47. Eleutheromania
Eleutheromania: an intense and irresistible desire for freedom.
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A princípio, a prisão subterrânea não havia mostrado suas verdadeiras faces.
Claro, Jungkook já se sentia sobrecarregado com seus ferimentos, exausto além do que as palavras poderiam dizer, porém isso era algo a que ele já havia aprendido a se acostumar.
Sunhee foi uma boa companhia, sempre fazendo questão de dar metade da sua porção de pão para Jungkook — embora ele contestasse. Eles não se conheciam, a comunicação era escassa pelo fato de Jungkook ser um péssimo leitor de lábios, mas entre os dois surgiu quase que instantaneamente um vínculo, uma parceria na qual os dois se apoiavam o melhor que podiam compartilhando recursos, informações e conversando para passar o tempo mas, entre os não-ditos, a chama em seus olhos também compartilhava uma promessa. Uma promessa de que eles fugiriam dali e se vingariam de quem os colocou naquela jaula
No entanto, chegou o momento em que a névoa esparsa e cinzenta que pairava no lugar nublou os olhos de Jungkook, envenenando seus sentidos, colocando-o num estado prostrado e lânguido, embora ainda consciente. Sunhee o avisou que aquilo aconteceria, e tentou ajudá-lo a postergar o processo de seu modo — enfiando mais e mais pedaços do pão embolorado nojento goela abaixo do garoto, mas não funcionou.
2 luas se passaram sem que Jeon se desse conta, 48 horas que ele poderia ter lutado e fugido, mas que ele não foi capaz seguer de se manter em pé. Os outros, no entanto, também estavam ocupados demais enfrentando seus próprios problemas
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A verdade era que Hana tinha apenas duas coisas: sua adaga e um sonho.
Enquanto sem notícias de Namjoon, ela manteve-se ocupada sendo a melhor espiã que alguém poderia desejar. Fofoqueira.
Naquele último mês, era óbvio para qualquer um que frequentasse o Castelo de Tomar que o lugar andava bem agitado. Muitas missões classe C aqui e ali, veículos entrando e saindo a todo o momento, reuniões a portas fechadas e burburinhos abafados por onde quer que ela pisasse.
Para piorar, o castelo inteiro foi pego de surpresa com a chegada fora de hora do Vaticano.
Caçando informações aqui e ali, Hana acabou descobrindo que haveria uma reunião GRANDE prestes a acontecer, e foi apenas natural que ela emprestasse escutas microscópicas e outras parafernalhas tecnológicas que ela encontrou no quarto de Jasper. Ela sempre fazia isso antes de suas missões, mais por ter se tornado um ritual de boa sorte do que por necessidade, e Hana sempre agradecia com post-its fofos e perfumados deixados na cabeçeira da cama do garoto. Dessa vez, ela não deixou nada.
Suas mãos transpiravam como doidas nos oitenta minutos que duraram a reunião. Ela não estava procurando por algo específico, seu objetivo era se manter atenta a tudo e qualquer coisa que pudesse ajudar Namjoon.
No entanto, o que ela descobriu foi pior do que ela imaginava.
O primeiro passo foi quase enlouquecer. O segundo foi agarrar o walkie-talkie desesperada e contatar o caçador. Só Deus sabe como ela tentou, mas justo quando ela mais precisava, ele simplesmente não atendia!
Hana não podia ficar parada, não podia esperar ordens ou qualquer tipo de orientação. Então ela fez o que podia: se armou até os dentes e se trancou em um dos trezentos chalés espalhados pelo complexo. Por sorte, não houve nenhuma chamada para ela naquela semana, nenhuma missão classe A ou B, o que significava que ninguém sentiria sua falta, mas também significava que a Ordem tinha coisas bem mais importantes para se ocupar.
Ela não podia avisar ninguém, não podia preparar nenhum dos caçadores para a catástrofe que estava prestes a acontecer logo abaixo de seus olhos, porque isso significava colocar sua própria vida em risco, bem como o plano que ela já traçava.
A garota esperava o momento certo para invadir o calabouço do castelo, era a sua única chance.
Todas as suas facas já haviam sido afiadas, ela tinha botas de cano alto, revestidas por armas escondidas, um espartilho bem preso e luvas sem dedos a ajudavam a desviar a atenção para qualquer coisa que não fosse a batida de seu próprio coração. Um chiado agudo ecoou pelo cômodo de madeira, e seus olhos brilharam quando ela percebeu que vinham do walkie-talkie em cima de uma cômoda.
— Joon, ai meu deus, você está bem? Por que você não me responde? Você não vai acred...
— Hana, eu preciso ser rápido. Escute: eu estou com o garoto, preciso que você envie reforços aqui o mais rápido possível, antes que os demônios cheguem.
A voz de Namjoon irrompeu do aparelho. Havia algo de estranho nele, algo contido, a voz esganiçada, Hana mal conseguia diferenciá-la do ruído que eclodia sobre ela. O sinal era péssimo ali, embora a garota não entendesse por que.
— Namjoon, olha, eu não sei o que está acontecendo aí, mas os demônios não são o problema! O seu pai, ele está planejando uma coisa horrível, você não pode voltar para cá. Nem você nem esse garoto, vocês estão em perigo! — A morena vomitava as palavras quase sem fôlego, apertando tanto o aparelho que os nós de seus dedos ficaram brancos.
— Eu não consigo entender nada. Hana? Eu não tenho muito tempo, só faça isso que eu pedi, por favor, eu preciso voltar para buscar o garoto. Nós estamos na pousada há poucos quilômetros daí, minhas cordenadas são XXX-XXX-XXX. Ok? Preciso ir, te amo.
— Namjoon???
A linha ficou silenciosa.
— Porra! — a garota gritou, tacando o aparelho para longe.
Mas antes que ela conseguisse pensar em qualquer outra coisa, as portas e janelas do chalé foram arrombadas por dezenas de agentes em fúria e, antes que se desse conta, armas estavam apontadas para seu rosto, e a figura opulenta do pai de Namjoon se punha na frente dela com um sorriso maligno.
— Olá, caçadora.
**
Namjoon tinha fodido com tudo.
Ele soube que algo estava errado no momento em que a tropa de ataque o pegou pelas costas e o jogou nos fundos de uma van preta. Não deveria ser daquele jeito, por que o estavam tratando como um inimigo? O que eles fariam com Jungkook?
Mas ele entendeu quando ouviu a risadinha fina de Samantha em seus ouvidos, quando o cheiro adoçicado enjoativo entupiu suas narinas e quase o fez vomitar. Claro, tinha que ser a equipe dela a atender o chamado, justo a equipe dela.
— Isso é por ter me beijado. — o estômago de Namjoon revirou quando sentiu o punho pesado com o soco inglês atingindo-o em cheio.
— E isso, é por você ter me enganado, seu desgraçado.
Sangue voou para a parede do veículo quando o punho da mulher atingiu sua mandíbula. Ela o agarrou pela camiseta, encostando seus lábios no ouvido do caçador.
— Nunca mais ouse me provocar desse jeito, ouviu? Sorte sua que seu papaizinho pediu por você vivo. — ela deu uma risadinha forçada. — tenha bons sonhos, fofinho.
No próximo gancho desferido contra sua cabeça, Namjoon desmaiou.
***
O primeiro lugar que o levaram quando chegou ao castelo foi o gabinete de seu pai. Ninguém respondeu suas perguntas, ele não sabia onde Jungkook estava, ou onde os outros demônios estavam. Ele despertou a tempo de ver as outras vans atrás dele, mas não houve nenhum outro contato visual — eles podiam estar em literalmente qualquer lugar do castelo. Para piorar, Hana também não apareceu.
Ainda sujo e machucado, Namjoon foi convidado (não gentilmente) a se sentar numa cadeira almofadada de frente para a mesa de seu pai.
— Namjoon, você retornou. — ele ouviu a voz grave do homem. — achei que não fosse conseguir...
— A missão acabou se estendendo por mais tempo do que o planejado, minhas desculpas. — o caçador se levantou e inclinou a cabeça em respeito, o que gerou uma nova onda de espasmos latejantes eu seu torso ferido.
— Não importa, todos eles estão aqui agora, considere sua missão concluída. Você está dispensado.
— Mas, espere, eu pensei que você gostaria de ouvir meu relatório? — Namjoon pareceu confuso.
— Não vai ser necessário. Sua subalterna, Samantha, já me passou tudo que era necessário: o garoto humano, o feitiçeiro, e os 3 demônios, não é isso?
— S-Sim mas, tem algo que o senhor não sabe. Diferente do que pensávamos, a Coisa já habita o humano. Sempre esteve dentro dele. N-Nós temos que exorcizá-lo antes da Lua de Sangue.
A informação pareceu chamar a atenção do homem.
— Ah, é? Bom, nós certamente daremos um jeito nisso. — O homem acertou a postura e olhou friamente para Namjoon. — Agora você pode sair. — ele apontou para a saída com as palmas abertas.
Mas no estado em que estava, Namjoon dificilmente teria conseguido aceitar respostas tão vagas como aquelas. Nada disso, ele precisava de mais, ele precisava se certificar de que pelo menos o garoto ficaria a salvo. Namjoon devia isso a ele depois de todo o tormento que ele passou. Se ao menos Namjoon tivesse descoberto mais cedo...
— O que vocês vão fazer com o garoto depois de o exorcizarem? Ele é inocente.
— Vai ser eliminado como todos os outros, é óbvio.
Nesse momento, o coração de Namjoon parou.
— O quê?! Vocês vão matá-lo? Por quê?? — o caçador se levantou com tudo do assento. — e-eu não posso permitir que um civil morra desse jeito, ele não tem culpa de ter sido marcado pelos dem...
Em um suspiro, o pai de Namjoon já estava ao seu lado. E mais rápido do que isso, ele já desferia um tapa contra o rosto do filho.
— Abaixe seu tom de voz, seu merdinha! Quem você pensa que é para me dar ordens? Você não é nada. Você faz apenas o que eu te mando fazer, e apenas isso, ouviu? A próxima vez que você ousar erguer a voz contra mim, eu mesmo cortarei sua língua e darei aos porcos para comer. SAIA.
O choque e a violência fizeram Namjoon ver estrelas. Ele não podia reclamar, sabia que tinha feito por merecer, e naquele ponto de sua vida, ele já estava mais do que acostumado com as explosões do pai. Uma parte profunda em seu coração, muito bem escondida e enterrada, dava conta de chorar todas as lágrimas que o caçador não permitia aflorarem em seu rosto.
Mais uma vez vestindo aquela máscara familiar, Namjoon fez uma reverência e partiu. Com a bochecha ardendo, ele ainda se esforçava para engolir toda a sua mágoa enquanto era escortado de volta para seu quarto por dois guardas. Pela aparência jovem e bochechas cheias, deviam ser recrutas novos no primeiro ano de tarefas.
Namjoon costumava odiá-los. Aquele orgulho adolescente e prepotente, as risadas agudas que já não tinham espaço na voz rouca e caleijada do caçador, a ingenuidade e falta de experiência irritantes que demandavam que tudo fosse explicado por pelo menos 3 vezes.
Namjoon não os suportava, muito provavelmente, porque ele sentia falta dessa alegria juvenil que fora roubada de si logo na infância, mas ele nunca iria admitir isso para ninguém.
Para sua surpresa, os dois guardas montaram uma vigia em frente à sua porta. Aparentemente, ele agora era um tipo de prisioneiro. Era ridículo, parando para pensar. Se Namjoon quisesse, ele poderia apagar os dois rapazes em questão de segundos e então fugir, mas conhecendo seu pai, era exatamente isso que ele queria — aquilo era uma armadilha. Ele queria que Namjoon o desafiasse só para que pudesse lhe conferir as punições que ele quisse, e o caçador não lhe daria esse gostinho, não mais.
Lá dentro, um milhão de pensamentos se passaram por sua cabeça. Aquilo não fazia o menor sentido, por que matar um inocente? Não era como se eles nunca tivessem feito outros exorcismos. Claro, a lua de sangue era no dia seguinte, mas ainda sim podia ser feito, eles podiam salvar Jungkook se quisessem.
Ele não poderia obedecer essa ordem, não era certo. Namjoon tinha total ciência de que passar por cima das ordens de qualquer membro da alto escalão era considerado alta traição passível de punição com morte, mas ele não dava a mínima.
Hana havia tentado lhe dizer alguma coisa, algo que tinha a ver com a Igreja, com seu pai, mas o som chegara até ele muito cortado. E, depois, ela nunca mais apareceu. Onde estava Hana? Se ele ainda tivesse seu walkie-talkie... O que quer que fosse, ele teria que descobrir por conta própria.
Mas, antes, ele precisava cuidar dos malditos ferimentos novos e os antigos que já voltavam a sangrar. Puta merda, o tempo era precioso, e ele definitivamente não queria estar gastando-o assim quando a vida de Jungkook estava em jogo.
Eram 4 horas da madrugada quando os guardas finalmente sucumbiram ao sono. Estava fora de cogitação andar pelo corredor, o castelo já era normalmente lotado de guardas para impedir quaisquer tentativas de roubos das obras, e agora que eles estavam apreendendo demônios de verdade, a segurança estava redobrada. Com a ajuda de uma chave de fenda, Namjoon subiu em cima de sua cama e então desparafusou a placa de vidro sobre a janela.
Ele não iria mentir — o espaço era apertado. Mas como após todas as missões, ele havia perdido peso, e com um pouquinho de esforço e paciência ele conseguiu passar por entre as pedras, mas infelizmente não antes de conseguir mais alguns arranhões.
O quarto de Namjoon ficava na porção oeste do castelo, onde ficavam todos os dormitórios masculinos. Se Jungkook estivesse sendo guardado nas celas comuns, ele estaria no primeiro andar do subterrâneo, o que somava um total de, pelo menos, 4 andares que Namjoon precisaria descer.
Namjoon colou o corpo na parede, se esforçando para não sucumbir à tentação de olhar para baixo. Ele tatetou as pedras com os pés e as mãos, sentindo a brisa fria da noite cortando seu rosto, até que ele topou numa corda de vinhas. Com cuidado, o homem desceu toda a lateral externa da torre até chegar no térreo.
No corredor, Namjoon achou exatamente aquilo que esperava: o castelo inteiro infestado de caçadores. Embora a cena não fosse a mais desejável, aquilo era fichinha para alguém tão bem treinado e habilidoso quanto Namjoon.
A passos leves e inaudíveis, Namjoon se translocou de viga em viga, parando nos momentos certos, reduzindo o barulho de sua respiração até que não houvesse praticamente nenhum ruído, observando e anotando mentalmente o tempo do percurso de cada um dos guardas para achar as brechas que o permitissem passar sem ser notado.
Foi uma questão de segundos para que Namjoon descesse a escadaria principal que levava até os calabouços. Ele se permitiu suspirar pesadamente, sua sombra encoberta perfeitamente sob a penumbra.
O caçador se esgueirou pelo primeiro andar agachado, atento a todo e qualquer barulho que aparecesse. Havia tubulações que passavam pelo teto e emitiam um barulho estridente assustador, que acabou pegando Namjoon de surpresa. Isso não estava aí da última vez que eu entrei no calabouço...
O vapor quente chiando pelas fendas nos canos, somado às precárias lâmpadas no teto, criavam uma atmosfera abafada e agonizante, em certos pontos, ele tinha até dificuldades de enxergar as celas à sua frente. O mais estranho, todas estavam vazias.
No entanto, bem lá no fundo, ele ouvia um som. Uma voz aguda, mãos chacoalhando as grandes. Era isso!
Namjoon se moveu ainda mais rápido, o coração acelerado e as palmas da mão suando enquanto ele atravessava o corredor de celas. Ele iria salvar Jungkook, ele iria tirá-los dali, e então ele acharia Hana também, e eles mesmos poderiam fazer um exorcismo em Jungkook, e aquele inferno finalmente acabaria, e tudo ficaria bem.
Em certo ponto, enquanto ele se aproximava, a voz começou a soar menos como Jungkook. Era esganiçada demais, forçada demais. Não... mas não havia sido fácil demais chegar ali? Se ele parasse para pensar um pouco, talvez Namjoon conseguisse perceber a tempo que Jungkook nunca poderia estar ali, aquelas celas não eram equipadas para aguentar pessoas com poderes, pessoas como Jungkook.
Mas Namjoon já não podia mais parar, sua boca estava seca, seus pés se moviam velozmente sem sua ordem, seus olhos estavam arregalados e estatelados, clamando pelo momento em que veria Jungkook de novo, clamando pelo momento em que poderia abrir a tranca da cela, ansioso por...
No momento em que Namjoon chegou na frente da cela, ela estava vazia.
— Boa tentativa, fofinho.
Dessa vez, Namjoon foi desacordado sem nem mesmo enxergar o inimigo.
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Oioi gente, espero que tenham gostado. Oficialmente entramos no último ato da fic e meu coraçãozinho já ta doendo 🥲 preparem-se para muitas emoções e reviravoltas. Beijoss
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