Epílogo: Elysium
Elysium: the abode of the blessed after death; a place or condition of perfect happiness; paradise.
-----------------------------
Foi difícil se readaptar.
As primeiras semanas foram um sufoco. Jungkook teve a ingênua impressão de que em poucos dias ele já sairia do hospital e voltaria para casa. Bem, não foi isso que aconteceu.
Seu corpo esteve inerte por muito tempo, e vários de seus órgãos acabaram sofrendo por conta disso.
No começo, ele não conseguia pronunciar sequer uma palavra, e andar estava fora de questão. Ele só podia beber líquidos e suas únicas atividades eram assistir Netflix na televisão do hospital e andar (mais como se arrastar) nas esteiras da fisioterapia. Felizmente, as coisas ficaram menos insuportáveis com a presença de Jin e Namjoon-hyung, que o visitavam todos os dias e lhe faziam companhia.
Com o tempo, seu corpo foi ganhando força de novo, até o dia em que ele finalmente saiu do hospital. Um mês se passou com ele no apartamento de Jin, mas rapidamente ficou claro que ele precisava arranjar um lugar para si só. Não era culpa de Jin e nem de Namjoon, mas para Jungkook era óbvio que os dois já estava muito bem estabelecidos ali, ele estava sobrando no meio de todo aquele amor meloso — além disso, Jungkook simplesmente não se enxergava mais naquele lugar, naquela realidade que parecia distar uma vida atrás. Ele precisava de um novo recomeço.
Apesar dos resmungos de Seokjin, a mudança acabou sendo mais fácil depois de Jungkook convencê-lo, com a ajuda de Namjoon, que novos ares lhe fariam bem, que ele precisava começar a interagir de verdade com o resto do mundo e que não, ele não estava de modo algum chateado e que sempre iria manter contato e visitá-los quando possível.
O primeiro passo em direção à liberdade de Jungkook foi sair da faculdade em Seul e se matricular na Royal College of Art no Reino Unido, cujo programa de Artes Visuais era simplesmente de tirar o fôlego. Jungkook voou cerca de 3 meses depois para o começo do segundo semestre, completamente sozinho e inseguro com a mochila nas costas e o peso de uma vida inteira preso em correntes invisíveis, mas tão esperançoso e feliz como ele nunca esteve.
Jungkook começou a dividir o dormitório com outro garoto, um menino japonês chamado Kazui, 2 anos mais velho que ele. Em pouco tempo, os dois se tornaram amigos inseparáveis, ambos nutrindo a mesma paixão por artes, videogames, e pronunciando um inglês péssimo.
A Europa era fria, nem todos os professores eram receptivos a estrangeiros, e a comida muitas vezes o fazia chorar lembrando de casa. As semanas foram passando, mensagens, telefonemas e até cartas aqui e ali faziam Jungkook se adaptar cada vez um pouco mais, mas no fundo de sua memória ele ainda pensava em Taehyung, que apenas havia mandado um cartão desejando melhoras quando ele acordou e esporadicamente mandava cartas perguntando como ele passava, muito impessoal e sem revelar nada. E também havia Jimin. O moreno tentava se acostumar à ideia de que provavelmente nunca mais o veria, que ele podia até mesmo estar morto, ou então em outro
plano (???), mas essas ideias sempre resultavam numa dor de cabeça forte e num embrulho de estômago.
— Você já sabe o que vai fazer pro projeto do Sr. Williams? — Kazui lhe tirou dos pensamentos enquanto enfiava o notebook dentro da mochila.
Era fim do 1° período, e como era sexta-feira, Jungkook não tinha aulas depois do almoço.
— Ahn, ainda não sei, mas temos tempo pra pensar nisso. Em último caso, você já sabe, né?
Kazui piscou, logo estourando em risos.
— Ah, claro. Vai improvisar com uma tela surrealista, certo? Me fala, Kookie, de onde surgem as ideias pra essas pinturas? Eu nunca vi coisa tão doida quanto as telas que você faz, nem em filme de terror.
Jungkook deu de ombros, guardando seu próprio material enquanto ria sozinho.
— Acho que eu só sou muito criativo, vai ver... — ele bem sabia que não era isso. Mas Jungkook não podia revelar a verdadeira fonte de sua "criatividade", aquele era um segredo que morreria com ele.
O auditório em volta dos dois garotos se esvaziava rapidamente. Pela janela, Jungkook via as numerosas árvores de carvalho que cercavam o campus, os campus de madeira, e alunos indo e vindo.
— Que seja, temos que ir logo ou então vamos acabar pegando as sobras do almoço! — Kazui agitou as mãos. Toda sexta-feira era servida pizza no refeitório, seu "almoço" favorito. Jungkook, por outro lado, já estava meio enjoado.
Os garotos então atravessaram a sala apressados, passando pelo corredor do 3° andar do prédio de Artes e descendo a escadaria central até chegar no hall. Engatados numa conversa muito banal sobre uma série qualquer que estavam acompanhando, Jungkook não prestava muita atenção no que acontecia ao seu redor.
Os dois passaram pela porta da frente, descendo a escadaria.
Foi então que Jungkook o viu.
E rápido assim seu mundo voltou a cair.
Como se fosse a primeira vez que o via, seus olhos se viram arrebatados pela figura pujante encostada numa árvore a poucos metros deles.
— Jimin... — Jungkook sussurrou para si mesmo, sem acreditar se a visão era confiável ou apenas uma miragem.
— Jungkook? O que foi? — Kazui pôs a mão em seu ombro, preocupado.
O moreno então balançou a cabeça, tentando se recompor.
— É... Eu tenho um compromisso... Não, não um compromisso, é que... — parecia impossível ordenar os pensamentos com o redemoinho de sentimentos que passava por ele naquele momento.
— Ah, já entendi, é o loiro ali, não é? Pode ir, mas depois você vai me contar tudo, ouviu? — Kazui deu uma risadinha, acenando antes de ir embora.
Jungkook, no entanto, se viu travado no lugar, sem conseguir sair.
Jimin parecia o mesmo de antes, mas havia algo de diferente nele. O cabelo loiro continuava impecável, apenas uma mecha rebelde lhe escapando da franja. Ele usava uma camisa de botões preta, revelando um pouco do torso, calças cáqui e um tênis preto. Antes que ele tivesse mais tempo para analisar, Jimin já estava cara a cara com ele.
— Oi... — as palavras saíram tímidas da boca do loiro, hesitantes, de certa forma, mas ainda carinhosas por trás. Como sempre, trazendo muito a ser dito, sentimentos trancafiados.
— Você está vivo... — Jungkook sussurrou, olhos ainda estatelados, e Jimin balançou a cabeça lentamente.
— Você tem um tempo livre? Para podermos conversar um pouco, a sós? E-Eu também entendo se você quiser que eu vá embora, eu sei que não tinha o direito de vir até aqui e...
— Não, não, claro que eu tenho um tempo. Eu só estou... chocado, eu acho. — Jungkook bagunçou os cabelos para tentar aliviar um pouco da pressão.
No fim, os dois acabaram pegando croissants e cafés numa padaria dentro do campus, e então foram até o dormitório de Jungkook. Segundo ele, era o lugar em que mais teriam privacidade.
Eles pouco falaram durante o trajeto, e a conversa só foi retomada quando passaram pela porta do quarto. Como qualquer típico dormitório masculino, o lugar estava cheio de roupas jogadas para lá e para cá, copos sujos em cima das escrivaninhas, controles de videogame sobre as camas desarrumadas, e poeira se erguendo dos móveis que nenhum dos dois conseguira vencer a preguiça para limpar.
— Ahn, seja bem vindo. Pode ficar à vontade... Tá meio desarrumado, era dia do Kazui fazer a faxina, mas é época de provas, então...
— Kazui? Aquele garoto que estava com você? — Jungkook balançou a cabeça. — Vocês dois estão...?
— NÃO! Arrh, quer dizer, não, nós não estamos nada, só amigos. O Kazui é hétero. — Jungkook deu uma risadinha nervosa.
Eles não tinham mesa de Jantar ali dentro, então Jungkook apenas puxou a cadeira de sua escrivaninha enquanto gesticulava para Jimin se sentar sobre a borda da cama. Houve silêncio constrangedor por alguns minutos, até que Jimin deu o primeiro passo.
— Escuta, Kookie, eu acho que eu devia pedir desculpas pra você. Eu sei que falhei de muitas formas com você, fui muito injusto, egoísta até, e-eu menti e dissimulei meus sentimentos sobre você e eu sinto muito por isso. Eu me arrependo muito de como as coisas aconteceram, mas principalmente de não ter conseguido te salvar, e de não ter estado lá quando você acordou. — Jimin olhava para as próprias mãos, envergonhado, um choro reprimido no fundo de sua garganta.
— Por que você sumiu, Jimin?
— Ver você naquele estado... eu nunca senti tanta dor, Jungkook. Quando os médicos disseram que você estava praticamente morto, que só as máquinas te mantinham vivo ali, eu senti como se eu também tivesse morrido. Virar humano mudou muitas coisas em mim, exceto o amor que eu sempre senti por você. Morrer era a forma mais rápida de voltar a ficar perto de você, por mais estranha que toda a ideia de anjo sej...
— Espera aí, anjo?!
Jimin piscou.
— Ah, você não sabe, é claro. Aparentemente, eu e Taehyung éramos anjos antes de virarmos demônios. Não tão poderosos quanto Jin, óbvio, mas nós tínhamos muita essência angelical dentro de nós que acabou sendo mantida mesmo depois de virarmos bestas. Fez muito sentido, sabe, como eu e Tae sempre nos sentimos muito deslocados do resto, o nosso tipo de amizade sempre foi visto como algo incomum pelos demônios...
— Oh... Mas e agora, como ficou o Inferno? Ele ainda existe? Pra onde vão todas as pessoas más agora que Lúcifer morreu?
— O Inferno definitivamente não existe mais, não tem como, sem Lúcifer. Mas o que acontece depois, essa é a grande questão, não é? — ele deu uma risadinha. — Dessa vez, nem eu mesmo sei. Nada mais humano do que a dúvida, acredito eu.
Jungkook suspirou, alternando entre encarar Jimin e o estofado da cadeira.
— Você sabe, Taehyung nunca veio me visitar, nunca falou sobre você.
— Quando me mandaram pra Suíça, eu deixei muito trabalho para ele. Fez sentido entregar Serendipity, eu sabia que ele ia se dar bem ali, mas o mundo empresarial realmente não é fácil. Além disso, ele precisou lidar com toda a papelada da minha estadia no hospital psiquiátrico, e vamos dizer que eu não fui o paciente mais fácil. Eu pude trabalhar e entender muitas coisas sobre mim mesmo lá dentro, mas é, digamos que nenhum médico lida muito bem quando você fala que era um demônio que assassinava pessoas. Eu não podia mais ficar lá, então eu fugi. Nunca fiquei muito tempo em um lugar só, e Tae me ajudou enviando dinheiro quando necessário. Foi então que ele me ligou falando que você tinha acordado.
As palavras morreram na garganta de Jimin, que voltou a encarar Jungkook com um olhar perdido.
— Eu queria ir até você no mesmo momento, Jungkook. Mas quando eu cheguei à Coreia, já era tarde demais. Falaram que você tinha ido embora, e eu acabei levando isso como um sinal de que eu devia te esquecer. Eu passei os últimos meses com Taehyung, ocupando minha cabeça, reassumindo algumas tarefas nos negócios, saindo para festas juntos, mas sempre senti que faltava alguma coisa, sempre senti que faltava... você.
Jungkook sentiu o coração errar as batidas, o mundo em volta deles voltando a ficar mais lento. Jimin levantou, se pondo à sua frente numa questão de segundos. De frente um para o outro, o loiro colocou o rosto dele entre as mãos.
— Eu não tenho o direito de pedir mais nada depois do quanto eu te machuquei, m-mas eu não poderia seguir sem te ver pelo menos uma última vez, me certificar de que você está bem... que está feliz. — Jimin sussurrou.
Ali, no quarto escuro, iluminado apenas pelos raios de sol de outono, o ar ficava denso entre os dois homens, as palavras ficavam mais pesadas, e o coração, mais rápido.
Jungkook colocou a própria mão sobre a de Jimin, olhando no fundo dos olhos castanhos que sempre tiveram a habilidade de lhe prender com facilidade, hipnóticos.
— Jimin, eu pensei em você durante todos esses meses, não houve um dia em que você não estivesse na minha cabeça. Eu ainda quero você, eu ainda te amo.
Jimin engoliu em seco.
— V-Você tem certeza? Quer dizer, eu não tenho mais mágica e nem poder, e ainda mais depois de tudo que se passou, achei que você quisesse viver e conhecer outras pessoas, talvez um cara um pouco mais normal que eu... — ele sorriu de canto.
Jungkook balançou a cabeça, colando suas testas.
— Jimin, será que você ainda não percebeu? Só existe você, sempre foi você. Como eu poderia me entregar para outra pessoa? Podem existir caras legais, mas eles nunca serão você. Eles nunca me conhecerão como você me conhece, nunca vão ver meus piores lados como você viu e escolher continuar ao meu lado. Mas acima de tudo, ninguém nunca vai amar como nós nos amamos.
[tocar We fell in love in october- Girl in red]
Os olhos de Jimin ficaram gentis, e não houve espaço para outra coisa que não fosse os lábios dos dois se reencontrando.
A sensação foi arrebatadora, cheia de saudade, doce. As mãos de Jimin em seu corpo eram cuidadosas, demoradas como se estivesse marcando em sua memória cada uma de suas curvas, e no tempo que se passou só havia os dois no mundo.
Abraçar Jimin era estar de volta em casa, e sentir o cheiro de sua colônia tinha um efeito indescritível dentro de seu peito, uma euforia familiar que gritava reconhecimento em sua mente, seu corpo inteiro tremia.
Naquele momento, eles eram só dois humanos. Dois homens perdidamente apaixonados, dois corações comprometidos a bater como um só pelo resto de suas vidas mortais e além. Jungkook acreditava que aquilo sim era a felicidade plena, aquele era o seu paraíso.
E o depois? Bem, aquilo ainda era história a ser escrita, mas o Destino sem dúvidas se encarregaria de cuidar do Felizes Para Sempre. Mas enquanto a eternidade não vinha, eles se contentavam com a loucura da vida mortal. Para sempre, Jimin e Jungkook.
[FIM]
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu gostaria de agradecer imensamente todo mundo que colaborou pra que essa fic se concretizasse. Foram muitas noites acordadas, muitas horas de planejamento e escrita, e eu nem sonhava que hoje Elysium estaria com mais de 50 capítulos e tantos leitores que me mandam mensagens e elogiam a fic. Foram muitos meses de aprendizado e carinho botado nesse projeto, então muito muito muito obrigada por todos vocês que acompanharam até aqui.
Novas fics virão, mas enquanto não chegam, eu recomendo minha shortfic jikook "Into the Woods" para quem se interessar.
Até a próxima!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top