8

Seu Lilo não criava mais gado de corte e também não vendia mais leite. Mantinha apenas algumas vacas para o sustento da casa, que lhe forneciam leite e queijo. Plantava agora apenas para subsistência: milho, arroz, feijão e mandioca. Tinha uma boa horta, com alface, cebolinha, couve, cheiro verde e repolho. Nancy estava impressionada com os pés de alface e os pés de quiabo.

— Não sabia que quiabo dava em pé.

Um dos empregados de Lilo, que acompanhava os visitantes, olhou assustado para Nancy, que perguntou:

— E já está na hora de colher? Estão bem grandes.

— A gente só colhe os grandes, mas só quando ainda estão macios. Dá um pequeno corte com a faca. Se estiver duro, aí já passou da hora. Ou então a gente quebra a ponta. Se não quebrar, é que já passou do ponto. Já comeram frango com quiabo?

Só seu Onofre já havia comido:

— É muito bom.

— Vou colher alguns pra janta. Me ajudam, moças?

Lia, que tinha mais jeito, ajudou com prazer. Nancy ficou só olhando. No fundo, ainda estava preocupada. Tudo se explicara, ou, pelos menos, quase tudo. Seus sonhos eram realmente uma visão do passado. Tudo acontecera como ela tinha visto. Mas ainda faltava explicar o porquê de tudo aquilo. Não se tratava de aviso, não se tratava de desvendar o crime, pois todos sabiam quem havia matado Ana. E, fosse o que fosse, por que ela? O que ela tinha a ver com tudo aquilo?

A fazenda era linda, tudo muito bem cuidado, desde o curral até a cocheira, onde seu Lilo ainda tinha duas éguas; mas, por causa daquele problema, ela não estava se divertindo nem um pouco. Pensara que seu Lilo pudesse trazer alguma luz... Trouxera, mas não o suficiente para tranquilizar seu espírito.

Uma coisa adicional, porém, a inquietava e não contara a ninguém ainda. Sentira uma estranha sensação, quando haviam passado a porteira que dava acesso à fazenda. E depois, quando entravam na casa. Não era uma sensação ruim, mas estranha. Era como se já conhecesse tudo aquilo. A porteira, a varanda, as salas, o piso de assoalho. Nada lhe parecia estranho, tudo era muito familiar. Mas achou melhor não dizer nada.

— Não há frutas por aqui?

— Há sim, dona Lia. Tem pé de manga, jambo, jabuticaba, laranja, limão, mexerica...

— E agora é época de quê?

— Laranja. Tem banana também.

Lia estava empolgada:

— Vamos lá, chupar laranjas?

— Não sei, Lia. Não estou a fim.

Onofre procurou animá-la:

— Vai ser bom, vamos! Eu sei que você ainda tem muitas dúvidas, eu também, todos nós. Mas vamos pensar positivo, estamos no caminho certo. Tenho certeza de que em breve tudo o que falta se esclarecerá.

Havia laranjas de todos os tipos: lima, bahia, serra d'água. Lia adorava laranjas e fez a festa.

Subiram para a casa mais tarde. Lilo veio recebê-los quando chegavam à varanda. Sentaram-se todos por ali mesmo:

— E aí? Gostaram?

Lia era a mais extrovertida:

— Eu adorei.

— E o senhor, seu Onofre?

— Achei muito bom. Gostaria de voltar mais vezes.

— Pode vir a hora que quiser, traga sua esposa. E sua filha também está convidada.

Lia soltou um risinho abafado. Onofre sentiu-se extasiado. Não podia ter tido ideia melhor que aquela, de dizer que Lia era sua filha. Comentou:

— Não vi muitos cavalos.

— Já tive muitos, mas vendi quase todos. Fiquei só com duas éguas, boas de montaria. Eu não monto mais, mas meus filhos montam. Uma das éguas é bastante mansa e a criançada adora. A fazenda é isso aí o que vocês viram. Na verdade, é o que restou dela, pois a maior parte das terras eu já vendi. Fiquei com poucos alqueires: a área onde está a sede e as demais dependências, mais aquele pasto ali, que costumo alugar. Minhas filhas só vêm passear e não têm tempo para tocar a fazenda. Por isso vendi quase tudo.

— E o senhor mora sozinho aqui?

— Não. Meu filho, o caçula, a mulher e os dois filhos me fazem companhia. De todos, ele é o que mais gosta do campo. Estão viajando... É, eu posso dizer que sou um homem feliz, apesar do que aconteceu com a Ana. E também, o que espero mais da vida? Minha hora já deve estar chegando.

— Que é isso! O senhor ainda vai longe.

— É o que os médicos dizem, Nancy. E se eles dizem, deve ser verdade. Mas estou preparado para o que der e vier. Acho que Deus já me reservou um bom lugar, creio eu.

Ficou a olhar por algum tempo o pasto do outro lado da estrada pela qual se chegava à fazenda. Nancy, observando-o naquela posição, sentado com a destra trêmula apoiada sobre a bengala, a olhar para o infinito, teve a sensação de já o ter visto, naquela mesma posição. Era aquela estranha impressão de novo. Tomou um susto, quando ele voltou o olhar para ela. Era como se ele já tivesse feito isso antes, daquele mesmo jeito:

— Me diga uma coisa: o que pensa de tudo isso? Por que será que sonhou com esse crime hediondo? Vejo que você não está se divertindo com o passeio.

— É que não viemos a passeio. Viemos atrás de respostas e até agora eu me sinto na mesma. Apenas confirmei que o meu sonho era verdadeiro, mas ainda não sei o porquê de ter sonhado com sua filha.

Lilo ressaltou, com a voz muito calma:

— Sempre fui um homem de muita tranquilidade. E a vida sempre deu as respostas que esperei com paciência. Acho que é o que você deve fazer: ter paciência. Também estou curioso por saber por que você sonhou com Ana Maria e viu tudo o aconteceu. A única coisa que posso imaginar é que é um mistério de Deus, mas Deus sempre tem algum propósito. É só aguardar.

Nancy lembrou-se de algo que não podia deixar passar:

— O senhor não tem uma foto de sua filha?

— Tenho sim. Temos várias aí.

Lilo pediu à filha que trouxesse alguns álbuns de família que estavam em seu quarto. Havia fotos de todas as épocas, desde quando Ana e seus irmãos eram pequenos, no início dos anos 1960, até próximo de sua morte, em 1982, com 27 anos de idade. Havia até foto dos gêmeos, recém-nascidos e depois já crescidos.

Seu Lilo, inteligente que era, mostrou uma das fotos, mas não disse quem era quem.

— Pode me apontar Ana, nessa foto aqui? Ela está com os irmãos e algumas primas. Veja que são todos praticamente da mesma idade. Foi tirada em 1980. Quando morreu em 1982, estava do jeitinho que está nesta foto.

Nancy já a tinha identificado muito antes dele perguntar. Quando batera os olhos no retrato, já sabia qual das mulheres ali era Ana. Apontou-a sem titubear.

Lilo espantou-se:

— É ela mesmo! E esse aqui, na outra foto? Sabe quem é?

— Se for o José, não sei dizer, porque não vi seu rosto.

— Não é ele. Queimamos todas as fotos em que ele aparecia. Esse é o meu filho. Sabe, tenho mais raiva do João Gouveia do que do José. João Gouveia foi muito mais canalha. O que ele fez, fez friamente. Abusou da fragilidade da minha filha e de um momento difícil que ela estava passando. José, infelizmente, era aquilo mesmo, um homem bruto, ignorante. E seguiu seus instintos. Não sei se no lugar dele eu não teria feito o mesmo. Acho que não...

"Eu também sou um pouco culpado, pois incentivei o namoro, mesmo sabendo que ele não era homem pra Ana Maria. Por isso não o odeio. Lamento o que fez, mas, no fim, ele acabou pagando por seu erro com a própria vida. Agora, quanto ao João, não. Esse eu não perdoo, apesar dele também não ter escapado da justiça divina.

O próprio Lilo quebrou o clima de nostalgia:

— Bem, vamos ver a casa onde a tragédia aconteceu?

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