Capítulo 11 - O que sobrou do Sangue

O soldado Sitientem demonstrava ter o pior dia seguinte da vida dele. Seu rosto parecia pálido, as olheiras avermelhadas abaixo dos olhos deixavam seus olhos frios e fundos. Apesar da roupa arrumada, o cabelo parecia fora de sincronia.

    Era café da manhã dentro do prédio espiral, e até mesmo o gosto amargo parecia provocar um mau-humor. O loiro bateu a xícara na mesa, chamando a atenção de seus demais colegas e saiu do reformatório. Ele passou por Cosmo que tinha os olhos dele supostamente mais interessados em seu tablet onde ele via as notícias, mas, na verdade, ele tinha sim, a atenção sob Leonis, e isso não era pedido de Lucius. O moreno já esteve no lugar de Sitientem, e também, já teve de ajudar vários colegas na mesma situação.

     Assim que Leonis saiu, Cosmo o seguiu obtendo informações de algumas pessoas. ''Acho que ele desceu para o pátio, Senhor Adranos.'', disse uma das funcionárias do prédio. Sem demora, Cosmo foi até o pátio florido do prédio Espiral. As flores eram diversas, e tinha até mesmo um pequeno lago. Até onde todos ali sabem, boa parte das flores era um holograma tocável.

     Leonis realmente estava ali sentado com o corpo inclinado para frente, ele segurava a lateral da cabeça com as duas mãos ocultando o rosto. Aquela dor simplesmente não ia embora e isso era frustrante. Ao seu redor, tudo parecia trêmulo, e pelos cantos do olhar, Silas aparecia.

— A Simulakronos tem efeitos leves por pelo menos por três dias. — Chegou Cosmo comentando. — Ela é bem forte no primeiro momento, nos outros dias ela ainda te persegue e tenta bagunçar a realidade, porém, com você mais consciente.

— Está querendo me dizer que a realidade e a mentira se misturam? — Perguntou Leonis olhando para Cosmo preocupado.

— Quem disse que tudo é uma mentira? Ou uma ilusão? A Simulakronos é uma droga que afeta seu hipocampo. Tem alguma coisa aí. Se fosse eu no seu lugar, eu saberia o que aconteceu no passado.

— Está falando com alguém que teve as memórias tiradas, Cosmo.

— Tem certeza? — O outro lançou a pergunta no ar. — Infelizmente, a Simulakronos não mente, porém, a verdade dela pode te custar caro.

   Os dois se encararam, e Leonis passou a mão em seu rosto para limpar o suor, novamente...Silas estava ali o encarando de maneira fantasmagórica.

 — Ora Lucius, eu não esperava você por aqui! — Disse Sirius animado. — Fazia muito tempo que eu não te via.

O General não disse nada, apenas encarou Sirius por um momento, e isso fez com o mesmo temesse algo. O que eu fiz ou o que deixei de fazer?, perguntou-se Sirius.

— A Invictus está desativada faz muito tempo. — Disse Sirius.

— Eu sei. — A forma apática de Lucius era muito estranho. — Pelo que eu saiba aqui virou um lugar estratégico para observar Rebeldes em espionagem, certo?

— Exatamente, você nunca foi do tipo da espionagem, não é mesmo, Lucius?

— Não, mas sempre foi efetivo. Posso dar uma olhada no local?

— Claro, fique à vontade. — Apesar do receio, Sirius não tinha nada a esconder.

    O ruivo começou a andar no local prestando atenção em cada detalhe. Primeiro, ele foi para a sala de Sirius, e logo na entrada da sala, em cima da mesa, ele pode ver um porta-retrato que não se movia. Era um estilo de foto das antigas com uma imagem apenas. Os lábios de Lucius se entreabriram, achava curioso Sirius manter uma foto do foi considerado time dos sonhos da primeira Corvus.

    Ainda se questionando o motivo daquela foto estar bem na mesa particular de Sirius, o General se aproximou da mesa para pegar o porta-retrato onde estava ele, Sirius, Tertia e Temple com as roupas da primeira Corvus. Todos estavam com as mãos para trás e com a cara séria, mas Sirius resolveu sorrir amenamente para a foto. Temple ainda tinha os dois braços e Tertia não tinha o corpo forte que tem agora.

     Naquela época, aquele grupo parecia ter uma sincronia maravilhosa. Sirius apesar de ir diretamente para a luta, era do tipo de atacar de surpresa, preparava armadilhas e planos. Tertia gostava de cuidar da parte aérea da Corvus, mas naquela época ela não controlava os grandes aviões de hoje. Temple e Sirius formavam uma dupla de ataque pesado, os dois gostavam da emoção da batalha. Nessa foto, quem vê sem saber de nada, nem imagina o rumo que essas quatro pessoas tomaram.

      O porta-retrato foi deixado na mesa novamente com um suspiro pesado de Lucius, para ele, apesar do conflito, resolver as coisas pareciam ser tão simples, interações e ações impulsionadas também lhe dava a sensação que tudo poderia ser resolvido facilmente. Foi uma época boa, e que nunca mais vai voltar ou se repetir e Lucius se conforma com esse fluxo normal da vida.

— Está procurando algo em específico, Lucius? — Perguntou Sirius que estava fora da sala.

— Os arquivos.

— Ah sim, está no meu computador pessoal, pode usar. É uma das principais pastas.

    Obviamente que a naturalidade de Sirius era estranha para Lucius. O General puxou a cadeira e sentou-se para acessar o computador. Arquivos INVC era o nome a pasta, e nos primeiros cinco minutos lendo ele descobriu nada demais. Participantes, todos meninos na faixa dos 12 anos e a maioria era de Solaris pós-explosão da usina. Um treinamento árduo nunca matou ninguém, esse era o pensamento de Lucius, e pelo que ele entendeu, esses treinamentos eram a primeira fase da Invictus, mesmo que fossem meninos de 12 anos, eles teriam uma força fora do comum.

    Até ali, apesar da rígida realidade, parecia algo comum para o General, algo que ele mesmo passou, e então, ele entrou na pasta PROCEDIMENTOS E RESULTADOS. E foi ali que o horror começou.

   Depois de dois anos e meio, os participantes da Invictus que estavam na faixa de 15-16 anos começaram a se batalhar entre si até a morte. A Invictus prezava em ter apenas um sobrevivente, e por isso aqueles meninos tiveram que passar por provas que os colocassem em seus limites. As lutas eram com armas ou sem armas brancas, ou apenas usando golpes físicos. Lucius além de ler relatos que pela primeira vez em tanto tempo acostumado com violência, sentiu uma pontada no estômago. E depois as fotos dos rostos dos meninos em uma mesa de metal, o General reconheceu que os corpos estavam em uma mesa especial para cremação.

   Havia vários vídeos das batalhas, os garotos se animavam feito animais, incentivavam a morte e sangue. O General também havia achado o vídeo da luta onde Leonis ainda jovem ganhou a cicatriz nas costas, mas ele venceu a luta cortando o pescoço do garoto. A cena final foi um frame dando um close final no rosto do loiro que parecia possesso de frenesi.

    Ao mesmo tempo que Lucius respirou fundo agoniado o General estava estranhamente aliviado por saber da verdade, e então, ele  fechou o vídeo. Demorou alguns segundos para que o primeiro pensamento de ação viesse à sua mente que parecia paralisada com aquele vídeo. O General engoliu um seco e se levantou, porém permaneceu ali.

— Sirius, venha cá. — Pediu Lucius em um tom estranho de voz.

— Diga, Lucius. — Prontamente o Comandante apareceu. — O que foi, você está pálido.

— Sirius.... — O nome do outro foi dito entredentes. — A Invictus, diziam que esse lugar era para treinamento de garotos que ficaram órfãs da explosão da Usina em Solaris, e não um abatedouro de crianças.

— Se tais coisas fossem à tona para jornalistas ou algo do tipo, você sabe, nada disso seria possível. Não estou entendendo, você está chocado?

Crianças, Sirius. Obrigadas a matar uns aos outros. Isso entre os adultos soa menos pior, muito de nós escolhemos estar em lugares assim, uma criança não vai entrar em uma luta que acabe em morte por querer. — A cada palavra entoada por Lucius, ele parecia ficar mais irado. — Houve lavagem cerebral aqui, não teve? Leonis Sitientem diz que não tem memórias do passado dele.

— Todas passaram por isso para que o passado não fosse um lugar para voltarem ou fraquejarem. Não estou te entendendo, Lucius,você assinou a autorização desses procedimentos.

Aquela fala pegou Lucius desprevenido, ele até parou de respirar por um momento sem que percebesse.

— Não me venha com essa porra agora, Sirius, eu NUNCA assinaria autorização pra essa carnificina de meninos. — Disse Lucius entredentes.

— Então porque recebi o documento com a sua assinatura?

— Eu não assinei! — Insistiu Lucius.

— Abra então a terceira gaveta da mesa! — Gritou Sirius de volta.

   Dito e feito, e com muita raiva, Lucius abriu a gaveta para pegar a pasta de arquivos de documentos de autorização. Estava ali, um documento de autorização liberando todos os procedimentos vistos com a assinatura perfeita dele. Não é possível, disse Lucius para si mesmo.

— Está aí. Tenho o documento também digitalizado.

— Eu não assinei isso, Sirius, estou te falando....

— É a sua assinatura.

   Com a ira sucumbindo de vez, o papel foi rasgado e a mesa levantada com as duas mãos do General. Ele se aproximou de Sirius e o pegou pelo colarinho até o encostar na parede. Ambos não perceberam, mas estavam perto do porta-retrato agora caído e quebrado.

— Quem te deu esses documentos?

— Eu recebi! — Respondeu Sirius com os olhos fechados com força. — E como reconheci sua assinatura não questionei.

— Como pode se considerar um amigo meu achando que eu cooperaria com algo assim? A Duo Corvus nunca aceitou menores de idade! Nem mesmo a primeira. Até em batalha, mesmo atacado poupei os mais jovens, como pode se esquecer disso?!

— Tudo que eu sei....É que você sempre fez da violência a sua principal ferramenta de guerra, não adianta se pagar de santo para mim, Lucius.

    Ouvindo aquilo, Lucius soltou o Comandante para lhe dar um soco tão forte na lateral do rosto que Sirius caiu no chão cuspindo sangue e dois dentes. O olhar de Lucius para com o outro era de ódio, mas também tristeza. O General se agachou na frente de Sirius para o segurar pelos cabelos para que o mesmo não desviasse o olhar.

— Eu nunca disse que eu era um santo, mas também não sou desgraçado a esse nível de não pensar ou imaginar o impacto da Invictus na vida do Leonis, eu sei da verdade. — Agora toda a raiva reprimida de Leonis fez sentido para o General. — Alguém pegou a minha assinatura, e fez isso muito bem, e quando eu descobrir quem foi está morto. — O aperto nos fios de Sirius se tornou mais forte e Lucius se aproximou do rosto do Comandante. Olho no olho ao ponto de Sirius se ver no reflexo de puro ódio do ruivo. — A justiça deste mundo, que trabalha de forma suja, nunca vai colocar em pauta este caso. A Monarquia ganharia um borrão de sangue em cima de toda sua glória, então eu vou lidar com isso do meu jeito

Sirius foi solto e Lucius se levantou com sua respiração fora de sincronia.  

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