel lhe pediu permissão para se aproximar de mim. Abracei meu amigo com força e fiz o possível para segurar as lágrimas. Pelo menos estava vivo e bem, apesar de alguns cortes e hematomas pelo corpo.
— Você torturou ela, Leon? — Soltei-me do abraço de Daniel e encarei novamente o guerreiro.
— Sim, é claro. Por que não? Fez isso com todos os habitantes da classe da luz aqui de Fantasy. — E deu de ombros como se não fosse nada demais.
Senti que o que havia feito não era o certo, mas não poderia julgar suas decisões assim. Também vinha fazendo o que achava ser correto. Olhei para a jaula de Leslie, que também estava me observando. Seu olhar parecia cansado e submisso.
— Eu contarei a você se prometer que me livrará das Trevas também. — Leslie parecia agoniada e notei que na jaula estava com ela a névoa escura das Trevas. A névoa parecia fraca e bem menos abundante do que das outras vezes em que a vi. Talvez estivesse enfraquecida, o que não a impediu de ferir Leslie por seu pedido.
— Pare! — Estendi minha mão em direção àquela coisa, que se retraiu no mesmo instante. — Deixe-a em paz. Leslie, aceito livrá-la das Trevas se disser onde está a cura de Ária.
— Eu direi. A cura dela é a minha própria cura também. — E sentou-se exausta, ainda me observando. — Mas você não vai conseguir completar a missão nesse estado em que está. Precisa descansar e se recuperar da viagem que fizeram. Só contarei a você onde está a cura amanhã. Enquanto isso, arrumem quartos e tomem um banho descente, por favor. Estão cheirando pior que o Pântano dos Trolls. — E fez uma cara de nojo que irritou os dois Trolls que faziam parte do grupo de Leon.
— Você contará a ela hoje mesmo! — Leon apontou uma de suas flechas para ela, que se encolheu de medo.
— Não. Ela está certa. Estou cansada e todos aqui também estão. Precisamos descansar se teremos que partir em outra missão. — Segurei o braço de Leon, que fitou o gesto como se fosse a maior falta de respeito que já presenciara.
Seu olhar dizia que adoraria lançar sua flecha em mim, mas fez o que pedi e mandou que meu grupo e alguns dos seus fossem descansar até o dia seguinte. Os Trolls que estavam com ele não quiseram descansar, nem as fadas e os elfos, mas Daniel decidiu vir conosco, assim como Camilla e Cameron. Dahlie e Cristian optaram por ficar com Leon.
Subimos para o andar dos dormitórios e as lembranças sobre aquele lugar me pareciam tão distantes que imaginei se não tinha estado ali em outra vida. Todos se ajeitaram em seus antigos quartos, menos duas pessoas. Ethan decidiu dividir o quarto comigo e Cameron foi ficar com a Camilla.
— Realmente estava com saudades de uma cama macia! — Ethan se jogou na antiga cama de Cameron e segui para o banheiro, já que havia sentido mais falta de um bom banho.
— Vê se não suja os lençóis, viu? E se você não tomar um banho, te expulso do quarto! — Um travesseiro veio voando em minha direção, mas consegui pegá-lo a tempo e joguei de volta para ele.
Fechei a porta e aproveitei a maravilhosa água quente da banheira, usei o máximo de loções que encontrei e fiquei mergulhada por uns bons trinta minutos, até que Ethan veio bater na porta para perguntar se ainda estava viva.
— Tem certeza de que não precisa de ajuda? — E pude imaginar seu sorriso metido mesmo sem vê-lo.
— Tenho! Você pode esperar a sua vez!
— E se eu precisar de ajuda?
— Aí o problema é seu!
Terminei meu banho e me enrolei em um dos roupões que haviam sido colocados no banheiro. Saí e segui para a pilha de roupas tentando ignorar os olhares de meu novo companheiro de quarto.
Agradeci mentalmente por não terem destruído nossas coisas, minhas roupas ainda estavam todas ali, embora estivessem todas amontoadas num canto do quarto. Ethan seguiu para o banheiro e aproveitei para me trocar. Vesti uma legging preta e uma regata azul clara, depois segui para minha cama e me ajeitei confortavelmente debaixo dos lençóis.
Estava quase cochilando quando senti alguém acariciando meu rosto e acordei num sobressalto, tentando desesperadamente socar a pessoa que me tocava. Não parei para raciocinar quem poderia ser ao fazer isso.
— Ei! Calma! Sou eu. — Ethan estava ao lado da cama e ria da minha reação exagerada. Minha visão finalmente entrou em foco e senti meu rosto corar.
— Por que não vestiu nada ainda? — Minha voz saiu meio engasgada, mas concluí que havia conseguido entender.
— Você fala como se não estivesse usando nada. — E mexeu na toalha, que estava enrolada em sua cintura. Meu coração disparou ao pensar que aquilo poderia facilmente cair.
— Vá logo se vestir! — Tentei não soar irritada e riu novamente da minha reação.
— Minhas roupas estão no outro quarto.
— Use as do Cameron! O que acha que ele e os outros estão fazendo? Compartilhando!
— Tudo bem, mas talvez não me sirvam direito.
— É melhor do que nada!
— Discordo. Prefiro nada.
Ignorei seu último comentário e virei-me de costas enquanto procurava e vestia algo. Depois de um longo tempo decidi que era seguro olhar novamente. Vire-me e quase fui vítima de um ataque de risos ao vê-lo tentar vestir uma camisa que claramente não servia.
— Do que está rindo?
— De você.
— Muito engraçado mesmo. Nossa, que graça! — E finalmente desistiu de vestir a camisa e a jogou num canto do quarto.
— Acho melhor ficar assim antes que acabe estragando mais roupas alheias. — Tentei segurar o riso, mas a cena em minha mente se repetia diversas vezes.
— Acha melhor, é? — E lançou um sorriso de seus sorrisos de galã.
— Você entendeu o que eu quis dizer! — Parei de rir no mesmo instante. Começou a se aproximar e me esforcei para não levantar da cama e sair correndo dali.
— Será que entendi mesmo? — E sentou na beira da cama, me encarando com olhar pidão.
— Que foi?
— Posso ficar aqui com você?
— Você já está aqui.
— Não estou falando do quarto.
— Ah... — encarei minhas mãos por um longo tempo. — Tudo bem, mas nada de gracinhas!
— Não sou de fazer "gracinhas". — E puxou o lençol para poder deitar ao meu lado.
— Pensei que tivesse sentido falta de uma cama macia. Não imaginei que quisesse dividi-la com alguém. — Afastei-me um pouco para que coubesse e quase caí da cama ao fazer isso.
— Opa! Cuidado. — E me puxou para perto, ajeitando-me junto com ele. — É... senti falta de um colchão macio, mas qual a graça de ficar sozinho? É aquela velha história de escolher entre dinheiro ou amor. Entre fama ou felicidade.
— Sei....
— É sério. — E virou meu rosto para que pudesse fitar meus olhos, com o polegar, passou a acariciar as maçãs do meu rosto e depositou um beijo delicado no alto da minha cabeça. — Eu te amo.
— Nunca pensei que te ouviria dizer isso. — Sorri ao ouvir sua declaração e abracei-o com força. — Eu também te amo.
— Não é ótimo que toda essa loucura esteja prestes a acabar?
— Com certeza. Tudo que quero agora é voltar a ter uma rotina tranquila.
— Tranquila em que sentido? — Notei a preocupação em sua voz, suas mãos agora acariciavam meus cabelos.
— Quero voltar a aprender magia, mas não quero mais enfrentar rainhas malucas ou perder pessoas que amo pela crueldade alheia. Se essas pessoas tiverem que partir, que seja de uma forma natural. Nada forçado, sabe?
— Sim. Eu entendo. Acho melhor dormirmos um pouco, certo? Precisamos descansar.
— Sim, precisamos. Boa noite. — Ajeitei-me em seus braços e puxei mais o lençol, fechando os olhos.
— Boa noite.
Ele abraçou minha cintura com força, mas sem machucar, algo como um abraço protetor. Adormeci tranquila em seus braços, embora ainda tivessem muitas coisas para serem resolvidas no dia seguinte.
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