48. Requiém, parte I

Requiém: a mass for the lost ones; a solemn chant (such as a dirge) for the repose of the ones who perished; something that resembles such a solemn chant; a musical composition in honor of the dead

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Jungkook acordou ao primeiro sinal de movimento.

No pouco tempo em que esteve ali, ele já tinha aprendido a decorar as horas em que os guardas apareciam. Hora de entregar a comida, hora de pegar a latrina suja, hora da troca de vigília, hora de chegarem os prisioneiros. Tudo era muito certinho. Era óbvio que seu cérebro iria notar quando algo diferente acontecesse.

Diante dos olhos de Jungkook, uma mulher era arrastada por três homens até a cela mais à frente. Ela usava uma roupa colante preta, botas de salto alto, lábios vermelhos manchados e uma pilha de cachos negros que deslizavam por suas costas e se enroscavam no meio das mãos ásperas dos guardas.

— Me soltem, seus porcos!! Covardes, tirem as suas mãos de mim!! — Ela gritava e xingava, tentanto arranhar qualquer um com as unhas afiadas, enquanto era jogada à cela sem nenhum escrúpulo.

A mulher caiu de boca no chão de pedra, e os guardas começaram a rir.

— Aproveite o seu tempo aí, vadia. Dessa vez seu namoradinho não vai conseguir te resgatar. — o mais alto deles falou, se agachando ao lado dela e apertando o rosto ferido dela em uma das mãos.

A resposta da mulher foi um cuspe bem na cara do sujeito. Na mesma hora, ele a socou tão violentamente no rosto que ela caiu no chão com um baque.

— Vadiazinha de merda. Vocês nunca aprendem mesmo... — ele emitiu um grunhido de raiva.

Fechando a cela atrás de si, os dois homens partiram pelo corredor escuro, deixando-a ali esparramada no chão sujo. Jungkook se aproximou o máximo que as correntes permitiram, tentando entender quem ela era, ou por que estava ali. Ela não começou a se mexer de imediato, e a conclusão lógica de Jungkook era que ela devia estar muito ferida, ou então desmaiada. Mas, então, ela apoiou um braço fraco no chão para tentar se levantar.

A garota parecia estar na faixa dos vinte anos, era alta, tinha um ar de autoridade em volta de si, e não parecia nem um pouco assustada de estar enjaulada, mas sim com raiva.

Ela não havia notado a presença do moreno, e então Jungkook começou a erguer os braços e balançá-los para que ela o notasse.

A iluminação ruim e a impossibilidade de ser ouvido dificultavam as coisas, mas felizmente a garota notou sua presença após alguns poucos minutos. Quando ela o fez, seus olhos se arregalaram de tal forma que Jungkook mal prestou atenção quando ela murmurou um "ai meu deus".

De alguma forma, ela pareceu reconhecê-lo. E de forma ainda mais estranha, sua feição foi de surpresa para medo numa questão de instantes.

A garota começou a falar sem dar espaço para respiração, apontando para Jungkook e fazendo dezenas de gestos, com uma urgência expressa na forma como suas mãos tremiam e como o suor escorria em gotas pesadas por sua testa. Jungkook precisou negar com a cabeça e sinalizar várias vezes até que ela entendesse que era impossível falar e ser ouvida ali.

Até o momento, nenhum dos três parecia ter se dado conta da estranha quantidade de tubulações no teto da prisão, do vapor morno e tóxico que liberavam, dos novos fungos e cogumelos azuis que pareciam crescer nos lugares em que a tubulação estava furada e onde o gás se concentrava. Mas, mesmo que percebessem, não haveria muito o que pudessem fazer.

Com calma, a morena inspirou algumas lufadas de ar profundas para então pronunciar a palavra  "Namjoon"

Ela devia ser amiga dele! Mas o que estava fazendo ali?

De forma demorada e exaustiva, os dois conseguiram trocar frases pequenas e rápidas na conversa que se seguiu a partir daquele momento. Jungkook não ficou surpreso quando ouviu que estava em perigo, e Namjoon também. Ele tentou perguntar sobre os outros, Jin, Jimin, Taehyung e Hoseok, mas a garota apenas suspirou e fez que não com a cabeça.

O nome da garota era Hana, pelo que ele entendeu. Ele prosseguiu em explicar sobre a magia nas celas, e depois apontou para Sunhee, que até então dormia em posição fetal no canto de sua cela.

Quando as palavras saíram de sua boca, a garota ficou branca.

Sunhee levantou devagar, acordando de um sono pesado que nem a falação alta de Jungkook poderia atrapalhar. Ela olhou confusa para o garoto ao perceber a nova colega de prisão deles. E embora a mulher não soubesse quem Hana era, a garota também a conhecia. O que estava acontecendo?

Quando os três começaram a ouvir uma nova onda de passos se aproximando das celas, Hana voltou a gritar e falar rápido, rápido demais para que Jungkook entendesse.

Dentro de sua cela, a garota já começava a chorar. Corra! Ela tentava dizer. Não deixe eles te pegarem! Se salve antes que seja tarde demais!

Mas a hora já havia chegado. Naquele momento, nada mais podia ser feito, todos os esforços dela pareciam ter sido em vão. Toda a luta e sufoco que aquele grupo de homens passou foi desperdiçado, tudo isso apenas para que no final Jungkook morresse uma morte sem sentido ou significado. Ela foi o último elo a ser quebrado.

O homem a retirar Jungkook da cela tinha uma fisionomia conhecida. Claro, Jungkook pensou, era aquele homem que estava com ele dentro do furgão preto. Como se já não bastasse, ele seria o algoz de Jungkook em seus últimos momentos de vida. A situação não podia ser mais irônica.

— Espero que você esteja pronto para queimar. — Ele deu seu sorriso mais bestial ao virar a chave no portão da cela. — Você vai pagar pelo que fez com meu colega. — o guarda destilava veneno em cada palavra. Afinal, poucas vezes ele teria uma chance tão rápida e direta de se vingar de alguém, ele se excitava só em pensar em tudo que fariam com aquele moleque esquisito, coisas que nem ele poderia imaginar.

**

Jungkook se orgulharia em dizer que não parou de lutar do momento em que o puxaram para fora das masmorras. Ele já não se importava com mais nada, eles não podiam mais machucá-lo. Aqueles homens podiam torturá-lo da forma que quisessem, até mesmo matá-lo, Jungkook estava pronto e não sucumbiria antes de uma boa briga. Aquele era seu último suspiro de dignidade, de seu orgulho já tão fragilizado e posto em prova.

No entanto, no momento em que as portas duplas de uma sala fechada foram abertas e Jungkook foi levado para dentro, ele perdeu toda a cor do rosto.

Diante de Jungkook, uma capela imensa, e lotada, se estendia. As paredes eram altas e em tons de marrom e dourado, subindo até o pé direito elevado de uma cúpula de marmóre branco, camufladas por gigantescas cortinas de linho negro que caiam elegantemente sobre os vitrais da capela. O piso era revestido em placas de pedra ardósia grafite, fria ao toque e barulhenta em cada um dos passos de Jungkook, mas que agora ficava escondida sob um tapete vermelho triunfante, com pequenas velas brancas enfeitando toda a porção das laterais e também em tochas pelas paredes. E bem lá na frente, quatro estátuas monumentais de serafins ajoelhados segurando espadas, faces retas e cruas olhando para o horizonte de forma vil e heróica ao mesmo tempo. Entre os anjos, de forma mais irônica possível, estavam seus amigos, os demônios — amordaçados, sangrando, crucificados e com trancas de metal em volta do pescoço.

Centenas de cabeças se viraram para acompanhar a chegada do garoto e, no centro desse show de horrores, pairava um homem de batina vermelha com contas de ouro puro encrustadas sob o tecido, segurando um punhal ensanguentado em sua mão como se fosse um acessório qualquer.

Pelo corredor que passava Jungkook, o garoto teve o vislumbre da imagem de papas, bispos e arquebispos, cardeais, párocos e praticamente todos os outros membros oficiais da Igreja do Vaticano. Enquanto ele era arrastado para frente, muitos começaram a chorar lágrimas de alegria, enquanto outros beijavam seus terços ou juntavam as mãos e olhavam para o teto. Por algum motivo, eles enxergavam o evento como uma espécie de milagre ou manifestação divina. Jungkook só sabia sentir enjoo e uma profunda vontade de cair em prantos, que ele engoliu com dificuldade ao ser posto bem de frente ao homem maníaco.

— Olá, Jungkook, vejo que chegou bem à tempo da diversão. — um sorriso ladino de dentes perfeitamente alinhados emoldurava o rosto. Apesar de visivelmente envelhecido, era um homem bonito, de mandíbula quadrada e maçãs do rosto altas, e por algum motivo isso deixava o garoto ainda mais aterrorizado.

— Jungkook, fuja! — Jin havia conseguidor afrouxar o pano em volta de sua boca. — Não deixe ele conseguir o que quer, nã...

— Calado! — o homem se virou para do demônio atrás dele, enfiando o mesmo punhal fundo em seu flanco direito. Jin cuspiu sangue.

Taehyung e Jimin não pareciam muito melhores, com cortes profundos e muitas marcas de esfaqueamento. Abaixo deles, o chão era uma mancha preta. E bem na frente de seus pés, uma bacia dourada coletava a maior parte do líquido rubro que escorria.

Hoseok já estava praticamente inconsciente ao lado de Taehyung, que tentava suprimir gemidos de dor intensa. Os olhos dos demônios brilhavam intensamente, refletindo a fúria mais primitiva de suas formas bestiais a habitar os corpos humanos. Era como se a qualquer momento elas fossem sair, e Jungkook torcia para que sim, pois era a única chance deles. Foi nesse momento então que Jungkook percebeu o mesmo fungo azul encrustado entre os vincos do metal que prendia seus corpos — e aquilo não podia ser coincidência. De alguma forma, o fungo suprimia magia demoníaca, e era por isso que ele havia ficado tão fraco.

— O q-que vocês fizeram?? Por que vocês estão fazendo isso? ME SOLTEM. — Jungkook rugiu, se balançando violentamente.

— Prendam ele. — o homem ordenou, enquanto usava um dedo para limpar o sangue da faca. Após fazê-lo, o homem levou o dedo aos lábios, gemendo baixo quando sentiu o gosto do sangue.

Jungkook foi levado até a mesma estrutura que seus colegas, mas ao invés de ter suas mãos e pés fincados na estrutura, os membros foram presos atrás de si por cordas que queimaram sua pele no momento em que a tocaram. Os guardas que o prenderam levaram Jungkook até o meio do palco elevado em que estavam, deixando-o bem de frente para toda a plateia e logo abaixo da abertura no teto, de forma que seu corpo fosse completamente banhado pela luz da lua.

O homem deu um passo à frente, sorrindo de orelha a orelha enquanto abria os braços exalando uma potência messiânica. O público acompanhava cada um de seus movimentos sem nem piscar, ávidos, olhos estatelados como se estivessem chapados de heróina.

Ele não precisou dizer uma palavra para que os sussurros cessassem e a atenção se voltasse para ele.

— Irmãos, o momento pelo qual tanto esperamos finalmente chegou. Hoje, nós recuperaremos o poder que nos é devido por direito, o poder do qual fomos privados por séculos e roubado pelas criaturas de Satã. — Os homens suspiravam e aplaudiam, e o som passava como um estrondo cego pelos ouvidos perturbados de Jungkook. O choque não o deixava mover-se.

— Hoje, nós purificaremos nossa alma no sangue negro, e amanhã renasceremos como uma nova raça!

A plateia explodiu em  gritos de felicidade. Fora daquelas paredes, o castelo permanecia impassível sobre a monstruosidade que se punha diante deles. Os corredores abandonados deixavam correntes fortes de vento atravessarem por todos os lugares, sacudindo cortinas, balançando chamas de velas e assoviando por onde quer que passassem. Todas obviamente, encontravam um destino em comum.

— Entre nós, estão os demônios mais fortes de todo o inferno: um leviatã, um djinn, e o rei dos demônios, O íncubo Park Jimin, todos capturados por nossa força!

— E entre eles, o menino de ouro pelo qual esperávamos, o receptáculo humano que guarda nosso salvador, Jeon Jungkook!

O homens se olharam num misto de incredulidade e surpresa, se erguendo dos bancos e rugindo palavras de força e apoio.

Com dificuldade, Jungkook conseguiu virar o pescoço para encarar Jin e Jimin que se encontravam à sua esquerda no palco. Jin começara a derramar lágrimas, mas Jungkook sabiam que não eram pela dor que o demônio sentia, eram por ele. Jimin o olhava com uma tristeza indescritível, tanto a ser dito por trás das írises douradas e ocas do íncubo, mas era clara a mensagem por trás delas: arrependimento, culpa... saudade.

Apesar de tudo que havia se passado, de todas as brigas e discordâncias, Jimin ainda o reconhecia como seu, e o reconhecimento das almas ia muito além do que um laço forjado por magia, do que uma convivência forçada e conformada. Naquele breve encontro de olhares, Jimin certificada seu compromisso com a segurança de Jungkook, e seria pouco dizer que ele estava mais do que pronto para morrer por ele se fosse necessário.

— Nós próximos minutos, quando a Lua de Sangue atingir seu ápice, nós a traremos de volta, e então finalmente cumpriremos nosso destino como os Araútos Divinos! — o homem gritou, erguendo o punhal no alto em direção à luz.

A lâmina da faca brilhou e refletiu por todas as paredes, Jungkook precisou desviar os olhos para não ficar cego, seu olho ardia e coçava de forma compulsiva. No canto direito, Taehyung olhava fixamente para o homem, um olhar predatório que dizia que no momento em que conseguisse, ele estraçalharia o pescoço dele.

A testa do leviatã brilhava numa mistura ensebada de graxa e sangue, o rosto liso como mármore agora exibia claros sinais de maus tratos tendo adquirido uma aparência viscosa e arroxeada.

Bolsas fundas e escuras contornavam os seus olhos, as bochechas estavam vazias e sugadas para dentro, dando um ar meio cadavérico a ele. Jungkook não precisou de muito para entender: aquela era a visão de Taehyung sem seus remédios — desidratado—, à beira da morte, ele certamente nunca havia ficado tanto tempo sem suas pílulas, pelos deuses, ele estava morrendo de inanição.

Do alto, uma luz vermelha entrou tomando conta do salão. Uma corrente de ar vinda do desconhecido apagou todas as velas, e Jungkook sentiu mãos invisíveis e suaves tateando cada centímetro de sua pele exposta, fazendo-o sentir calafrios a ponto de sentir seus ossos gelarem na mesma hora. A brisa carregava um cheiro fúnebre de rosas brancas e terra úmida, pequenos pontos cinzentos começavam a se acumular no decorrer de sua pele como poeira.

O homem deu meia volta e então se virou para Jungkook, fome voraz nos olhos negros, vênulas escuras começando a saltar sobre as têmporas e bochechas. Naquele momento, sua aparência não podia se distanciar mais da aparência de um ser humano, e as sombras que contornavam em volta de seu corpo só atestavam isso. Jungkook nunca havia visto nada daquele jeito, o homem praticamente levitava sob o chão em direção a ele.

— É hora em que uma nova Era se erga sobre os homens tolos e heréticos, é hora em que os filhos abençoados de Deus se ergam sobre as mentiras dos impuros e os pecados dos gentios — ele rugiu. — Libere a besta, criança, nós a convidamos para se juntar entre os vivos, nós a urgimos a se formar na carne e tomar seu lugar de direito entre nós!

Na mesma hora, os demônios começaram a gritar por trás das mordaças e balançar a cabeça. Jungkook sentia suor frio descendo por seu pescoço, ele não conseguia parar de tremer, ele não entendia o que aquilo tudo significava. Ele e Namjoon estavam tão, tão profundamente  errados...

De repente, calor começou a subir da ponta dos dedos de Jungkook, percorrendo todo seu corpo, da ponta dos pés até a base da nuca. Dor irradiava de todos os cantos, e ele sentia o Outro despertando dentro de sua consciência. Jungkook travou os dentes, fechando os olhos quando milhares de pequenas espetadas começavam a enfraquecer seus músculos, ricocheteando seus órgãos internos, torcendo seu coração em ondas lancinantes.

— Eu o invoco, Besta!— o homem então abriu seu antebraço com um corte e, com os guardas imobilizando a mandíbula e a cabeça de Jungkook, ele fez com que o garoto ingerisse seu sangue sem que houvesse tempo para o moreno reagir.

Um cheiro ocre e pútrido começava a se instalar em torno deles, Jin e Jimin gritavam e se debatiam com o resto de forças que possuíam — a sensação de debilidade nunca havia sido tão sobrecarregante, Taehyung usava as unhas para tentar retirar as mãos da prisão dos pregos, dividido entre Jungkook e Hoseok, cujo corpo fraco e humano definhava diante de si. Eles sentiam o que o garoto sentia, as bestas dentro deles se agitavam com a mesma ferocidade compulsória, enlouquecedora.

Jungkook tentou recorrer àquela fagulha dentro de si, a força que o mantinha lúcido, que carregava seus poderes e impedia o Outro do controle de seu corpo. No entanto, ele se sentia pouco mais capaz do que uma formiguinha. Jungkook estava tonto e com certeza vomitaria seu conteúdo gástrico se não tivessem mãos firmes segurando sua mandíbula e o forçando a engolir o gosto podre e metálico.

O fogo se espalhou por seu estômago, o corroeu, apertou as entranhas de Jungkook como se tentasse matá-lo. Ele queria gritar, era como se estivesse sendo aberto de dentro para a fora. A presença do Outro era mais forte do que nunca, dessa vez, Ele não retrocederia, não desistiria sem que destruísse Jungkook antes. O sangue era seu combustível mais potente naquele momento, e não era apenas sangue mortal, era sangue mortal marcado pelo submundo, saído direto das veias do pai de Namjoon.

— Sucumba! Esse é o seu destino! Venha para nós, Besta, venha para seus Mestres! — Seus olhos praticamente soltavam faíscas, e a plateia parecia partilhar da mesma excitação doentia, calor impulsivo e desenfreado nublando suas mentes e fazendo com que reagissem quase como animais.

— E-Eu não vou fazer n-nada que você queira! Eu n-nunca vou sucumbir! — Jungkook falou entredentes. — E não há nada que você possa fazer! — ele gritou.

Como esperado, a plateia reagiu à sua demonstração de coragem, gritando toneladas de frases desconexas e furiosas. O homem, no entanto, não pareceu se abalar. Do contrário, um suspiro seguido de um breve acenar de cabeça foram a única resposta que Jungkook teve antes que ele começasse a se mover. Ele andou até onde Jimin estava, passando o punhal por seu estômago e encarando o íncubo.

— Mas você faria se isso significasse salvar seus amigos, não faria? — ele lambeu os lábios, gozando da expressão de exaspero que se formou no rosto de Jungkook quase imediatamente

— Não ouça ele! — Jimin tentou falar sob o pano encardido, mas ele mal tinha fôlego após horas intermináveis de tortura e sangria. Taehyung gritava alto e fino a ponto dos homens precisarem tapar seus ouvidos, se chacoalhando de forma tão selvagem que parecia que ele iria rasgar seus membros para fora da prisão de ferro. Ele emitia um ruído rouco e estridente, inumano, mas de um desespero tão profundo que abalaria até as criaturas mais vazias.

Jungkook engoliu em seco, lágrimas cegando sua visão, ao mesmo tempo que o mundo parecia rodar devagar. Sob as sombras da luz vermelha, aquela cena parecia um pesadelo, um delírio febril, e o garoto só podia implorar para acordar daquele inferno, para descobrir que aquilo não passava de um sonho criado por sua imaginação fértil.

A luz da Lua de Sangue ficou ainda mais brilhante, manchando a pele branca de Jungkook e deixando-a como fogo. O castelo inteiro pareceu tremer sob seus pés. Fora das muralhas do castelo, os passantes da rua podiam sentir o chão se tornando menos firme sob seus pés, as crianças corriam para baixo da saia das mães, os carros começavam a ter a sensação de patinar sob as estradas e qualquer um que dispusesse de uma bússola veria que os pontos cardeais haviam se perdido.

Só durante aquele momento, Jimin torceu para que ele não significasse nada para Jungkook. Com o punhal ameaçando furar seu torço, Jimin desejou que sua morte fosse redenção suficiente para acabar com aquilo.

Jungkook engoliu em seco, sentindo os nós dos dedos sangrando de tanto apertá-los contra as cordas. Ele jamais poderia fazer algo para machucar Jimin, ele nunca poderia viver sabendo que causou sua morte, mesmo embora tanto estivesse em jogo. Precisava haver uma outra saída, um outro jeito.

Incrivelmente, o homem se afastou de Jimin. Mas o alívio durou pouco quando ele então se posicionou atrás de Jin, quando ele subiu a adaga até seu pescoço e apertou.

— Esta é sua última chance, garoto.

Seokjin fez um "não" com a cabeça para Jungkook, deixando que filetes negros escorressem pelo seu pescoço enquanto Taehyung e Jimin usavam as últimas frações de sua energia para tentar se livrar das amarras metálicas, para resgatar sua magia demoníaca dos confins daquele maldito lugar. Tudo. Em. Vão.

Lava pura invadia os olhos de Jungkook. O Outro já estava bem desperto e batia continuamente contra ele, arranhando as paredes que separavam sua consciência do resto de sua mente. Jungkook arquejou com os pulmões vazios, ele não conseguia respirar. Sua mente corria, ele não sabia o que fazer.

No alto do céu, a Lua Vermelha latejava e inflava.

Sobre suas cabeças, tudo era carmim. Não se enxergavam mais estrelas em nenhum lugar do globo. De lá de cima, o sangue tingia o rosto das pessoas em vermelho, e a torre do sino ecoou pela cidade toda. O ciclo havia se completado, o relógio batia exatamente 12 horas.

— Tarde demais.

Jungkook berrou quando o sangue de Seokjin pintou a pedraria branca. Nesse momento, tudo ficou preto.

E àqueles que ali ficaram, só houve tempo para observar o corpo inerte do cadáver de Kim Seokjin amolecer antes que tudo explodisse, e o apocalipse começasse.

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