38. Lassulus
Lassulus: worn out; to have one's strength exhausted by toil or exertion.
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Dor fluiu através de seu sistema.
Aguda, como uma estaca cravada diretamente em seu peito, mas rapidamente se espalhando e tomando conta de todo seu corpo.
Jungkook não soube dizer quando exatamente a consciência fluiu de volta para si.
Ele tentou gritar, mas sua boca parecia estar colada, adormecida e com uma coloração azulada doentia. Ele tentou esticar seus membros para aliviar toda aquela tensão, mas eles também estavam grudados ao lado de seu corpo — pesos inúteis.
Jungkook estava seminu (se os restos quase desintegrados de sua cueca ainda pudessem ser chamados assim), encapsulado numa espécie de casulo. Era quente, claustrofóbico e abafado. Seu corpo inteiro estava coberto de uma gosma translúcida, inodora, e uma espécie de membrana feita por ela embaçava sua pouca visão.
Ele ergueu sua cabeça com dificuldade, não mais do que milimetros, sentindo uma fisgada na base da nuca que era quase incapacitante, mas felizmente foi o suficiente para que ele conseguisse avaliar seu próprio estado.
Atracados a cada um de seus braços, despendiam-se três ventosas finas e rosadas que, mantendo um aperto firme, deixavam seu braço completamente imóvel. Uma delas perfurou-o no meio de seu tríceps, a segunda na dobra de seu braço e a última bem no meio de sua mão. Jungkook tentou não chorar.
Usando o máximo de força que podia, Jungkook tentou mover os dedos das mãos. Nada. A pele em volta estava sensível e pálida, como se toda sua nutrição tivesse sido abruptamente roubada de si. Ele tentou de novo, sentindo seus esforços inúteis. A fisgada em seu pescoço se tornou insuportável e ele precisou repousar a cabeça por um momento — ele dificilmente teria outra chance de sair vivo se desmaiasse de novo.
Seu cérebro ainda tentava processar os últimos acontecimentos. Ele havia sido envenenado, disso ele tinha certeza. Um pobre coelhinho pulando exatamente dentro da armadilha de seu algoz. Jungkook rangeu os dentes, quanto tempo ele havia ficado inconsciente? Ele precisava sair dali o mais rápido possível.
Lutando contra a prostração de seu corpo, Jungkook encarou o braço direito e se concentrou. Ele não precisava mover tudo de uma vez, ele só precisava acordar o primeiro dos nervos, e o resto logo o seguiria. Jungkook focou sua energia em tentar fazer seu dedo indicador tocar a ponta do polegar.
Os segundos pareciam passar como horas, até que finalmente houve um ligeiro espasmo. Os dedos não se encostaram, mas chegaram muito perto, e essa mísera fagulha de esperança fez toda a diferença.
Ele tentou mais uma vez, concentrando sua mente nesse pequeno movimento. Seu corpo tremia, sobrecarregado até o limite, e ele estava tão perto... Colocando toda sua atenção naquele momento, Jungkook sentiu sua força fluindo desde a junção de seu ombro até a ponta das falanges. Sim! Tocou!
Jungkook deu um suspiro sôfrego.
Ele deixou que a ponta de sua unha se cravasse na carne de seu dedão. Se por qualquer coisa, a dor ajudaria a acordar os outros nervos mais rapidamente.
Jungkook não se considerava a pessoa mais esperta do mundo, mas ele sabia de uma coisa: seres humanos eram animais frágeis, vulneráveis e sujeitos a morrer pela menor perturbação em sua carne. O frio, o calor, a chuva e bem como a falta dela — qualquer coisa poderia culminar na morte mais sofrida e torturante possível. A Natureza já sabia disso, perfeita como era, e teve a gentileza de presenteá-los com o dom da sensibilidade. Dos nervos. Da dor.
Ele não podia reclamar, podia?
Não muito tempo depois, uma gota fina de sangue escorreu por seus dedos e, então, ele sentiu um pequeno espasmo, e seu mindinho foi o primeiro a se mexer. Um após o outro, os músculos de Jungkook começaram a acordar como um exército adormecido — doloridos, um pouco confusos, até mesmo pálidos e com certa feição derrotada. Mas guerreiros, quer ou não, deviam estar sempre prontos para a batalha, e Jungkook precisava de cada um dos seus.
Não passando despercebida por elas, as ventosas de sua mão começaram a pulsar, enviando um fluxo mais intenso do sangue de Jungkook para a casca mórbida que o cercava na tentativa de interromper a qualquer custo o despertar tardio do garoto. Ele fechou a mão em um punho, puxando-a para longe do tentáculo, mas ele era resistente e isso só fez com que seu aperto aumentasse.
Ele grunhiu, mas reuniu sua coragem e puxou de novo, com mais força. A ventosa cedeu minimamente, e ele não perdeu tempo para continuar a puxar e, depois que a primeira ventosa se soltou, ele só precisou do estímulo da dor para impulsionar todo o seu braço e libertá-lo. Elas caíram inertes ao seu lado, e Jungkook não quis prestar atenção nas marcas que os dentinhos haviam deixado em seu braço ensanguentado antes de começar a arrancar com tudo as ventosas do outro membro.
Por fim, ele havia retirado o último tentáculo de seu calcanhar e a gosma nojenta em seus olhos quando finalmente se permitiu respirar fundo.
Ele estava inteiro dolorido, como se um caminhão tivesse passado em cima dele sem dó nem piedade, e as feridas abertas ardiam como o diabo. Ele encarou o casulo. A membrana pulsava em todo seu vigor, parecendo pouco interessada e talvez inconsciente do estado de seu hóspede.
Um pouco receoso, ele tocou os dedos na parede rubra da membrana — era seu sangue que corria ali, que alimentava-a. Ela era firme como as entranhas de um animal. Ele tateou os arredores à procura de algo afiado para cortá-la, quando se deu conta do incômodo insistente em seus pés.
Era quase nada, não passava de um pequeno beliscão, e foi extrema sorte estar ali. No entanto, cravado na sola de seu pé, estava o que era um pedaço da louça que havia se quebrado durante o chá. Ele arrancou sem cerimônias, já não havia tempo para se lamentar, a dor perfurante era apenas mais uma na conta de todas as suas feridas recentes.
Ele segurou o pedaço com cuidado, pressionando-o contra a parede do casulo. Houve uma vibração aguda, como um grito feminino, mas a casca não tinha opção senão ceder aos seus esforços. Jungkook conseguiu abrir uma fenda grande o suficiente para que conseguisse se arrastar para fora, e ele suspirou aliviado quando sentiu o chão de pedra gelado debaixo de si.
O casulo murchou como uma flor, a forma redonda e túrgida desinflando até que não passasse de um tecido marrom e sem vida no chão. A primeira reação de seu corpo foi tremer, a mudança abrupta de temperatura o atingiu com tudo. Ele estava nojento, para dizer o mínimo, e ele nem fazia ideia de onde suas roupas podiam estar.
Passou-se algum tempo até que ele conseguisse se botar de pé, e nesse meio-tempo ele não ouviu um só pio.
Ele estava num tipo de caverna, Jungkook presumiu. O chão e as paredes eram de pedra, a sala tinha um formato abobadado e o topo era descoberto. Do lado do casulo morto de Jungkook, várias outras pedras ovais estavam dispostas em fileiras milimetricamente perfeitas pelo lugar inteiro. Ele engoliu em seco.
— Isso não pode tá acontecendo...
Ele tentou se escorar em uma das pedras para se manter em equilíbrio quando sua mão acabou afundando dentro dela.
Como a casca de um ovo, a porção superior da pedra se rompeu e esfarelou, revelando uma substância consistente dentro. Pequenos olhinhos petrificados encaravam Jungkook. Olhos agora destroçados por suas mãos. Olhos humanos.
Jungkook gritou.
Tropeçando em seus próprios pés, ele cambaleou para longe e quase caiu no chão.
— Q-Que porra... Não, isso não é...
Ele trombou em outra pedra. Essa, ao contrário da outra, estava num tom terroso, poderia se passar por uma rocha sedimentar se Jungkook se esforçasse, mas qualquer tentativa foi rapidamente embora quando ela pendeu para o lado e caiu da base que a sustentava, revelando uma massa disforme lá dentro.
Os cílios de Jungkook oscilaram quando ele viu os membros cinzentos, igualmente sem vida. Da base da pedra, só haviam restado raízes grossas e profundas, que ainda se mexiam com o resto de vida absorvido pelo casulo.
— S-São pessoas, todas elas... — o garoto percebeu. As centenas de pedras falsas brilhavam sobre a luz forte do sol. Em cada uma delas, uma vida perdida, sugada por aquelas malditas plantas.
Jungkook se aproximou do primeiro casulo que havia tocado. O corpo estava petrificado, como uma escultura. Foi então que ele se lembrou: as estátuas no solário.
— Merda. Merda. Merda... — Jungkook se dava conta do que estava acontecendo.
Ele tinha sido tão burro. Desde o momento em que chegara, ele havia sido conduzido para isso. Cada detalhe importante passara despercebido e, embora pudesse ter havido esforços da Criatura para isso, sua imbecilidade foi a peça chave para que o plano desse certo. Por que eu simplesmente não dei meia-volta? Por quê?? Todas aquelas estátuas, todas aquelas pessoas, crianças...
Como aquilo tudo podia ser parte da mente dele? Não, não havia como, ele não podia aceitar que criara algo tão terrível e grotesco dentro de sua mente. Jungkook não era perfeito, mas ele também não era um psicopata!
Ele ouviu cada um de seus passos reverberando dentro de sua mente quando conseguiu se mover até a parede mais próxima. Não havia portas, nem janelas, mas ele precisava desesperadamente botar alguma distância entre ele e os corpos. Ele tateou cegamente as paredes ásperas, ganhando alguns arranhões como recompensa, mas não havia nada.
— Cadê a porra da porta, tem que ter alguma saída... Tem que ter... — ele sussurrou. Ele empurrou e bateu, se desesperou e chutou, se jogou contra ela, mas não adiantou.
E por mais forte que ele achava que fosse, ele sentia que havia sido derrotado. Ele se deixou escorregar até o chão. Que visão patética aquilo formava, pensou, um fraco e inútil se dando conta das próprias fraquezas. Ele tinha tanta certeza que conseguiria...
Jungkook achava que sua coragem e seu esforço seriam suficientes, porra, ele estava na própria cabeça, não devia ser o lugar mais familiar para se estar?? Mas, ah, como ele não poderia estar mais errado... Ele não reconhecia praticamente nada. Seus pensamentos, suas emoções, os traumas... Tudo estava sendo corrompido pelo Mal, e a sensação de perda era como um buraco oco em seu peito.
Jungkook tinha sido avisado inúmeras vezes do mal que guardava em seu interior, mas ele não lhe havia dado o devido crédito. Só agora, batendo de frente com a vastidão dos horrores, ele conseguia perceber sua real natureza sádica. Cada segundo ali parecia retirar um pouco de sua sanidade, e suas qualidades de repente começavam a aparecer como novas inseguranças.
O véu que separava o real do fictício se tornava cada vez mais fino em sua cabeça. Os contornos pareciam mais nítidos e firmes, as sensações de seu corpo estavam cada vez mais intensas, reais — ele já estava sendo absorvido pelas ilusões de realidade.
Mas não havia nada que ele pudesse fazer. Mesmo ali, ele não tinha poderes. Ele estava preso, sozinho, com dor e trancado numa jaula como um animal à espera do abate. Logo a criatura chegaria, e com certeza o mataria em instantes.
Ele reuniu os joelhos perto de si para tentar barrar um pouco do frio. Sua garganta coçava — se tivesse sorte, talvez morresse pela desidratação, e talvez algum dos corpos levantasse para levar sua alma ao inferno como uma espécie de ceifador.
Jungkook riu. Que jeito mais desgostoso de morrer. Sozinho, preso em sua própria cabeça. Ele não veria mais seus amigos de novo.
Ele nunca voltaria a ver Jimin... Não que isso fosse importante, afinal, de qualquer modo, eles nunca mais ficariam juntos. Mas não seria tão ruim ver um último rosto amigo antes de seu fim, mesmo que fosse daquele canalha...
Jungkook suspirou, fechando os olhos — já era hora de parar. Tanto tempo gasto, tantos problemas causados por sua mera existência, e pra quê?
Ele já estava tão cansado, tão, tão cansado... Jungkook não era herói, ele era um covarde, um covarde que havia desistido da luta mesmo quando todos contavam com ele. Algumas lágrimas escorreram, poucas — dado o estado precário de seu corpo — e Jungkook deixou que elas umedecessem sua pele suja.
No entanto, seria mentira dizer que essa seria a última das jogadas do destino em sua vida. Pobre Jungkook, ele ainda estava muito longe de seu merecido descanso.
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Houve uma agitação nas paredes do lugar, forçando Jungkook a se mover e observar uma abertura surgindo entre as paredes, no meio de uma nuvem densa de poeira. Ele levantou num pulo, desacreditado do que estava vendo, e sua primeira reação foi se afastar.
Mas, para sua surpresa, nada saiu dali de dentro. Depois que o susto passou, um dos cantos de sua boca repuxou, e ele não pôde deixar de soltar um riso incrédulo.
— Você só pode estar de brincadeira...
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Olá gente, mais uma att prontinha! Inicialmente, o capitulo ficou com quase 5k, mas por ser mt grande eu decidi dividir em 2. O proximo capitulo ja está disponivel!
Obg pela paciencia e pelo apoio, a fic ultrapassou os 7k e esta pertinho dos 8, fico mt feliz msm, de vdd.
Como sempre, nao se esqueçam da ⭐️ se gostaram. Beijos e até a próxima!
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