33. Abditory

Abditory: a place into which you can disappear; a hidden place of safety and comfort
————————————————————

Quando os últimos raios de sol do dia desapareceram por trás de nuvens cinzentas e pesadas, o grupo de homens finalmente havia chegado à pousada.

O lugar, a pouco menos de trinta minutos da base da montanha sagrada, onde residia o mosteiro de Montserrat, era um paraíso natural em meio ao caos urbano da grande metrópole espanhola.

A primeira coisa que Jungkook sentiu ao sair do carro foi o vento soprando forte em direção ao seu rosto, carregando cheiros até então desconhecidos vindos direto da montanha. De onde ele estava já se era possível observar completamente esta em toda sua glória, centenas de anos de história cravejados sobre pedras milenares e praticamente divinas, ele estava tanto ansioso quanto nervoso em ter que subi-la no dia seguinte.

Jungkook nunca teve um problema com alturas, mas até ele tinha que admitir que ficar a mais de 2 mil metros de altura não era exatamente o que ele chamaria de confortável, o garoto se perguntava o quão rarefeito o ar seria, se alguém já tinha morrido caindo de lá de cima ou se o teleférico conseguiria aguentar todos eles juntos.

A pousada era composta por diversos chalezinhos individuais, todos um ao lado do outro com seus respectivos jardins e um pequeno quintal compartilhado. O tema das construções remetia às paisagens naturais do lugar, rústicas. Diversos balanços, namoradeiras, esculturas de madeira— era possível até mesmo observar os detalhes da madeira entalhada em cada uma das fachadas —  e outros artigos enfeitavam a entrada, bem preservados ainda que inevitavelmente alcançados pela idade e flora natural. Jungkook suspirou ao notar o padrão que as vinhas faziam, percorrendo as construções e deixando flores ao longo de sua passada, era como se tivessem abençoando e validando a presença humana ali.

Ele se assustou ao ouvir um barulho repentino embaixo de si, era um esquilo que se aventurava pela grama em busca de frutinhas nos arbustos. O garoto sorriu, quando ele teria a oportunidade de ver um animal silvestre desses morando em Seul? Jungkook tentou se manter quieto para não assustá-lo, se esforçando para não sair correndo e pegar o pequeno animal no colo e apertar as bochechas gordinhas.

Seguindo por um caminho de pedregulhos, Jimin e Seokjin tomaram a frente do grupo, parando brevemente para pegar as chaves do chalé na recepção, onde dois senhores uniformizados deram boas vindas a eles com uma taça de champanhe.

Enquanto andava, o garoto bebericou o líquido levemente, torcendo o rosto quando experienciou o gosto ralo e amargo da bebida — ele definitivamente preferia cerveja. A caminhada até o chalé foi tranquila, embora o hotel estivesse relativamente cheio e com diversos hóspedes se cruzando a todo momento. Taehyung foi rápido em enlaça-lo com um braço protetor e o tirar de perto dos estranhos. A passarela de pedras era contornada com diversos postes antigos de lampião, e Jungkook se alegrou ao reconhecer os traços remanescentes da arquitetura do século 19 ali.

Jungkook nunca achou que sentiria tanta falta da escola, mas lá estava ele, ridiculamente triste e nostálgico. Ele pensou em tudo que devia estar perdendo, as peças de teatro, a viagem da expo cultural de Busan que acontecia apenas a cada 2 anos, seu projeto de escultura que nem mesmo pôde ter início (seu orientador devia ter ficado uma fera ao descobrir que ele se ausentaria), como ele conseguiria recuperar tudo isso depois?

Fora seu emprego na biblioteca, que com certeza já devia estar com os dias contados.

Talvez pela quantidade de imprevistos e eventos que haviam ocorrido nas últimas semanas, até então ele não havia racionalizado essas questões simples da sua vida cotidiana, mas agora que o fim da viagem estava chegando, esses pequenos inconvenientes começavam a aparecer de volta como monstros saindo debaixo de sua cama, e desses ele não poderia fugir.

Depois de tudo que ele viu e presenciou, Jungkook duvidava de que voltaria a se adaptar à vida normal, ele já não se sentia mais o mesmo de antes, como raios ele poderia ficar em paz sabendo que a qualquer momento elepoderia dar de cara com um demônio virando a esquina?

— Chegamos! — Jin exclamou, contente. Ele virou as chaves da porta de vidro dupla, abrindo-a com um suspiro de vitória.

— Antes de tudo,  quero já deixar bem claro que quem vai tomar banho primeiro sou EU, beleza? Seres marinhos têm prioridade! — Taehyung já foi logo dizendo. — Minha pele está horrível por causa da poluição do trem e eu necessito repor meus sais, então nem tentem me desafiar!

— Taehyung, o trem nem era à vapor. — Hoseok cruzou os braços. — Se quer dar uma desculpa, pelo menos se esforce, né. Eu que vou tomar banho primeiro, tive que pegar as malas de todo mundo e estou fedendo a suor, eu mereço ir antes.

— Por que nós não nos acomodamos primeiro e depois discutimos as trivialidades, hein? Temos bastante coisa para fazer ainda, e tenho certeza de que temos mais de um banheiro aqui— Jimin interviu, mal olhando para os homens enquanto percorria os olhos pelo local — Era bem mais bonito nas fotos, hum... — Ele murmurou.

Jungkook foi o último a entrar, fechando a porta de atrás de si, e seu fôlego foi tirando quando seus olhos brilharam refletindo o luxo do lugar: um lustre pendia do teto e sozinho iluminava praticamente o primeiro andar inteiro; os móveis tinham cheiro de novo, polidos individualmente; o corrimão das escadas era adornado por contornos talhados à mão, e as janelas eram tão grandes que Jungkook podia enxergar seu reflexo por inteiro e nítido como um espelho.

No entanto, apesar de estar impressionado pela beleza do chalé, a animação logo se esvaiu pelo cansaço do humano. Jungkook estava exausto, suas pernas doíam e ele só conseguia pensar em quando poderia dormir.

Sua dedução lógica era que seu corpo só podia estar desregulado, por causa rotina maluca. Ele não estava comendo direito e nem se exercitando, ele já podia observar alguns de seus músculos abdominais perdendo o contorno, e o sono ora excessivo e ora faltante estava cobrando suas horas: sua energia estava como a de uma bateria viciada.

O rapaz logo se debruçou sobre o sofá, abrindo os braços preguiçosamente e grunhindo, deixando seu corpo se afundar ali e apenas observando seus hyungs discutirem, a essa altura ele já nem se incomodava mais com o barulho constante das brigas sem sentido.

— Ggukie, levanta daí, você pode ir dormir no seu quarto. — Jin disse, passando uma mão carinhosa sobre os cabelos sujos e desgrenhados do garoto. — Tenho certeza de que lá é bem mais confortável que esse sofá.

— Ué, mas você não dormiu no trem? — Hoseok comentou— É suposto que a juventude tenha mais pique que os mais velhos, oras!

Jungkook bocejou.

— Pode ser, mas quando os "mais velhos" são demônios imortais, ou shamans com acesso ilimitado a magia, essa regra automaticamente deixa de valer. Vocês devem ter mais pique que o pessoal das raves depois de cheirar maconha, é bizarro...

— Mas não se cheira maconha, Jungkookie...

— Que seja, o ponto é que todos vocês são velhos e competição injusta contra mim, um mero mortal sem poderes.— O garoto forçou um beicinho triste, batendo os cílios contra Hoseok.

— Aish, o sono já deve estar afetando seu cérebro, moleque insolente. Vamos lá, Benjamin Button, vou te colocar no berço— Jin disse num tom jocoso, puxando Jungkook consigo.

Dando um gemido, Jungkook se levantou com dificuldade e seguiu Seokjin escada a cima, deixando que seu tutor desse uma olhada rápida no quarto antes de fechar as cortinas e apagar a luz, se acomodando no conforto da escuridão.

**

Após dar uma boa olhada na parte de cima do chalé, Jin se viu voltando para o ambiente barulhento da sala de estar, onde os homens ainda exploravam a casa em busca de qualquer coisa que parecesse suspeita, ou de "visitantes" indesejados. Eles mal haviam chegado, mas já estavam revirando o chalé inteiro como lunáticos.

— Estamos limpos. — Taehyung gritou da cozinha, batendo as mãos para tirar uma poeirinha invisível.

— Nada por aqui também, agora vamos só cercar a casa e acredito que estaremos prontos. — disse o íncubo, estralando o pescoço.

— E tudo bem nos quartos lá de cima. — Seokjin acrescentou a tempo, se reunindo com o resto dos homens. — Certeza que isso vai funcionar, Jimin? — Ele ergueu uma sobrancelha, claramente não convencido da proposta ambiciosa de Jimin.

— Você não tem exatamente um bom histórico com cúpulas para duvidar de mim, Jin, ou você se esquece da noite que Jungkook foi ferido na sua casa? — Ele estralou os dedos, já se preparando para o ritual.

Seokjin mordeu o interior de sua bochecha, sem dar respostas. A alfinetada lhe acertou com tudo — ele ainda se lembrava vividamente do desespero que sentiu na noite em que viu Jungkook ser atacado, seu remorso ao ver aquela mordedura preta horrível no garoto e perceber o quão feio ele havia pisado na bola.

— Como assim "vai funcionar?", tem algo que eu não tô sabendo? — Taehyung ficou confuso. O leviatã se encontrava fechando as cortinas da frente da casa, fazendo questão de baixar o blecaute também e verificar se as portas estavam bem trancadas. — Por que raios a cúpula não funcionaria?

— Falamos disso depois. Agora para de enrolar e venha aqui logo para ajudar, eu não posso fazer tudo sozinho— Jimin chamou sua atenção, e o leviatã mostrou a língua, contrariado.

Diferente das cúpulas feitas por Jin e Hoseok durante todo o crescimento de Jungkook, usando magia branca e energia "limpa", Jimin tinha proposto que eles mudassem de estratégia e dessa vez fizessem a proteção da casa de seu próprio jeito.

A cúpula de proteção empregava magia demoníaca relativamente simples: um ou mais demônios combinavam a força vital dentro de cada um para compor um escudo invisível que os protegia de criaturas inimigas do submundo que pudessem tentar invadir seu território, era usado principalmente como forma de defesa no centro de cada um dos Nove Círculos.

Resgatando uma memória antiga, Jimin se lembrava de que o escudo agia como uma espécie de membrana semipermeável, aqueles que o produziam podiam escolher quem e o quê podia entrar, de modo que as bestas não fossem barradas indiscriminadamente.

No entanto, o objetivo ali era justamente barrar o acesso de quaisquer demônios estranhos que os rastreassem.

Hoseok puxou uma cadeira da mesa de jantar com visão direta para o centro da sala, onde os demônios se reuniam. Como ele não podia participar, já que aquela energia negativa podia fazê-lo muito mal, ele se certificou de dar uma boa distância dos homens, de modo que ele pudesse controlar melhor o fluxo de mana em seu próprio corpo. Na verdade, acho que não seria bom nem para Jungkook ficar tão perto assim de toda essa magia. É melhor mesmo que ele fique dormindo durante o ritual...

— Prontos? — Jimin olhou para os demônios, que acenaram com a cabeça.

Juntando-se em um círculo, Jimin, Taehyung e Seokjin esticaram seus braços esquerdo em direção ao centro, usando de suas garras para abrirem um corte vertical em seus antebraços. O sangue logo começou a escorrer em um fio largo e contínuo, um tom de vermelho escuro que Hoseok nunca tinha visto antes, e então os três raios se encontraram no centro do círculo.

No mesmo momento, os três homens piscaram fundo, suas orbes transformaram-se nas de suas formas ferais: dourado, verde e branco. A vibração do lugar oscilou, ficando densa e causando um aperto no nó da garganta de Hoseok. As auras dos homens eram vistas a olho nu, e o ruivo tremeu ao sentir um súbito calafrio passando por sua espinha inteira, como se estivessem alisando-o por trás. Ele nunca tinha presenciado nenhum ritual daquele tipo, e o curandeiro achava já ter visto e feito de tudo durante seus vários anos de carreira.

Os demônios falavam baixinho, uma espécie de mantra praticamente inaudível para o curandeiro, que observava de fora, mas logo as trilhas de sangue no chão ouviram e prontamente obedeceram, começando a se entrelaçar e formar um desenho que Hoseok julgou ser uma espécie de selo demoníaco.

Em instantes, uma onda invisível atingiu o lugar com um baque forte, as lâmpadas piscaram e a casa pareceu tremer no lugar, Hoseok ficou tonto e jurou que seus tímpanos tinham estourado, massageando as orelhas ininterruptamente para que aquele apito irritante parasse. Ele olhou para os demônios novamente, eles estavam estáticos, como se sua consciência estivesse adormecida momentaneamente e eles estivessem servindo apenas como um recipiente sem vida para deixar que sua energia vital escorresse e alimentasse a cúpula. Suas peles reluziam sob a luz fria fluorescente, o suor escorria de suas testas deixando pequenos pontos brilhantes, uma visão que fez o ruivo ficar boquiaberto.

Assim, a cúpula foi instalada sobre o chalé com sucesso, a runa no chão de madeira brilhou  até que decidiu desaparecer entre as placas de madeira. Logo que feito, ouviu-se um estrondo vindo do céu, e uma chuva fina despencou sobre a casa.

Os homens se afastaram com respirações oscilantes, o brilho mágico dos olhos morrendo até que voltassem ao seu estado humano e, como num passe de mágica, a incisão em seus braços fechou-se, não deixando mais nenhum pingo de sangue ser derramado.

A oferta de sangue demoníaco em rituais era sem dúvidas o jeito mais ousado de se fazer a coisa. Dessa forma, os envolvidos se desgastavam fisicamente muito mais rápido, por conta das fraquezas inerentes do corpo físico e por terem sua energia vital bruta retirada de si, mas em compensação o feitiço era muito mais potente e duradouro.

Jimin tinha sido bem claro com Seokjin enquanto eles planejavam a viagem, eles precisavam se manter um passo à frente de qualquer demônio que pudesse sentir o odor de Jungkook, nada de contar com a sorte e torcer pelo melhor. Momentos de crise demandavam medidas ousadas, e eles não tinham medo de fazer pequenos sacrifícios.

Hoseok bateu palminhas, erguendo as sobrancelhas como se tivesse acabado de assistir a um grande espetáculo.

—  Uau, bom trabalho, gente, só espero que não nos cobrem a mais pela limpeza do chão— Ele riu, tentando descontrair e amenizar o clima.

— Argh, parece que eu corri uma maratona— Taehyung fez um biquinho dramático,  cruzando a distância e jogando os braços ao redor de Hoseok para apoio. — Agora entendi por que eu ainda não havia ouvido falar desse feitiço antes: é cansativo pra caralho, nunca mais me chamem pra isso, ok? Meu banho vai ter que durar o dobro agora.

— Não se preocupe. Se tivermos feito certo, dificilmente voltaremos a ter que fazê-lo de novo.

Ao contrário de Taehyung, Jimin não expressou nada além de uma tossida breve, limpando pequenas gotinhas de suor cintilante da testa com um pano de linho branco, enquanto que Seokjin praticamente mergulhou na poltrona mais próxima com um suspiro pesado.

— Ah, por que eu pareço tão mais cansado que vocês? Isso não é justo! — Seokjin esbravejou.

— Você não se alimenta direito, esperava o quê? — Jimin zombou. Seokjin sempre odiou a ideia de ter que sugar energia vital de humanos, desde sempre ele se restringia ao mínimo possível e tentava se manter apenas à base de comida humana. Infelizmente, isso resultava numa perda considerável em seus poderes, mas até então ele nunca havia dado muita falta, já que suas fraquezas eram compensadas com o apoio da magia de Hoseok.

— Ahh, não me irrite quando eu não tenho energia para brigar com você!

Uma porta bateu com força no andar de cima, interrompendo a discussão, e os homens se assustaram com os passos apressados descendo as escadas.

— Que merda foi essa?? — Jungkook apareceu no final das escadas como se tivesse tomado um susto. — Tá tudo bem aqui??

— Foi nada, garoto, a gente tava só fazendo uns ajustes aqui no chalé, pode voltar a dormir— Taehyung sorriu e abanou sua mão, sinalizando para que o menino subisse as escadas de volta.

Jungkook se escorou nas escadas, balançando a cabeça e bufando.

— Não, sem chances, eu acordei no pulo, não vou mais conseguir dormir hoje de jeito nenhum. Não sei o que vocês aprontaram dessa vez, mas por favor não façam de novo.

— Até que enfim um pouco de vitalidade! — Hoseok comemorou, rindo da cara de Jungkook— Só isso mesmo pra te manter em pé! Vamos aproveitar isso e passar um tempo em família, desce logo aqui.

— Vou mesmo. Melhor eu vou ficar aqui de vigia pra impedir que vocês destruam o chalé. —Taehyung revirou os olhos em resposta. — O que tem pra comer? To morrendo de fome.

Em poucos minutos, os homens se sentaram ao redor da mesa vazia, e Jimin usou de sua magia mais uma vez para invocar outro de seus banquetes. Todos estavam cansados e energeticamente mal alimentados, mas isso não era algo que eles deixariam Jungkook se preocupar, não por enquanto.

Eles terminaram a noite animadamente, Hoseok contou sobre o ritual para Jungkook como se estivesse narrando uma aventura épica, deixando de fora apenas a parte da exaustão física. O mais novo suspirava, boquiaberto, e depois de ouvir tudo ele esbravejou o quanto ele queria ter assistido, e que Jin não devia ter deixado-o dormir.

...

-------------------------------------------------------
Hey, gente. Demorei um pouco nesse, mas o cap saiu kkk Dividi ele em duas partes pq tinha ficado grandinho. A viagem está cada vez mais próxima de acabar, e finalmente teremos o tão esperado momento do encontro do jk com os monges. Estão ansiosos?

Como sempre, deixem a estrelinha se tiverem gostado, comentem e compartilhem a história pra alcançar mais leitores. Beijinhos.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top