Capítulo 21 - Tempestade que trouxe Liberdade

Naqueles tempos primordiais não existia a Praga do Tempo, apenas famílias Empíreas tentando deixar seu marco na história.

     A terra de Nebula era silenciosa pela manhã e tarde, perto do crepúsculo a típica nuvem cinza escura carregada se formava para lançar uma chuva forte cheio de raios. Chuva forte que parecia ser uma descrição fraca perto do que as poucas pessoas naquela ilha presenciavam. Era uma verdadeira tempestade com ventania e trovões fortes capazes de fazer tremer a terra. Ao longo do tempo na única vila em Nebula, as pessoas tiveram que se adaptar ao clima e as consequências da chuva com palafitas.

     A areia suave de Nebula era misturada com as pequenas pedras negras que vinham diretamente da terra de Mavro que ficava ao Norte. A única coisa que separava Mavro e Nebula era justamente o mar.

      Da costa a mulher de 55 anos observava a ilha de Mavro. Malvina nunca soube o que era tranquilidade de verdade desde criança, no fundo ela tinha a sensação de que a família Draconica nunca iria se contentar pelo espaço que tinham.

     Os Astra e Draconica tinham uma origem em comum, ambos membros familiares foram expulsos de Katharsi por erros mínimos. O motivo disso era simples, os Erimon naqueles tempos não queriam concorrência sendo que eram eles que tinham grande influência e poder nas terras douradas de Katharsi. Acontece que apesar das dificuldades, os Astra haviam aceitado seu destino e conseguiram se habitar na ilha que batizaram de Nebula. Por outro lado, os Draconica tinham sentimentos amargurados com o fato de terem sido expulsos de sua terra natal e nunca estavam satisfeitos apenas com a ilha de Mavro. Eles acreditavam que o mundo deveria ser deles, pois eles sim, tinham um poder maior do que os Erimon, além de grande vontade de passar os limites do conhecimento.

     Muitos de Nebula diziam que Malvina se preocupava demais, e que o Draconica nunca fariam algo parecido com as coisas que ela imaginava. Mas entre tantos descrentes do que iria de fato acontecer no futuro, uma pessoa dava ouvidos e este era Thrasius Astra, o filho mais velho de Malvida que lentamente se aproximava da mãe.

     Da aparência dos Astra, duas cores eram as mais típicas e tradicionais eram de cabelos carmesim-escuro e olhos prateados. Por conta dos ventos e umidade de Nebula, era comum os fios de cabelos estarem bagunçados ou um pouco molhados.

— Mãe? — Chamou Thrasius olhando para as costas dela. — Vamos voltar, parece que hoje teremos uma tempestade forte e devemos ficar prontos.

— Parece que vai ser a mais forte em dez anos.

— Sim. — Thrasius concordou com a cabeça e cruzou os braços. — E mesmo assim a senhora está aqui. Não consegue sentir nos ventos que a tempestade está próxima?

— É verdade. Filho? — A mulher o olhou pelos ombros.

— Sim?

— Já teve a sensação que....Em uma tempestade tudo pode mudar?

— Em uma tempestade? — Thrasius se indagou. — Bem, geralmente as chuvas fortes e tempestades podem mudar a geografia de um local. Nebula mudou muito do que era 40 anos atrás, a Senhora mesmo fala isso.

— Eu não falo da geografia, certas mudanças não têm um preparo prévio. As que podem chegar sem aviso nenhum pode nos marcar por uma vida toda.

— A Senhora está tentando me assustar ou algo do tipo?

— Não. — Angina negou com um mero sorriso. — Vamos pra casa, você tem razão, temos que nos preparar já que a noite não vai ser fácil.

      E realmente não iria ser. No alto da noite todos estavam bem acordados e alertas. Dentro da casa de Malvina e Thrasius era impossível de dormir. A sensação que mais 8 pessoas tinham ali era de que a casa podia ser levado pelo vento forte. Todos estavam trabalhando em conjunto fazendo qualquer tipo de coisa, como, por exemplo tirar a grande quantidade de água que se acumulava nos baldes. Os mais fortes estavam perto das portas ou janelas para que tivessem a certeza que elas não seriam destruídas pelo vento. O vento não era o único problema, os trovões também eram extremamente perigosos. O brilho era intenso e momentâneo, e o som do trovão poderia fazer a terra tremer. Era possível também ouvir o som agitado do mar. No final das contas tudo era uma sinfonia caótica que os habitantes de Nebula conheciam detalhadamente.

     Vendo que uma das madeiras que estava prestes à se romper da janela, Malvina saiu de seu lugar para ajeitar a madeira, os pregos estavam frouxos e ela precisava continuar ali.

— Mãe? — Perguntou Thrasius observando a Senhora. — Está tudo bem?

— Não se preocupe, posso aguentar.

     Naquela fresta, Mavina pode ver os relâmpagos rasgando o céu escuro. Apesar daquela força opressora da natureza, existia também beleza naquelas cores e som. Ela observou vários relâmpagos caindo ao longe, mas um inesperado que caiu perto da janela onde Malvina estava a fez cair para trás de tanto susto, e depois, tudo ficou escuro.

Malvina acordou em uma cama úmida piscando várias vezes. Ela se ergueu até ficar sentada na cama e olhou em sua volta, aparentemente, Malvina estava sozinha no quarto. Que dor de cabeça, pensou consigo mesma indo até uma janela que já estava aberta. Como esperado, a geografia de Nebula estava diferente, alguns lugares estavam com poças fundas de águas, outros locais havia mais areia. Havia madeira espalhada pela ilha até onde o olho podia ver, mas o que chamou mesmo a atenção dela era o grupo que estava na praia. Dali da casa era possível ver uma figura que se parecia com um dragão. Será que isso é possível? Perguntou-se Malvina já descendo as escadas para ir até a costa.

      Passando pelas pessoas e empurrando algumas, ela pode ver finalmente com seus próprios olhos aquelas criaturas que eram verdadeiras armas dos Draconica. o jovem dragão de 16 metros de comprimento e de escamas verdes escuras, quase pretas, perto das patas e barriga. Havia um reflexo dourado nas escamas daquele dragão e seus olhos eram vermelhos.

     Aquele dragão estava no chão e respirava fundo e com rapidez por conta de seu estresse. Boa parte das pessoas estavam longe daquela criatura porque sabiam bem o que um dragão podia fazer, mas o que as pessoas de Nebula não sabiam é que aquele ser mítico estava cansado demais para fazer qualquer coisa, além disso, havia uma corrente em suas patas traseiras que estavam ligadas a um pedaço de pedra dando a entender que o dragão conseguiu escapar de onde estava talvez quebrando a rocha. O dragão tinha um nome na linguagem tradicional dos Draconica, Vidrohe Agni, um nome que representava a rebeldia que aquela criatura carregava dentro de si desde seu nascimento, e se tinha algo que era de desgosto para aquela família, era rebeldia e teimosia.

      Abaixo do rochedo da ilha de Mavro, Vidrohe foi preso dentro das piores prisões dos Draconica. Com a maré baixa poderia considerar aquele lugar úmido e gelado até que tranquilo de se lidar, mas nos dias de maré alta ela cobria a prisão ao ponto daquele dragão tentar manter sua vida mesmo com as duas patas traseiras presas por correntes.

      Na noite da tempestade, graças à força do mar, Vidrohe conseguiu e scapar e até chegou a voar por um momento, mas ele estava fraco demais e o peso das correntes não facilitava nada. O que restou para aquele dragão foi fechar os olhos e aceitar um destino sem rumo....Até que pela manhã ele havia chegado na costa de Nebula.

— O que está acontecendo? — Chegou Malvina passando pelas pessoas até que ficou ao lado de seu filho. — É realmente um dragão.... — A mulher ficou boquiaberta.

— É, direto de Mavro. O mar o trouxe para nós, mas é melhor não abusar mesmo que ele esteja ferido.

     Quando Malvina encarou os olhos vermelhos de Vidrohe, esse foi um momento que para ela seria difícil de explicar para as pessoas de sua época, e também para Boreas e os irmãos Thanatou como agora. Nas palavras dela:

''É algo tão profundo, que às vezes me pergunto se de fato fazia sentido. Kardia, que foi como batizamos aquele dragão, além de ter aparecido em Nebula com correntes nas patas traseiras, tinha cicatrizes e feridas novas. Naquele momento, eu e Kardia nos encaramos, e de uma maneira misteriosa eu temi a ira dele. Existe uma diferença curiosa entre temer e ter medo. Quando você teme, parece que ainda há respeito, medo pode te fazer fraquejar de várias maneiras. Kardia estava bravo, isso estava explícito no olhar dele, mas na origem daquela raiva tinha muita dor e sofrimento. Eu acabei dando um passo à frente e eu me lembro muito bem que Thrasius ainda tentou segurar meu braço, mas eu me soltei. Eu senti no meu coração que Kardia era muito jovem, talvez uma criança mesmo com todo aquele tamanho. Vozes começaram a surgir na minha cabeça, estavam baixas, mas me aproximando eu comecei a perceber que elas estavam ficando altas. Era uma linguagem estranha, e quando percebi, era a linguagem Draconica. O mundo pareceu desaparecer em minha volta, meu corpo simplesmente ficou leve, era eu e Kardia naquele espaço. Eu toquei no rosto do dragão e eu senti a onda de calor na minha mão e as vozes ficaram muito altas, mas de todas as vozes, eu pude ouvir na linguagem a voz jovial de Kardia. Minha felicidade foi muito grande ao ponto de lacrimejar. Foi a mesma felicidade que eu senti quando vi Thrasius pela primeira vez na vida. Será que isso ainda faz sentido? Era como se eu tivesse sentindo falta de um filho e ele tivesse acabado de voltar para casa. É normal que muitos pensem que existem pessoas certas que vão chegar nas nossas vidas e eu sempre acreditei nisso, mas nunca pensei que eu precisava conhecer o Kardia, até conhecê-lo.''

     Depois de ouvir a voz de Vidrohe, Malvina recuou a mão respirando fundo e secando as lágrimas que desceram pelo rosto.

— Tragam algo para quebrar as correntes do dragão. — Exigiu Malvina.

— O quê? Mãe? — Thrasius ficou surpreso demais com o pedido. — Ele é um dragão, isso é perigoso.

— Confiem em mim, ele não vai fazer nada. — A Senhora negou com a cabeça.

— Como pode me pedir isso? E as lendas dos dragões de Mavro? Está sentida pela situação dele? — Confrontou o filho mais velho.

— Thrasius! — Ela se virou para ele. — Eu disse para confiar em mim, vamos! Tirem as correntes deste dragão!

     Malvina não precisou exigir mais nada, homens vieram prontos para retirar as correntes que eram mais pesadas que o comum. Vidrohe recuou um pouco para trás e olhou para o horizonte em direção à Mavro. O dragão respirou fundo e seu olhar foi direto para Malvina,e então, ele começou a andar pela costa.

— Nós vamos deixar mesmo um dragão andar por nossa terra? — Perguntou Thrasius nada feliz com isso.

— Ele não vai fazer nada, além disso, ele não tem condições nem de voltar para Mavro, não que....Ele queira isso.

      Se tinha uma certeza que o dragão tinha, é que mesmo em uma terra desconhecida, qualquer lugar era melhor que Mavro, mas algo entre Nebula e Mavro era comum, ele não era desejado, talvez fosse inteiramente verdade se aquela Senhora não existisse. Cansado e ferido, Vidrohe caminhou até achar uma gruta para deitar, não era o melhor dos lugares, mas estar livre lhe trazia certo conforto.

     Longe da gruta, Malvina entrava de volta em seu quarto sendo acompanhada de seu filho que não estava nada satisfeito.

— Que loucura deixarmos um dragão vivo por aqui, era melhor ter matado ele antes que estava tão fraco. — Disse Thrasius com rispidez.

— Se ele quisesse nos machucar, já teria feito isso, filho.

— O que aconteceu lá, hein? — Ele cruzou os braços.

— Eu não sei. — Malvina explicou negando com a cabeça. — É como se eu tivesse conseguido me comunicar com ele.

— Sem nenhuma palavra dita.

— Sem nenhuma palavra dita. — Confirmou Malvina.

— Sabe como isso soa? Magia Draconica.

   Mãe e filho se encaram por alguns segundos. Malvina estava abismada, como que ela não chegou a se questionar se isso poderia ser magia ou não, mas agora que Thrasius disse isso.....

— Não é possível. — Malvina negou com a cabeça. — É dito que magia Draconica não tem efeitos fortes em pessoas de família Empírea.

— Mas então, efeitos fortes, e não que não há efeito nenhum. Dragões são criações mágicas daquela alquimia profana, sabe disso melhor do que ninguém.

— Mas Thrasius, não foi ruim. Aquele dragão estava bravo, mas muito magoado, eu pude sentir quase como se nossa mente e coração fossem um.

— Não dá pra acreditar nessas palavras. — O rapaz parecia estar decepcionado. — E agora? Teremos um dragão andando pela ilha?

— Dê um tempo para ele. — Falou Malvina cansada desse tipo de assunto. — E aí veremos.

     Malvina tinha razão, só o tempo poderia demonstrar o que Vidrohe queria naquela ilha, e tudo que ele queria era paz depois de passar por um inferno de crueldade. Com o passar dos meses, Malvina descobriu onde ele estava e fazia constantes visitas levando algumas comidas para o dragão que ela chamou de Kardia, e o mesmo nada disse sobre ser batizado com um novo nome. A Senhora tentava conversar mentalmente com Kardia, mas ele não se sentia à vontade o suficiente com Malvina para sequer falar uma palavra, não porque não gostava dela, muito pelo contrário, mas seus traumas sempre o deixavam mais alerta perto de humanos.

    Certo dia, quando Malvina quis se certificar que Kardia estava bem, ficou ali por apenas alguns minutos e deu as costas para ir embora, mas ouvir seu nome sendo chamado mentalmente a fez parar no chão.

''Malvina Astra, por me deixou ficar aqui?''

''Eu.....'' A Senhora se virou para o dragão. ''Eu me compadeci de você. Se você quisesse ir, acho que já teria ido, você se recuperou. Não sei porque, mas eu pude sentir a ira do seu coração e as feridas de dentro de você. Eu não acreditava em destino, mas nossos caminhos se cruzaram. Eu realmente não esperava mais nada da vida como uma viúva e um filho adulto, e aí você apareceu e eu percebi que você precisava de mim.''

''Isso não faz sentido.'' Disse o dragão.

''No começo pra mim também não fazia.''

''Escute, eles vão vir atrás de mim. Mavro nunca deixaria um dragão nas mãos de outra família. Quer mesmo que eu fique aqui?''

''Os Draconica sempre serão um perigo para nós que estamos apenas separados pelo mar. Cedo ou mais tarde o momento de um conflito entre nós chegaria.''

Vidrohe ergueu um olhar sério em direção à Mavro.

''Fique alerta, Malvina Astra.''

 Voltando ao momento da fala, os irmãos Thanatou e Boreas estavam surpresos com a história contada pela própria Malvina. A existência de um dragão ainda causava dúvidas entre boa parte das pessoas, mesmo com as origens Draconica da tecnologia.

— Então.... — Soren disse encarando Malviva. — Esse dragão, Kardia, se ele era real....Trindade Draconica também era, certo?

— Era. E era um dragão monstruoso criado pelo pior Draconica que já viveu nesta terra, Sarpedon Draconica. O Trindade só responde a uma linha de sangue. Esse dragão realmente tinha três cabeças, mas uma foi arrancada pelo Kardia no conflito em Mavro. — Explicou Malvina.

— Olha Malvina — Começou Boreas. — É bom ouvir um lado seu da história e de forma mais completa depois desse tempo todo.

— Menino Boreas, sabe que eu não tenho nada pra esconder de você, mas a sua vida e de Angina estavam tão frenéticas que nunca tivemos um tempo tranquilo para contar tudo isso, e ainda tem muito mais.

— Eu tenho uma pergunta. — Ainda continuou Boreas.

— Faça. — Malvina fez um sim com a cabeça.

— O seu objetivo....Isso nunca ficou muito claro pra mim.

— Kardia era um dragão que sabia demais, ele era como um irmão mais novo do Trindade Draconica, porém era uma falha. O Trindade era um dragão especial pelo alto conhecimento e conexão com os Draconica, Kardia tinha o mesmo conhecimento e sabia do que os Draconica eram capazes e de sua ameaça. Quando ele arrancou uma das cabeças do Trindade, ele também se feriu e voou em direção à Katharsi. Nossa última promessa foi dar um fim aos Draconica.

— Mas isso faz muito tempo. — Disse Tiberius olhando para todos brevemente. — Tipo, muito tempo mesmo e os Draconica não existem mais, assim como os Nefas Harpia. E outras, um dragão pode viver tudo isso mesmo de tempo?

— Dragões não morrem de velhice, apenas se forem mortos. E seu pensamento, minha criança....É exatamente assim que um Draconica gostaria que você pensasse.  

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