Capítulo 11 - Quid Pro Quo
Nenhuma gota de chuva podia espantar algum morador de Laedi de ficar nas ruas, e também não iria espantar Leonis de sua suposta missão que foi requisitada de forma tão particular por Lucius.
Ele não estava ali para brigar como um soldado da Duo Corvus, parecia ser mais um na multidão com roupas tão comuns, mas sem deixar o cuidado de lado. Usava por baixo de todos seus trajes uma roupa especial anti-balas. Não se pode confiar tanto nessas roupas contra balas, elas aguentam tiros até certa hora e todo cuidado é pouco naquela área.
Como que uma pessoa de Umbrae que tinha tudo em sua vida preferia um lugar daqueles? O problema de Laedi era seu constante conflito entre gangues locais. A Armada tentou tirar proveito disso e tudo que recebeu de volta foram ameaças e que Laedi é um lugar que jamais poderá ser tocado. O mundo virou as costas para essa cidade que ficava abaixo da alta cidade Excelsa e eles fizeram o mesmo. As casas eram malfeitas e na maioria das vezes em cima das outras. Falta de pintura ou apenas tijolos, barracos...Laedi era considerada o verdadeiro subúrbio. A capital Dinastai não via o sol por conta de seu tempo de chuva, mas em Laedi era pior, era um clima totalmente cinza por culpa das construções de Excelsia.
Leonis desceu as escadas para um bar subterrâneo, antes de chegar a entrada podia ouvir as vozes dos visitantes em um tom alto e animado. Subiu o capuz de seu casaco vermelho já que sentiu olhares mal-encarados sobre si, mas isso não era tanto preocupante. Ele era um soldado novo da Duo Corvus e seu rosto não estava marcado por ninguém.
O cheiro de cigarro era forte, a fumaça esbranquiçada era visível aos olhos acima da cabeça das pessoas. Sem demora Leonis acendeu seu cigarro para ter uma infiltração completa no bar. Ele não era o único a querer ocultar o rosto, alguns ali eram bandidos e membros de gangue, ou até mesmo ricos, ele ouviu de Lucius que era quase um fetiche pessoas ricas estarem ali. Por maior parte do tempo, pessoas que moravam ali eram considerados lixos de Reminiscentia. Leonis não se importava com esses rótulos que se estenderam por anos desde que ninguém não o atrapalhe.
― Será que hoje iremos ver aquele homem? ― Leonis começou a ouvir a conversa entre duas garotas quando se aproximou do balcão do bar. Fez um sinal para o atendente que logo trouxe um copo tulipa com cerveja.
― Está falando do baterista? Esquece, ele não dá bola pra ninguém.
― Isso porque ele não conheceu a mulher da vida dele, eu. ― A moça de cabelos castanhos claros esbanjou um sorriso que declara uma vitória prematura.
― Pare de sonhar. ― A amiga da moça de cabelos loiros riu. ― O baterista não parece ter nenhuma reação se quer quando uma garota se aproxima dele. Querer ser a namorada dele é demais, Fer.
― E quem disse que eu quero ser namorada dele? ― A mulher chamada Fer disse com malícia. ― Não devo estar pedindo muito.
― Quem sabe, aquele cara é muito na dele. Parece de outro mundo.
― Sabe qual seu problema, Jove, é que você é muito pessimista e não toma nenhuma atitude com homens. Os tempos mudaram querida, eu não estou a fim de esperar que nenhum cara venha chegar em mim.
― De novo essa conversa? ― Jove ergueu uma sobrancelha. ― Me poupe, não vejo a hora do show começar para você calar a essa boca.
Para o azar de Jove que queria que a falácia acabasse ali, o show iria começar daqui uma hora e ela teria que ouvir a amiga Fer e seus planos de chegar de uma vez por todas no baterista. Leonis precisou parar de tomar as bebidas por um tempo ou senão passaria o resto da missão com a cabeça pronta para a ressaca de amanhã.
Os integrantes da banda entraram um por um, a cada nova aparição gritos deixavam a garganta das pessoas presentes ali. Era uma banda pequena, cantor que além de cantar, tocava a guitarra também, o baixista apareceu e por último e não menos importante e que foi recebido por gritos femininos, o baterista.
Leonis não pode deixar de arregalar os olhos ao ver que o baterista tão desejado pelas garotas era o próprio Cosmo Adranos que pareceu não se comover com a admiração que recebia. Ele estava com um cigarro entre os lábios com uma expressão de cansaço. Ou talvez pudesse ser irritação com tantos gritos de mulheres de que ele não se importa e elas não se tocam de uma vez por todas. Ele nem ao menos olhou para a plateia que o adorava. Sentou-se de uma vez no banquinho que o deixa próximo à bateria e tocou algumas partes do instrumento de forma aleatória.
― Boa boite, Laedi! ― O cantor deu as primeiras palavras com um grande sorriso. Ele parecia ser o mais velho de todos. Era alto e magro com cabelos negros e curtos. Seu tom de pele era pardo e seus olhos eram escuros. ― Somos a Avesque Turbata e é ótimo estar aqui de volta novamente. Eu sou Oscar, guitarrista e cantor. O cara charmoso que pegou todas as mulheres daqui é nosso baixista Curt e ali está a tortura preferida das garotas, Cosmo.
Mais uma vez os gritos femininos foram os mais altos. Oscar fez questão de olhar para Cosmo nesse momento esboçando um sorriso de deboche, mas Cosmo de nenhuma forma reagiu.
― Obrigado por virem até aqui hoje, vamos fazer valer a pena com muito barulho!
A guitarra foi acompanhada da bateria em quatro toques iniciais. Era um momento nunca visto por Leonis, e de fato, ninguém que viveu na Morada teria oportunidade de presenciar as cabeças das pessoas se mexendo para frente e traz no ritmo perfeito da música. Era divertido e envolvente, dava vontade de seguir os movimentos das pessoas, mas Leonis estava se controlando com um sorriso que não conseguiu segurar mesmo com uma letra um tanto desafiante.
Não importa quem você é
O Tempo é o maior assassino
Se meu nome não é alto como o Empíreo
Que falta faço para o mundo dos ricos?
O Rei de todos nós sorri ao dormir
Só de lembrar que não vai sumir
E olha eu aqui sem nenhuma arma
Para me defender dos verdadeiros inimigos
Não importa quem você é
O Tempo é o maior assassino
A luta nunca foi verdadeira
Porque está nas mãos erradas
Leonis sentia até mesmo uma sensação de solidão por não saber a letra da música como a grande maioria ali para que assim pudesse acompanhar todos. Estava sendo bem difícil de se controlar naquele momento, por isso foi pedir outra bebida para se distrair com o álcool. Pensou que teria uma grande decepção ao ir para lá, mas com música tudo melhora.
Caminhou um pouco longe do grupo de pessoas e ouviu certa agitação na porta, algumas pessoas estavam correndo para a saída com uma expressão de medo profundo em seus rostos. Antes que Leonis chegasse mais perto para saber de vez o que estava acontecendo, viu um dos homens erguer uma arma. Todos saberiam da presença dele, mas a música e gritos ocultaram qualquer som de espanto.
O egoísmo de Leonis falou alto, ele poderia muito bem ter gritado para todos irem para baixo porque sabe que aqueles que estavam perto de si, conseguiram se proteger, mas ele não fez isso. Pulou para trás do balcão do bar e se jogou para o chão. O atendente se surpreendeu com o que o soldado fez, mas não teve tempo de questiona-lo.
Dois tiros daquele homem e seu grupo de seis homens entraram. Ouviu mais tiros e a música parou de vez, e como se isso não bastasse, rajadas de tiro ecoaram pelo bar, isso indicava que alguém ali tinha armamento pesado. A julgar pela direção do som, veio do palco. É como se um dos membros da banda já tivesse suspeitado dessa visita.
O bar ficou praticamente vazio, a maioria saiu correndo daquele lugar deixando apenas garrafas vazias e bitucas de cigarros no chão. Leonis permaneceu em seu lugar em silêncio, não era uma boa hora para sair correndo agora que a troca de tiros acabou, e também, quem sabe iria ouvir algo de interessante.
― Avesque.....Sempre pronta para os sons.....E tiros. ― Uma voz grave foi ouvida e tinha um tom de deboche. ― Principalmente você, Cosmo, bela metralhadora. ― Isso responde muita coisa, era ele quem havia atirado do palco.
― Vocês não mudam de plano quando quer levantar um inferno, eu apenas me acostumei. ― Cosmo não pareceu estar abalado. Leonis não estava vendo nada, mas o ruivo estava levantando com uma metralhadora em suas mãos. Saiu detrás da bateria e desceu do palco. ― O que quer dessa vez, o de sempre? Isso está se tornando uma chatice.
― Chatice ou não está chamando cada vez mais a atenção dos desgraçados dos Rebeldes pra cá. ― Leonis tocou seu bracelete e clicou no aplicativo de gravação, é provável que essa conversa lhe renda boas informações. ― Bastou um show de vocês aqui para que as perturbações começassem.
― Não sei de que perturbação está falando. ― Uma sobrancelha Cosmo se ergueu em dúvida. ― Pelo que eu saiba, aqui sempre foi um péssimo lugar.
O grupo de homens riu em sincronia.
― Um pensamento típico de alguém de Umbrae, sua família é bem rica, não? Por que não usa o Zenobia como sobrenome?
― Por que você não sabe de merda nenhuma da minha vida. ― Direto como sempre, Cosmo não tolera ninguém tocando no sobrenome de seus pais adotivos. Não o machucava, mas deixa em seu rosto o traço de irritação.
― Eu mandei que nenhum de vocês voltassem para cá, e vocês voltaram. ― O homem começou a andar pelo bar até que parasse no balcão. Leonis segurou a respiração com um olhar fixo para o teto. O Líder daquela gangue aproveitou uma das garrafas que ainda tinha cerveja para dar um fim de uma vez na bebida. ― E olha só vocês, desgraçados, aqui de novo. Parecem que estão a fim de morrer com trinta tiros.
― Só viemos tocar música, e o povo gosta da gente. ― O baixista Curt entrou de vez na conversa. ― E vocês mataram um dos nossos fãs da última vez.
― Eu pareço me preocupar com isso? ― O Líder bateu a garrafa com força no balcão. ― Cosmo, o que você tem para que os Rebeldes fiquem atrás de você como se fossem uma sombra? O que me deixa irado é que onde tem Rebeldes mais tarde teremos aqueles abutres da Duo Corvus por aqui.
― Não entendo sua preocupação, seria mais fácil você se juntar com os Rebeldes já que você só semeia o caos por conta de gangues, um motivo ridículo.
― Já estou cansado de vocês. É a última vez que aviso. ― O Líder se aproximou de Cosmo com um olhar ameaçador. ― Nunca mais ousem colocar os pés em Laedi ou vou atrás de cada pessoa querida para vocês e faço virar a próxima notícia de homicídio e massacre na TV.
Cosmo bufou irritado. Ele pode ter praticamente abandonado sua família adotiva, mas isso não significava desejar mal para seus pais ou queria que eles passassem perigo por sua culpa. Mas tudo bem, Cosmo não tem problemas com o orgulho e sabe o que deve fazer.
― Apenas lamento pelos fãs então. ― O ruivo deu de ombros. ― Você vive culpando as outras cidades, mas quem faz de Laedi um lixo de inferno é você e as gangues.
― Caia fora, peguem seus instrumentos de merda e caiam fora.
O Líder com seus homens deixaram o local para depois os membros da banda começarem a guardar o que era deles. Comentavam sobre o ocorrido e bebiam das garrafas que ficaram inteiras.
― Podem ir, quero ver se não deixei nada. ― Cosmo falou acendendo um cigarro. ― Me esperem lá fora, não demoro.
― É melhor não demorar mesmo, Cosmo, não queremos mais problemas.
O baterista concordou com a cabeça e seus amigos saíram. Laedi é tão descontrolada que sabe que se o tiroteio fosse em outra cidade, policias estariam agora mesmo naquele bar.
― Você pode sair dali agora.
O soldado arregalou os olhos surpreso. Tinha muita gente naquele bar para que ele tivesse a atenção apenas si por algum momento ou mísero segundo. Leonis bufou e parou a gravação para se levantar lentamente com o olhar direto para Cosmo. O ruivo estava segurando sua metralhadora e apontava para Leonis. Não importa a mira, sabe bem que se Cosmo resolver apertar o gatilho em um segundo terá seu corpo cheio de buracos.
― Você é bom, conseguiu saber que eu estava ali.
― Eu te vi pulando atrás do balcão, você não é o único que notou que uma grande merda estava vindo. ― Cosmo parecia estar tão preparado que debaixo do banco que estava sentando enquanto tocava bateria estava a arma de grande porte. Ele é um ótimo observador e presta atenção em muitos detalhes.
― Aquele era o Líder Wicenty Marea, o Líder do sul de Laedi. O que ele queria com você?
― Eu não tenho a obrigação de responder.
― Ah..... Você tem sim. ― O loiro sorriu de lado e mostrou o bracelete dele para revelar um holograma da Duo Corvus. ― É melhor me responder senão realizo o pesadelo de Marea.
― Tsc..... ― Com uma expressão de desagrado, Cosmo abaixou a arma. ― Lucius Nox deve ter te mandado, não é mesmo?
― Como sabe disso? ― Pergunta Leonis com uma sobrancelha erguida.
― Graças aos meus pais adotivos, eles pagaram uma boa parte do armamento que militares do Rei usam. Um dos pedidos de troca que foi que me fizessem um de vocês, abutres.
― Corvos. ― Sitientem fez questão de corrigir, não é como se Cosmo se importasse.
― Os Zenobia me preferem no exército do que nas ruas. Eu não tenho motivos ou interesse de fazer parte do clube de vocês.
― Mas você é bom. ― O soldado saiu de trás do balcão para se aproximar. ― Parece já um soldado bem treinado.
― A vida nas ruas me ensinou a ser alerta, ou senão....Eu morro.
― Cosmo, você ainda não me disse o motivo da Armada estar te procurando. ― Agora em um tom sério, Leonis disse tais palavras o encarando.
― Não é da sua conta.
A persistência de Cosmo em manter segredo era irritante, e Leonis exibiu sua irritação com um riso nervoso. A vontade era de chamar autoridades e mandar Cosmo preso. Aprendeu que em uma boa tortura, daquelas que você não mata o prisioneiro e o faz sofrer até que solte a língua, era uma forma eficaz de conseguir a informação que queria. Mas pense no trabalho de encostar um só dedo em um filho adotivo de uma das famílias mais ricas de Umbrae e que davam um bom apoio financeiro para a Monarquia.
― Cosmo?
Assim que ouviu a voz da garota que completou 14 anos ontem, Cosmo fechou os olhos por alguns segundos. O soldado olhou para a entrada e depois para o ruivo, aquela expressão de falha entregava todo o jogo de Cosmo estava escondendo friamente. Era uma garota baixa de cabelos negros e olhos de um eterno breu de tão escuros. Estava com um vestido de inverno que ia abaixo dos joelhos. Por conta da chuva, a menina usava uma capa transparente e estava livre de qualquer gota da chuva.
― Cosmo, você estava demorando e eu..... ― Ela pareceu constrangida. ― Não sabia que ainda tinha alguém aqui.
― Eu disse para você ficar na van! ― O tom de voz de Cosmo estava possesso de raiva.
― Calma, Cosmo, que isso.... ― Leonis sorriu de lado. ― Ela é só uma criança. Não me diga que....É isso que a Armada está atrás. ― Encarou a menina.
― Angie. ― Fez um sinal para que ela se aproximasse. A garota ficou ao lado de Cosmo sem tirar os olhos do soldado. ― Qual seu nome?
― Leonis.
― Escute, não quero você tentando falar comigo novamente. Se for ordem de Nox, diga para ele que eu mandei ele se ferrar. Não me atormentem com essas ideias estúpidas de entrar na Duo Corvus, e outra coisa. ― Cosmo ergueu a metralhadora, dessa vez seus dedos tremiam em impulso para atirar em Leonis. ― Não tente, ou nem sonhe, ou seguir Angie. Muito menos mandar investigadores, eu mato você e mato qualquer um daquela força especial de lixo. Me entendeu, Leonis?
Sitientem desviou o olhar para a garota se perguntando a importância de Angie. A única resposta que tinha para si mesmo era de que aquele não era o nome da menina, era apenas um apelido.
― Certo.....Avisarei para o General Nox, quem sabe depois dessa ameaça e de mandar ele se ferrar com suas próprias palavras ele não te faça uma visita?
― Que bom que você entendeu. Agora é melhor você ir, Leonis.
― Eu irei. ― Confirmou com a cabeça e enfiou as mãos no bolso. ― Foi um prazer conhece-lo Cosmo, a situação de hoje foi um verdadeiro show. ― O deboche de Leonis era palpável.
E com isso, não achando que perdeu algo ali, Leonis saiu do bar com novos rumos com metade de informações.
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