2. Não fique tão surpreso

Não fique assim tão surpreso.

Você queria saber por que fiz o que fiz, então aqui vai a minha confissão... e, também, possível sentença de morte. Mas, convenhamos, que me importa a esta altura? Meu destino já está selado, não é mesmo?

Talvez isso o deixe chocado, mas não acordei naquela manhã com o plano maquiavélico de destruir nossas vidas. De fato, nunca estivera tão feliz. Era o primeiro dia de trabalho no emprego dos meus sonhos!

Ou... assim eu achava.

Não que ser contratada para ajudar nas negociações da Comissão Oficial de Pesca de Detryen e Blek Nordmor fosse algo assim tão empolgante. Nada contra pesca. Afinal, meu próprio pai foi pescador durante muitos anos, desde que fugimos de Detryen. Reconheço a importância da profissão. Só, às vezes, esse assunto pode ser algo assim um tanto... entediante?

Então, não, não foi o tema da reunião que fazia deste o emprego dos meus sonhos. Mas sim, o fato de que, para o desespero dos meus pais, a reunião iria acontecer dentro do palácio real. E, melhor ainda, durante o Baile Real de Silvestre!

Você consegue imaginar o quanto esperei por esse dia?

Era a primeira vez, desde que saímos de Detryen, em que eu colocaria meus pés num palácio, embora eu já imaginasse que a corte em Blek Nordmor fosse ser bem diferente.

Mesmo assim, minha mãe implorou naquela manhã, torcendo o avental em suas mãos precocemente enrugadas:

— Filha, não é tarde demais... Você ainda pode desistir.

Eu estava ocupada demais para ouvir, rodopiando aquele vestido azul ridiculamente pomposo em frente ao espelho de bronze, um dos poucos artigos de luxo que trouxéramos conosco para Blek Nordmor.

— Mamãe, fique calma. Não há nada nesse trabalho além do que eu faço todas as semanas. — Puxei os lados da saia rodada e me inclinei numa reverência forçada, dando risada. — Exceto que vou estar melhor vestida, é claro.

— Oh, eu não sei... — Ela torceu o avental encardido com mais força e soltou um suspiro de resignação. — Você não sabe como é... Existe uma espécie diferente de perigo entre poderosos.

Parei de me olhar no espelho por um instante e me voltei para ela.

— Mãe... — Suspirei também e tomei um tempo para observá-la.

Meus pais sempre tiveram esse pânico irracional, esse desejo de me proteger de tudo e de todos. Provavelmente foi por isso que me apaixonei pelas letras. Eles não tinham medo quando era apenas eu, uma escrivaninha e livros empoeirados.

— São só palavras — prometi. — Não estou indo para a batalha, não estou empunhando espadas. Eu só tenho que falar e mais nada. O que é o pior que pode acontecer? 


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top