Capítulo 1

No livro de Gênesis, capítulo vinte e nove, temos a história de um homem que se apaixonou de tal forma por uma moça - Raquel o nome dela - que não pensou duas vezes em trabalhar para o pai dela em troca de tê-la como esposa no final dos anos. Jacó cumpriu com o acordo, porém no dia do casamento foi abruptamente enganado pelo sogro que o embebedou e o casou com Lia, a irmã mais velha de Raquel. Imagine como Jacó se sentiu ao descobrir que sua amada não era dele e ainda tinha um compromisso com uma mulher que não amava!? Traído! Esse devia ser o sentimento após a noite de festa que se transformara em luto para o seu coração.

Ele poderia ter fugido, o que Jacó perderia!? Nada. Mas, ao invés disso se propôs a trabalhar mais sete anos por Raquel. Ele não desistiu e acreditou que pelo amor valeria a pena todo o sacrifício.

Eu queria ser corajosa como Jacó e não desistir tão fácil, mas ao invés disso, eu havia deixado de lado aquele velho sonho, um sonho de menina, de casar-me de branco e ter uma linda família.

Meses se passaram desde aquela sexta-feira chuvosa em que eu havia sido avisada pelo meu próprio noivo que aquela relação tinha ido longe demais, que "talvez" ele tivesse se enganado sobre o que sentia por mim e o melhor era manter apenas a relação de amizade. Ele queria me poupar de sofrimentos - foi o que ele repetiu mais de duas vezes -, mas pouco tempo depois assumiu uma relação séria com a ex-namorada. E, por isso, naquele instante eu queria que minha melhor amiga entendesse que uma nova "oportunidade" era algo ainda doloroso para mim. Confiar... ahh confiar! Era um grande desafio!

- Agatha, já tem quase um ano! - Marina insistiu - Não posso acreditar que você ainda pense n...

- Não, eu não penso! Eu só custo acreditar que eu possa gostar de alguém agora... aliás, eu não estou disposta a isso!

- Óbvio que não está! - Marina revirou os olhos - Já parou para pensar que seu medo e desconfiança pode estar te afastando do melhor de Deus para você!? Não se prive das bênçãos de Deus por medo! Tenha confiança nEle!

- Ahh - suspirei - Eu tenho! Só não sinto ser o momento!

Era tão óbvio assim o medo que eu tinha de me relacionar com o sexo oposto outra vez!? Pelo visto sim. Mas, o que eu podia fazer!? Eu confiava em Deus, mas não nas pessoas... não nos homens!

- Tenho algo para compartilhar com você! - Marina falava séria e não podia evitar de ser enquanto me encarava, eu estava mais confusa do que nunca - Eu tenho um medo! Ou melhor, tinha! Tinha um medo absurdo de não ser boa o suficiente para as pessoas... De não ser boa amiga, ou boa filha... namorada, enfim, eu não suportava a rejeição das pessoas a minha volta e por isso fazia de tudo para não desagradá-las, isso incluía comprar brigas que não eram minhas... passar noites em claro tentando ser alguém que eu não era, quando Deus me amou sendo eu quem sou. Com cada defeito Ele me amou... sabe, mesmo quando Ele disse "Toma tua cruz e siga-me" Ele já me amava e não existe nada que eu possa fazer que diminua ou aumente esse amor! O que eu quero te dizer é que ninguém vai amá-la como Jesus, ninguém! Então, não espere um amor perfeito! Deus cuidou de você em cada detalhe, e principalmente no fim daquele noivado sem sucesso. Então, não tem porque duvidar de todas as coisas boas que Ele tem para sua vida!

- Eu sei... - os meus olhos marejados denunciavam a forma como aquelas palavras haviam tocado minha alma - Eu sinto como se não pudesse conseguir sentir algo do tipo de novo, Mari! Estar sozinha é mais fácil, mais cômodo... Me livra de decepções e..

- E de viver também. E seus sonhos!? Você sempre foi o tipo de garota romântica que sonha em casar, com aqueles vestidos estilo princesa, com o amor da sua vida! Onde foi parar tudo isso!? Desde quando mesmo você sonha com isso!? Ah sim, desde que tinha quinze anos!

- Ahh isso é passado! Eu era apenas uma menina sonhadora! - levei o canudo do copo de milk shake a boca enquanto Marina me encarava incrédula - Já parou para pensar que meu sonho possa ter mudado!?

- E mudou desde quando!? - aquela sobrancelha arqueada me avisava que viriam mais verdades pela frente - Desde que foi enganada pelo seu ex-noivo!? Isso não é coincidência para mim.

- Ok, vamos mudar de assunto! Deus me ajudará com isso, se for da vontade dEle!

- Sim, eu vou pedir muito para que Ele abra essa cabeça dura aí! - Marina sorriu - Sobre o que quer falar!?

- Qualquer coisa que não tenha a ver com minha vida sentimental!

Jogue a primeira pedra quem depois de uma desilusão não evitou consciente ou inconscientemente repetir a dose. Seja no âmbito emocional ou não, tendemos a evitar o que nos causa dores. E era o que eu fazia! Foi difícil recuperar meu coração e, antes disso, fiz questão de devolver o anel de noivado e perguntar ao meu ex-noivo o motivo de ter me deixado, o verdadeiro motivo! E depois de longas voltas no assunto admitindo que havia voltado com a ex-namorada, agora atual, ele disse: "- Eu não te amava, Agatha. E não parava de pensar em como seriam as coisas ao lado da Débora... Tudo o que estávamos montando juntos, eu queria que fosse com ela." Custando mais lágrimas e dias de tristeza que foi colocado ao fim com a seguinte frase da minha irmãzinha​:

- Chega de chorar, Agatha! Se ele não te ama, não merece o seu amor!

Luna apesar de menos experiente tinha razão e eu admitia. Afinal, o que poderia fazer!? Devia agradecer à Deus por aquilo ter terminado antes do casamento, do contrário, seria uma mulher deprimida e divorciada e eu não queria ser nenhuma das duas coisas.

Diante de tantos divórcios à minha volta já começava a pensar que seria difícil meu sonho se concretizar, casar e viver o resto da vida ao lado da mesma pessoa parecia algo ilusório agora, como o "Felizes para sempre" dos contos de fadas. Mesmo que minha razão estivesse levando-me para a desistência desse "Sonho de Menina" algo dentro de mim ainda apitava fazendo-me acreditar que sim, aquilo era possível! Como uma pequena luz insistindo brilhar em meio a uma imensidão escura.

Na verdade já fazia um ano e três meses e remoer cada erro não havia ficado no passado. As lembranças tinham o poder de torcer meu nariz em insatisfação.

Argh! Um ponto a menos para você, Agatha! - a autocensura era corriqueira.

- Como anda o trabalho!? - Marina perguntou antes de morder o sanduíche de cheddar e bacon.

- Uma loucura! - sorri após me lamentar - Minha chefe está de licença maternidade, lidar diretamente com aquele gerente é terrível! Tenho que cuidar até de coisas pessoais dele.

- Como o quê!? - os olhos atentos refletia toda curiosidade de Marina.

- Como mandar flores para uma mulher que não sei se é esposa, mãe, irmã ou amante dele! Confesso que isso me incomoda e muito!

- Uau! - Marina arregalou ainda mais os olhos - Isso daria uma encrenca e tanto!

- Pior, todo o dinheiro das flores saem da empresa e não sei se isso pode causar algum problema para mim. - senti os nervos do pescoço se enrijecerem - Eu realmente não preciso de mais problemas para resolver lá dentro.

- Se o dinheiro saí mesmo da empresa o analista financeiro deve saber! Isso não poderia causar problema para você.

- Eu sou o administrativo financeiro do setor!

- Sim, mas não o Analista Financeiro do Financeiro! - Marina sorriu de forma sapeca

O analista financeiro - do financeiro da empresa - era Anderson, o rapaz que vinha me convidando para sair a algum tempo. Era o tipo cobiçado por boa parte das mulheres da empresa, compromissadas ou não compromissadas. O perfume dele ficava por onde quer que ele passasse, e ele tinha a mania de falar de um jeito arrastado, meio sedutor. Porém, eu o evitava! Eu não queria me envolver com ninguém, muito menos com um cara que cheirava a problema e sempre tinha uma garota para sair a cada final de semana, sem contar a parte de ele não ser cristão. Ok! Pode soar como besteira mas, se fosse para eu me envolver com alguém tinha que ser alguém que professasse a mesma fé - era o que eu pensava, e estava decidida a isso. Porém, independente da fé as características que se antecederam já era o bastante para manter-me afastada do rapaz.

Marina pensava diferente, ela não via problema em eu sair para jantar com um cara gato como Anderson, que me levaria à um bom lugar em seu carro extremamente confortável, pelo menos era o que as garotas da recepção haviam dito sobre os passeios com o rapaz. E outra, de acordo com ela eu não era obrigada à nada. E concordava plenamente! Jantar com ele não significava beijá-lo ou algo mais, no entanto, eu era muito cabeça dura quanto aquilo! Sabemos que alguns homens cobram gentilezas, eu tinha medo que Anderson fosse um desses. Marina definitivamente já estava desistindo de me encorajar a sair daquela zona de conforto ou geleira emocional, e eu já estava me sentindo agradecida por isso.

- Sabe o que penso sobre isso! E a resposta para ele sempre será negativa!

- Ok, ok! - Marina falou limpando a boca com um guardanapo de papel - No dia que aparecer alguém que consiga amolecer esse coração gelado vou atravessar a avenida paulista sambando!

Gargalhamos juntas e depois de tomar fôlego soltei:

- Irei cobrar, tenha certeza disso!

Conheci Marina quando tínhamos doze anos de idade, mais ou menos, e a partir de então nos tornamos inseparáveis. Apesar de toda diferença entre nós duas - isso incluí o modo de viver, onde Marina insiste em usar sua liberdade de forma extrapolada, enquanto eu sempre escolho o lado mais moderado da vida - nós tínhamos um ótimo relacionamento! Sempre conseguimos ler uma a outra de modo inacreditável, como se fôssemos​ irmãs! E era exatamente assim que nos sentíamos, como verdadeiras irmãs!

- Você tem razão - finalmente admiti - Eu ainda tenho esse sonho de me casar de branco, trajada de um belo vestido princesa e com o "amor" da minha! - sorri sem graça - Mas, não sei onde ele pode estar!

- Agatha, gata, você não me engana! - Marina riu alto - Sabe, até acredito que esse seu sonho foi plantado por Deus nesse coraçãozinho teimoso - finalizou apontando para o meu peito.

- Sim, também acredito - coloquei os cotovelos sobre a mesa e sustentei o queixo nas mãos - Apesar de agora ele estar em um baú cheio de teias de aranha.

- Amiga minha não fica nessa situação não! Abra esse baú, tire as teias de aranha e pega de volta o que Deus te deu! - Marina se levantou da mesa rápido demais.

- O que vai fazer!?

- Vamos, levante! Nosso final de semana só está começando! Coloque um sorriso nesse rosto, vou te ajudar com seu baú! - Marina tocou minha cabeça com seu indicador.

Era para eu sentir medo!? Claro! Estávamos falando de Marina, minha melhor amiga sim, mas que já havia tentado ser meu cupido mais vezes que o necessário. Ela me jogava para rapazes que eu sinceramente não saberia distinguir um dos outros, todos cristãos, com topetes lustrosos tanto quanto os próprios sapatos, que falavam de casamento antes mesmo de falar no namoro. Muita calma nessa hora pessoal, um passo de cada vez! Depois da minha desastrosa experiência eu havia ficado mais cautelosa no assunto "relacionamento amoroso".

A verdade é que eu não tinha sentido "aquilo" ainda, sabe!? A segurança no olhar, o sorriso de tocar o coração... a determinação de lutar para fazer a relação andar! Enfim, de alguma forma Marina havia tocado minha alma com suas palavras. Eu não encontraria um amor perfeito, mas encontraria alguém que estaria disposto a lutar por um amor que seria só nosso! Sem pensar na ex-namorada de preferência.



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