A renda

A  r e n d a

— Merlot ou Pinot Noir? — Bernardo levantou duas garrafas que estavam dentro da adega que ele havia trazido para a casa deles.

Aquela adega tinha história, e a maior delas foi o dia que ela estava estocada apenas com garrafas de vokda para o carnaval de 2013. Aquele era o carnaval Luís quase entrou em coma alcoólico e Bernardo tentou o acompanhar.

— Tanto faz, de verdade — ela sorriu, retirando as embalagens de alumínio da comida que eles haviam pedido e os colocando em travessas — eu não gosto muito de escolher as coisas, prefiro que os outros decidam por mim.

— Não pode me dizer que é de libra. Eu sou de peixes, sabe o que isso significa, não sabe? — ele falou com animação, porém por perceber que o rosto dela de manteve impassível, ele suspirou, guardando a garrafa de Merlot na adega e começando o processo para abrir a garrafa de Pinot Noir — Essa é uma cantada que Carlos me ensinou, pois, de acordo com ele, garotas gostam de caras que entendem de signos e combinações.

— Não entendo nada disso — ela disse sem muita animação — mas você acertou, sou libriana. E você é mesmo peixes, ou isso é parte da cantada?

— Sou de peixes, mas posso mudar de signo dependendo do da garota — ele confessou, arrancando um riso dos dois.

Bernardo serviu uma taça para cada um enquanto eles comiam o salmão grelhado com batatas ao murro que ele insistiu em comprar — havia sido uma disputa quase sangrenta, porém ele chegou ao garoto do delivery antes que ela pudesse passar o seu cartão.

— Está muito bom — ela elogiou.

— Qual deles? — ele falou, tapando sua boca com o guardanapo, pois as batatas estavam muito quentes.

— Tudo! Muito obrigada — ela voltou a comer, esquecendo-se da sua taça de vinho por um tempo indeterminado, algo que não passou despercebido por ele.

— Não gostou do vinho? — ele franziu as sobrancelhas, pois aquilo era um Pinot Noir DOC 2014, não era dos melhores, porém era muito bom.

— Não! Quero dizer sim! Eu gostei — ela se explicou, limpando sua boca com o guardanapo e o colocando ao lado do seu prato vazio — eu só não tenho o costume de beber muito quando tenho companhia, normalmente uma taça ou duas.

Ele ponderou as palavras dela, tentando imaginar o que aquilo realmente significava. Ela nunca havia bebido? Ela era fraca para bebidas? Ela havia bebido tanto uma vez que ficou traumatizada? Eram muitas alternativas que ele não sabia qual poderia ser a mais verdadeira.

— Isso significa que você nunca ficou bêbada? — ele inquiriu com a voz tranquila, fingindo que aquilo não era nada demais, porém se perguntando como ele conseguiu encontrar o seu completo oposto social.

— Não — ela falou depois de pensar por alguns minutos, tentando contabilizar as inexistentes vezes que ela havia excedido seu controle no quesito álcool.

Depois disso, Bernardo ficou consternado, olhando para sua comida e a taça de vinho, tentando encontrar uma equação onde ele poderia tentar falar o mesmo, porém aquilo não existia. Era o processo natural da faculdade: passar no vestibular, notas baixas, álcool, festas e formatura. Todas as pessoas que ele conhecia também passaram por aquele processo.

— Posso te embebedar um dia? — ele se viu perguntando, percebendo que a frase havia soado melhor em sua cabeça.

Os dois se olharam, vermelhos de vergonha, e começaram a rir pelo absurdo da conversa.

— Para ser bem sincera, pode — ela concordou, surpreendendo-o — estive esperando a companhia certa que poderia encher a cara comigo e que no final da noite eu tivesse certeza que acordaria na minha casa.

— Sou o cara que você estava esperando — ele abriu os braços e eles se cumprimentaram em um high-five entusiasmado — agora vamos, meia garrafa de vinho não mata ninguém.

Ela concordou e ele serviu mais um pouco, enchendo a taça deles e começando a lavar a louça enquanto ela as secava, assobiando uma melodia incrivelmente feliz.

Após tudo lavado e devidamente guardado, os dois se sentaram no sofá, bebericando de seus vinhos e jogando mais conversas para o vento.

— Preciso de um banho, hoje o ar condicionado quebrou no meu andar — ele falou, levantando-se e ouvindo que ela faria o mesmo.

Ele entrou no chuveiro, agradecendo o bom gosto dela em duchas com boa pressão e temperatura, e começou a sentir a tensão do dia ir embora.

Mesmo depois de todo o interrogatório ao redor da dinâmica Catarina-Bernardo e como a peça Catarina poderia mudar as estatísticas do jogo para os rapazes, o restante do dia havia sido tranquilo.

Até que Sophia o havia mandado uma mensagem pedindo pelo novo endereço dele, pois ela precisava mandar uma caixa de coisas que havia descoberto que ainda estavam em seu apartamento.

Aquilo o deixou confuso, pois saber que mesmo depois de um ano ela ainda havia guardado pertences dele, parecia que ela não queria que ele a superasse. Mas por que ela iria querer um futuro tão cinza para alguém que amou tanto?

Ele não sabia responder, por isso respondeu o novo endereço a ela e não recebeu um retorno.

Aquilo não deveria significar nada, apenas uma devolução atrasada de suas coisas.

Não significava nada.

Ela amava outro.

Ele saiu do banheiro já com seu pijama, uma calça de moletom e uma camisa puída, percebendo que Catarina já estava escolhendo o filme que eles assistiriam. Ela estava enrolada em um cobertor bege, contrastando com o sofá cinza, com seu cabelo solto, estendendo-se pelos seus ombros desnudos.

Ele estava se esforçando para ter uma convivência sem conflitos, porém ela não o estava ajudando nenhum pouco — ele riu internamente, desde quando um ombro nu por uma regata era motivo de provocação? Não deveria ser. Ele que precisava se ajeitar.

— Gosta de Tudors? — ela perguntou, oferecendo chocolate enquanto clicava nos controles, concentrada, seus movimentos eram tão rápidos que antes mesmo de ele concordar, ela já havia colocado o episódio na televisão.

— Gosto — ele respondeu mesmo assim que a abertura da série começou.

Ela pegou as duas taças da mesa e ofereceu uma a ele, percebendo que ela havia recarregado o vinho ali de dentro.

— Obrigado — ele agradeceu, pegando o chocolate amargo ali ofertado e o comendo.

Depois de meros minutos, ele começou a sentir frio e se acomodou embaixo das cobertas com ela, mantendo uma distância aceitável entre eles, mesmo que seus pés as vezes tocassem os pés cobertos de meia dela — isso era algo que ele não conseguia fazer, permanecer de meia.

Então a situação começou a... esquentar... na televisão da sala, onde um homem e uma mulher estavam se entregando um ao outro sem nenhum pudor.

Ele roubou um olhar na direção dela, percebendo que ela estava compenetrada na série e mal percebia que aquilo poderia ser uma situação estranha para os dois. O que, de fato, não deveria ser estranho, não é?

Ele voltou a beber o seu vinho, notando que sua taça, antes cheia, já estava vazia.

— Vou pegar mais, quer? — ele ofereceu e ela estendeu a taça a ele, murmurando algo que deveria ser um agradecimento.

Ele abriu a adega e percebeu que a garrafa que eles estavam tomando já havia acabado, então ele pegou uma vinho nacional 2016 e abriu para eles, sem olhar muito o que estariam tomando, enchendo as taças e levando a garrafa consigo, pois não queria ter que sair do calor da coberta tão cedo.

Quando ele olhou para televisão, a cena havia desaparecido e havia algo sobre política acontecendo, porém ele não estava se concentrando muito — talvez fosse o álcool, ou o sono, ou os dois.

— Quer assistir outra coisa? — ela ofereceu o controle a ele, levantando-se do sofá para abrir a janela da sala.

Realmente estava abafado, ele pensou, então ele chutou as cobertas para fora e encontrou Friends passando, colocando no primeiro capítulo, pois não havia ninguém no universo que não gostava de Friends — a não ser Ana, mais um ponto negativo para aquela pessoa.

Catarina voltou ao sofá e também ignorou o cobertor, pegando a sua taça de vinho e a bebendo longos goles como se aquilo fosse suco. Bernardo pensou em avisá-la que aquilo não era uma boa ideia, mas parou no meio do caminho, pensando em como aquela discussão seria cansativa e não renderia nada.

No final, cada um iria para o seu próprio quarto e eles dormiriam de qualquer maneira, então não havia problema em deixá-la beber o quanto quisesse, ainda mais que ela havia confessado que nunca havia ficado extremamente bêbada.

Ele pegou um chocolate e enfiou em sua boca, assistindo aquele episódio pela terceira ou quarta vez, porém não se cansando.

Ele apoiou suas costas contra o sofá, relaxando, percebendo que Catarina havia feito o mesmo, todavia o olhar dele demorou-se um pouco demais nela do que deveria, ou melhor, na renda azul-marinho que havia aparecido por debaixo da sua blusa.

Bernardo engoliu a seco e se arrumou sentado no sofá.

— Hum — ele limpou a sua garganta — ei, moça, seu... está aparecendo — ele a avisou, gesticulando a alça da sua própria blusa para que ela percebesse.

No entanto quando ela o olhou, ele não viu constrangimento, apenas indiferença. Ela ajustou a blusa e não disse mais nada, como se aquilo não fosse nada — e não era, era?

Ele continuou a olhá-la, tentando entendê-la, pois ela era fechada para tantos assuntos, porém ali, com ele, ela parecia relativamente a vontade. Era o vinho ou era ela?

— Pare de me olhar — ela pediu, sem retornar o olhar na direção dele, tentando assistir a televisão.

— Por quê? — ele desviou o olhar, olhando para o relógio da sala e percebendo que ainda não havia dado meia-noite.

Parecia tarde, mas não era tanto assim.

Ela pegou a sua taça e serviu mais um pouco, olhando para ele e estendendo a garrafa, algo que ele aceitou sem hesitar.

Um brilho surgiu na mesa e ele percebeu que um dos dois havia recebido uma mensagem, porém como o celular dele estava em seu quarto, provavelmente era ela. E ela não se moveu para verificar o que era, mesmo que seus olhos tivessem se demorado na tela, identificando o nome da pessoa.

— Pare com isso — ela pediu, com as bochechas avermelhadas talvez pelo calor, talvez pelo vinho, ou talvez por ele mesmo — por que você está me olhando tanto?

— Não sei também — ele deu se ombros, tentando concentrar seu olhar na taça — acho que eu gosto de te olhar.

— Ah, claro — ela disse com ironia, rindo dele por motivos que ele desconhecia — uma bela visão.

— Eu acho — ele concordou mesmo que ela estivesse sendo sarcástica — você é uma moça bonita.

— Bonitinha — ela o corrigiu — bonitinha, sempre com o diminutivo no final, pois eu sou uma gracinha. Não sou uma deusa sexy como as outras. Tenho cara de 12 anos. Pelo menos é o que me falam.

Ela colocou a sua taça em cima da mesa, um pouco constrangida com a abordagem abrupta e sincera dele, e ele fez o mesmo, pois não conseguia manter suas mãos paradas para segurar algo tão delicado como aquilo.

— Mentiram para você, então — ele meneou a cabeça, aproximando-se dela — você não precisa ser uma deusa sexy para ser bonita. E você é bonita, até os caras que trabalham com você sabem disso.

Ela começou a se afastar, negando veementemente tudo o que ele falava, porém ele a segurou pelo pulso, perdendo o equilíbrio e fazendo com que seu corpo cedesse em cima do dela.

A respiração deles parou por um instante, era muito contato, muito próximo, muito repentino, muito intenso. Ele levantou o rosto para olhá-la, enquanto ela o fitava de volta com as bochechas em chamas e lábios entreabertos.

— Certo, você poderia parar de tentar criar este clima? — ela pediu, mesmo que as suas palavras não condissessem com o que seus olhos sussurravam — não tem nada rolando aqui, você sabe, não sabe? Nós moramos juntos, seria super estranho, então não tem nada acontecendo.

— Não? — ele perguntou com a voz rouca, sentando-se tão próximo dela que as pernas dela estavam em cima das dele.

— Não — ela mordeu seus lábios — nadinha — e prendeu a respiração.

Bernardo sorriu, pois por mais que ela tentasse falar algo, ela ainda não havia ido embora, ela ainda estava ali. Com ele. Próximo.

— Certo — ele concordou — então por que não me prova que não tem nada? — ele pediu, deixando seus dedos deslizarem pelo rosto dela, contando o número de sardas que existiam ali.

— Posso provar — ela se prontificou — vou te mostrar que não tem nada acontecendo entre nós.

E antes que ela pudesse escolher o jeito que iria comprovar sua teoria, ele puxou o rosto dela e a beijou.

A/N:

Esta é a prévia de EAUA! O restante vou postar depois de terminar com CD5!

Espero que estejam gostando! Acharam que isso aconteceu muito cedo? Eu não! Desde a primeira cena dos dois eu já queria um beijo rolando hehe

Aproveitem estes 4,5 capítulos disponíveis e #berina já é OTP pra mim hehehe

Beijinhos, até a próxima!

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