32. Caligo
Caligo: darkness, fog, mist, vapor, gloom; inability to perceive mentally.
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Jungkook acordou em um salto ao ouvir batidas em sua porta.
Desnorteado, ele andou cambaleante até a porta, abrindo apenas uma frestinha, o suficiente para que a luz iluminasse seu rosto inchado. Hoseok abriu-a ainda mais, fazendo com que o garoto fechasse os olhos imediatamente em resposta à sensibilidade à luz.
— Jungkook? Você estava dormindo? — O menor assentiu, mudo— Estamos quase chegando, o Jin pediu para te chamar e- — Jungkook se esforçava para manter os olhos abertos, embora eles continuassem fechando, a cabeça tombando para trás pelo sono.
Hoseok suspirou, apoiando uma mão na testa.
— Hmf, você dormiu mais do que devia de novo, isso vai ser um problema durante o caminho... Ah, tudo bem, lave seu rosto enquanto eu pego suas coisas, preciso tirar Taehyung do quarto dele também e com alguma sorte convencê-lo a carregar tudo sozinho. — O ruivo riu sozinho. Na cabeça de Hoseok, para quê serviria a força sobrenatural senão para ajudar a carregar coisas pesadas? Era apenas o lógico.
Jungkook balançou a cabeça, largando a porta indo direto para o banheiro em passos lentos e preguiçosos. Ao entrar efetivamente no quarto, Hoseok imediatamente sentiu o choque da temperatura do quarto, sentindo um arrepio de frio subindo por sua coluna.
— Cristo, por que o quarto está tão gelado?? — A voz soou abafada para o mais novo, que já tinha ligado a torneira do banheiro. Hoseok foi ao encontro do controle remoto, desligando o ar condicionado na hora. Ele checou a temperatura, estava em 16 graus Celsius. O homem torceu o rosto em uma careta. Pensando, ele foi até a porta do banheiro e se encostou no batente.
— Gguk, você não está com frio? — Jungkook murmurou algo como um "não", sem dar muita atenção. A resposta monossilábica foi seguida de um farfalhar na respiração do mais velho. Pelo canto dos olhos, Jungkook pôde perceber a expressão franzina de Hoseok.
— Jungkook, você colocou literalmente no mais frio possível, você está se sentindo bem? — Hoseok perguntou, contido, atento às reações de Jungkook.
Jungkook secou o rosto numa toalha branca felpuda, as pontas de seu cabelo ligeiramente molhadas, embora ele já se sentisse bem mais desperto. Ele fez um bico ao ouvir a pergunta, sem entender direito onde o curandeiro queria chegar, a temperatura do quarto parecia completamente agradável para si.
— Não... Eu estou me sentindo muito bem- quer dizer, agora que você disse, confesso que estou até sentindo um pouco de calor. — Ele deu uma risadinha. Hoseok colocou as costas de sua mão imediatamente sobre a testa do garoto, passeando também por suas têmporas e pescoço em busca de algo que Jungkook não soube identificar.
— Seu corpo... Está perfeitamente quente mesmo com todo esse frio. — afirmou o ruivo. — Isso definitivamente não está certo. — concluiu ele.
— Como assim? O que você quer dizer?
— Eu acho que você está começando a reagir fisicamente ao que quer que seja que está dentro de você. O a temperatura corporal absurdamente quente, você disse que seus machucados estão se curando sozinhos... Tem mais alguma coisa que você não contou, algo esquisito? — Jungkook negou, buscando em sua mente qualquer coisa que pudesse ser relevante.
Mas era difícil, havia muitas coisas acontecendo consigo ao mesmo tempo. De um lado, a suposta maldição que veio de Jin e causou o problema de seu odor e, do outro, a própria Marca com Jimin, que por si só já havia lhe causado vários outros inconvenientes paralelamente.
— Depois que chegarmos na pousada, nós vamos sentar e discutir isso, ok? Eu sinto muito que nós tenhamos te interrompido naquele momento que você quis falar sobre isso, mas você sabe o motivo, não? — Jungkook mordeu a bochecha, olhando para o lado. — Estamos muito expostos, as paredes têm ouvidos em todos os lugares, Gguk, só queremos que você fique a salvo. Você entende?
— Sim, sim, é lógico que eu entendo, sério. É que eu só... não sei lidar com isso ainda, é assustador não saber o que está acontecendo, ou o quanto isso ainda está afetando outras pessoas, sabe?
Hoseok deu um sorriso caloroso.
— Mas você não vai ter que aturar isso por muito mais tempo. Nós vamos acabar com isso amanhã, e você nunca mais vai ter que se preocupar com isso. — O curandeiro cruzou a distância restante entre seus corpos, acolhendo o moreno em seus braços.
— Ô meu garoto, vai ficar tudo bem. Tudo vai se acertar, você só precisa aguentar mais um pouco... — Hoseok passou as mãos pelo longo das costas de Jungkook, e esse se sentiu consideravelmente mais relaxado, embora tivesse a ligeira desconfiança de que aquelas palavras eram muito mais para o conforto do próprio Hoseok do que para ele.
Era uma relação peculiar, apesar de não serem relacionados, Jungkook sempre olhou para o mais velho como um tio, uma pessoa de sua própria família. Hoseok viu-o crescer, esteve presente em todos os momentos mais importantes de sua infância: o primeiro dente de leite, a primeira queda de bicicleta, sua primeira vez indo ao zoológico — não era de se estranhar o laço que formaram.
Em muitos momentos de sua juventude, em que ele se metia em brigas com Seokjin, ou quando decidia fugir de casa, era com Hoseok que ele encontrava apoio.
Hoseok então pegou suas malas, despedindo-se brevemente do garoto enquanto este terminava de dar os últimos retoques em sua aparência. Jungkook não queria admitir, mas aquelas 4 horas de viagem tinham sido bem mais cansativas do que ele imaginava.
**
Não muito longe dali, os demônios já se encontravam reunidos, aproveitando a ausência de Jungkook para discutir assuntos pertinentes.
— Yoongi está perdendo a cabeça— Jimin continuava. Como sempre, o loiro não se acostumava a deixar a mão vazia, e logo tinha tratado de ocupá-la com um bom charuto cubano.
— Você não disse que estava tudo sob controle? Qual é o problema agora? — Seokjin tremia uma perna por baixo da mesa. Ele tinha passado a tarde inteira sentado no salão, ele não conseguiria descansar até que finalmente saíssem da locomotiva e ele pudesse cair em um colchão macio, estático.
— Tudo é o problema. Com a situação do toque de recolher em Seul, os negócios dele com as bestas têm enfraquecido absurdamente, algumas, inclusive, invadiram alguns pontos de comércio dele para roubar drogas. Não quero que Jungkook fique assustado, então, por favor, que isso não saia daqui, mas pelo jeito os demônios ainda estão sendo enlouquecidos pelo cheiro de Jungkook. Já foram contabilizadas mais de 50 mil mortes de mundanos só na Coreia, nada que fizemos parece estar funcionando como esperado.
Seokjin afundou as mãos no rosto, balançando a cabeça.
— Você disse que a Marca resolveria isso, Jimin. Você disse— Os olhos do Djinn fitaram o loiro, a pupila se dilatando por um minuto.
O homem enrijeceu sobre a cadeira, ele queria pular no pescoço do íncubo e quebrá-lo. Jin sabia que isso iria acontecer, mais uma promessa quebrada por Park Jimin. Ele prometeu seu filho a ele com a garantia de que o garoto ficaria seguro, e olhe só o que aconteceu.
— Foi de propósito, não foi? Seu desgraçado, você sabia que não iria funcionar— O Djinn falou baixo, firme, com a certeza de que cada uma de suas palavras estavam sendo ouvidas com clareza.
Jimin deu uma risada de canto, virando os olhos, e deu uma tragada em seu cigarro. A nuvem de fumaça se colocou sobre os homens como uma cortina de ferro, talvez ela soubesse que poderia ser a única a impedir um confronto direto entre os demônios.
— Fico triste que você pense tão baixo de mim, Seokjin. Se assim fosse, por que eu estaria aqui sentado lhe contando isso, hein? Eu poderia facilmente ter mantido essas informações em sigilo. Ah, isso já está ficando demasiadamente cansativo...
Seokjin afastou seu corpo da mesa, repousando as costas novamente. Passando a língua sobre os dentes, ele decidiu que não valia a pena armar uma cena ali.
— E o que você planeja fazer agora?
— Eu? O que você espera que eu faça? O tal do monge que Hoseok mencionou já é plano A e B, querido. Eu vou só curtir o restante dessa viagem maldita e bater palmas quando os velhotes resolverem o problema, você deveria fazer o mesmo.
— E a Marca? Já que seu plano deu errado, você deveria retirá-la. — Seokjin tinha sido a maior oposição contra aquele acordo. Por mais que tentasse, ele ainda se arrepiava ao lembrar que Jungkook estava preso ao íncubo pelo pacto.
— Não existe necessidade para tanta pressa, nós não sabemos se ela falhou totalmente. Por enquanto, Jungkook parece muito bem, nenhum incidente até aqui.
— Ele passou a maior parte da viagem de navio trancado no próprio quarto doente, isso parece "bem" pra você?
— Agora você só está jogando coisas sem sentido contra mim. Veja bem, se você estivesse no lugar do garoto, você acha que estaria se sentindo como? Eu não me escuso da minha parcela de culpa no humor dele, mas convenhamos que nem eu e nem o acordo somos os únicos culpados. Depois que retirarem a tal maldição, tenho certeza que ele irá melhorar. Enquanto isso, vamos manter do jeito que está, nunca se sabe quando a Marca será útil.
A conversa foi interrompida por Hoseok e Taehyung, que jogou as mochilas contra o homem num ataque surpresa.
— LIBERDADE— O leviatã quase gritou, espreguiçando os braços esguios cansados após carregar aquele peso todo.
— Mas que raios-
— Aish, seus preguiçosos. Não conseguem nem carregar suas próprias coisas, eu não sou empregado de ninguém, não!
Hoseok revirou os olhos.
— Os atendentes estão aqui para isso, era só chamarem eles! — Jimin esbravejou, jogando a bolsa no chão.
— Hum, até que não era uma má ideia, mas é bem mais divertido assim! — Jimin olhou-o torto, e Taehyung apenas deu de ombros, dando um sorriso inocente.
— Vocês já pegaram tudo? Estamos perto da estação— Hoseok mudou de assunto.
Jimin estava prestes a perguntar de Jungkook, quando o garoto finalmente deu as caras.
O moreno chegou de mansinho, apenas se encostando na parede atrás deles e cruzando os braços, e isso foi suficiente para que o coração de Jimin errasse as batidas, inconsequente.
— Desculpem a demora— Ele disse, simplesmente. Ele estava sem maquiagem alguma, o rosto ainda meio amassado. Jimin achava-o ainda mais bonito assim, natural, era um lembrete do quão jovem era, a alma ainda íntegra e pura refletida em seus olhos negros.
Um apito fino foi ouvido por todos, era o sinal que estavam esperando. Os demais funcionários do trem se mobilizavam para ajudar os passageiros e colocar o lugar em ordem. Uma mulher de sorriso estampado surgiu entre o grupo, se habilitando para carregar suas bolsas.
A saída foi rápida e bem ordenada, o calor de Barcelona voltou a abraçá-los sem nem um segundo de demora, nem um pouco incomodada com a chegada do fim do dia e se regozijando na beleza dos tons rosa e laranja que coloriam o céu espanhol.
A estação da cidade era ainda maior que a anterior, a mistura de ruídos compunha a melodia local do recinto, era impossível distinguir vozes do som das máquinas e rodinhas se arrastando pelo chão.
Um carro chegou bem a tempo da saída dos homens, um chofer saiu do banco de motorista para ajudá-los a guardar as malas. O grupo se ajeitou na limousine sem muitos problemas, felizes de poderem se abrigar mais uma vez contra o sol escaldante.
Jungkook foi o último a entrar, e seu espaço estava muito bem guardado em frente a Jimin. Ele deu um grunhido baixo e se sentou, prontamente botando seu cinto de segurança.
Para sua felicidade, Jimin tinha retirado seu notebook da mala de mão e aberto sobre a mesa de apoio, bloqueando parcialmente sua visão de Jungkook. O humano sentiu um pingo de raiva, era tão óbvio o que Jimin estava tentando fazer ali, aquela tentativa escancarada de fingir não se importar, de novo.
Ele desviou seus olhos para a janela, decidindo levar seus pensamentos embora com a bela visão da paisagem natural da cidade.
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Oioi gente, desculpa a demora pelas atts, espero que tenham curtido esse capítulo. Também, muito obrigada (atrasado) pelos 6k de elysium! A fic tem crescido bastante e tudo isso é por causa de vocês que me acompanham.
Como sempre, favoritam e escrevam comentários, isso me incentiva demais a continuar com as atts.
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