30.Sciamanchy
Sciamachy: a battle against imaginary enemies; fighting your own shadows
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Pouco tempo depois dos homens decidirem se separar, Taehyung já estava puxando ele e Jimin até o quarto do loiro.
— Argh, aonde você vai com tanta pressa? Sossega um pouco. — Comentou Jimin, reclamando da dor de ter seu braço puxado (e quase arrancado) pelo leviatã.
— Shhh, vou sossegar quando você abrir a porta do seu quarto para nós. Ok? Estou esperando. — Ele apontou a cabeça para a porta, abrindo um sorriso angelical.
Jimin bufou, retirando o cartão de entrada de sua carteira e colocando na maçaneta, destravando a porta com um clique.
Taehyung mal tinha entrado e já começara a olhar os arredores e fuxicar as coisas.
— Uau, que quarto bonito. Por que ele é maior que o meu??
— Porque eu estou pagando, e o combinado foi que eu poderia ficar com uma suíte maior, já que vocês não quiseram alugar o vagão...
Taehyung deu um riso de escárnio e, sentando na cama, deu alguns pulinhos para testar a maciez do colchão.
— Ahh, é tão macio. Eu amei. — O homem se jogou para trás, caindo de costas na enorme cama. — Mas mesmo assim, não se compara nada com o de casa...
— É... Não mesmo. — Jimin deu um sorriso triste, ele odiava admitir que sentia falta de seu lar.
— Nós nos acostumamos mal, você não acha? Antigamente, nós tínhamos muito mais pique... — O moreno riu, se virando a tempo de ver a reação de Jimin.
O loiro agora estava apoiado sobre uma penteadeira. Ele vestia uma blusa de linho azul que, a essa altura, já estava com os botões desmanchados e um pouco amassada.
— Fale por você mesmo, eu estou nos meus melhores dias. — Jimin contradisse, recebendo um dedo do meio do outro.
— Estava sentindo falta dessas nossas conversas... Parece que, desde que essa loucura começou, nós meio que nos separamos, né?
— Acho que sim... É estranho não sermos mais só eu e você. — Taehyung afirmou com a cabeça. — Mas... Não é, de todo, ruim, certo? Estamos fazendo isso por uma boa causa, afinal.
— Ponha "boa causa" nisso! Eu sou praticamente um filantropo agora, sabia? Só boas ações no meu currículo. É morrer e ir direto pro céu. — Taehyung fez um aviãozinho com a mão, o que provocou uma risada no loiro.
Jimin decidiu se deitar ao lado de Taehyung na cama, e os dois ficaram assim, olhando para o teto juntos.
— Tae... Por que, realmente, você veio aqui? — Jimin cortou o silêncio, ainda olhando para cima.
— Ah, eu realmente atuo muito mal... Enfim, você já sabe, eu quero que você desembuche sobre aquele showzinho no almoço.
— Hmm, ficou óbvio assim?
— Muito óbvio.
— Briguei com Jungkook...
— Avá.
Jimin se virou para ele, torcendo o rosto.
— Você já sabia? Mas nem comentou nada... Isso não se parece com você.
— Ha, eu estou aperfeiçoando a arte da paciência com o Hoseok, agradeça a ele... Tirando as brincadeiras, sim, todos nós sabemos, você e Jungkookie são péssimos mentirosos.
— Sinceramente, isso está me matando. Fico feliz que você tenha decidido vir aqui... — Jimin passou as mãos pelo rosto, bufando.
— Ji, me conta. O que aconteceu? Vocês dois estavam indo tão bem... — Taehyung puxou uma mecha loira para trás, encontrando o olhar perdido de Jimin.
— Estávamos... E-Eu não sei, eu estraguei tudo... — O leviatã suspirou, tentando encontrar as palavras certas, sem sucesso. — Eu odeio admitir, mas eu estou apavorado, Tae...
— É aquilo de novo, não é? — Jimin balançou a cabeça. — Ah, Ji, por que você não me avisou antes? Eu achei que essas crises já tivessem acabado... — Ele jogou seus braços ao redor do loiro, abraçando-o.
— Elas voltaram faz algum tempo, eu não quis te assustar, já temos coisas demais para nos preocuparmos... Eu não quero machucar, ele, Tae, de verdade. E se ele descobrir o quão horrível eu sou, e-eu nem sei como vou fazer...
— Por Lúcifer, é óbvio que você não vai. Nós já repassamos essa noite tantas vezes... Nós não somos nós mesmos na forma feral, você não tinha como controlar o que aconteceu, Ji.
— Mas mesmo assim, a culpa foi minha. Eu matei ela, deixei ela... daquele jeito... Ela era só uma humana, assim como o Jungkook — Jimin suspirou pesado. — Eu tenho tanto medo de que aconteça a mesma coisa quando eu estiver com ele. Eu já matei tantas pessoas, Tae, como você ainda consegue me olhar com os mesmos olhos?? — Jimin suspirou, sentindo o nó em sua garganta se apertando.
Taehyung deu um sorriso triste, limpando uma lágrima do amigo com o polegar.
— Eu te olho com os olhos de alguém que foi salvo por você. — Ele sussurrou. — Um demônio à beira da morte, um ninguém, que também já havia matado tanto ou mais que você. E mesmo assim, você decidiu me salvar e me acolher nos seus braços, me deu uma vida nova inteira de presente... Você pode não enxergar ainda, mas existe muita bondade em você, Jimin-ah, os erros do passado não precisam ditar sua vida inteira.
Jimin soluçou, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair de seus olhos a qualquer momento. Taehyung olhava no fundo de seus olhos, soltando feromônios calmantes para o amigo.
— Nós passamos por tanta coisa juntos. Nós lutamos juntos, rimos juntos, choramos... Não existe outra maneira de te enxergar além de minha alma gêmea, Ji, e nada que você faça vai mudar isso. — Taehyung embalou-os em outro abraço, sentindo o íncubo tremendo por baixo.
Apenas Taehyung tinha tido a oportunidade de vê-lo tão vulnerável em vida, ele sabia o quão difícil era para Jimin se abrir para outras pessoas, ele só confiava no leviatã. O moreno suspirou, triste e impotente, havia dores e pedras que nem ele, em todos aqueles anos, havia conseguido tirar do caminho de Jimin.
"Se as pessoas ao menos soubessem o quão especial ele é...", pensou ele. Jimin vivia numa constante performance. Ele sempre se mostrava intocável, inquebrável, o nariz empinado e a postura de uma fortaleza, mas isso acabava se tornando extremamente cansativo uma hora ou outra, ninguém poderia viver assim.
Mas esse era o preço da liberdade, a vida que os demônios tinham, a vida que os humanos tinham, alguém precisava arcar com os custos, e eles, inevitavelmente, caíram sobre o Grão-Senhor.
Taehyung se lembrava de quando Jimin incorporara aquele título. O leviatã não conseguiu parar de rir, era tão pomposo, até meio brega, seu amigo não se encaixava naquilo.
Mas ele acabou pagando sua boca, vendo Jimin deslizando naquela persona como uma luva, se encaixando milimetricamente bem em sua função. Será que ele realmente estava preparado para assumir aquela responsabilidade? E por que ele deveria fazê-lo?
Isso era uma das frustrações de Taehyung. Que Lúcifer o perdoasse, mas onde estava seu líder durante aquele tempo todo? Que farra ou evento demoníaco era tão mais importante do que assegurar o bem estar de seu povo?
E Jimin não assumiu o cargo com honrarias, pelo contrário, foi tudo por livre espontânea vontade, não houveram mestres ou professores para guiá-lo ou ajudá-lo.
O íncubo tinha suas imperfeições, era rude, muitas vezes frio, até meio narcisista e com muitas tendências sadistas, mas que demônio não as tinha? No fundo, bem lá no fundo mesmo, Taehyung o achava uma das pessoas mais decentes e responsáveis que ele já tinha conhecido (se pudesse chamar Jimin de "pessoa").
— Aish, não acredito que você está se esforçando tanto para fazer eu me sentir melhor. — O loiro sorriu fraco.
— Aí, viu só? Até fiz você rir. Essa é minha função, afinal, somos polos opostos do mesmo ímã. Eu, o policial bonzinho, e você, o malvado... — Eu sei que, na maioria das vezes, eu só mostro o lado alegre e brilhante de mim, mas eu faço isso por você, Ji. Eu sei que você passa por muitos problemas, e eu também, muitas vezes, fico deprimido, mas eu quero estar feliz por nós, porque aí podemos passar por tudo o que vier juntos.
— Você sempre foi um amigo tão bom para mim, Tae, eu literalmente não sei o que faria sem você... Eu também valorizo muito o que você fez por mim até aqui, mas... eu não acho que você possa me ajudar com esse problema. O que eu fiz foi imperdoável, e eu não posso me permitir cometer o erro duas vezes, muito menos com alguém como Jungkook.
Jimin apertou a mão de Taehyung, sentindo algumas lágrimas despencando por seu rosto.
— E é como seu amigo e parceiro, que agora eu preciso tirar você desse buraco que você se enfiou. — Jimin deu um sorriso fraco em resposta. — A Rebecca está morta, Ji, e eu sinto muito que você não possa mudar isso. Mas, mesmo assim, você já sofreu tanto por causa disso, tentou trazê-la de volta por mais vezes do que eu posso contar, visitamos mais bruxas do que minha memória alcança, você não acha que já está na hora de seguir em frente?
— Você sabe que não é tão fácil assim.
— Faça a morte dela ter valido alguma coisa. Você cresceu, aprendeu com seus erros... Poxa, foi exatamente por isso que você assumiu o governo das bestas, para impedir que o mesmo acontecesse com outras pessoas... — Taehyung suspirou. — Você precisa se perdoar, Ji. Não importa se eu, Rebecca ou Jungkook te perdoamos, essa sua inquietação não vai acalmar até você fazer as pazes consigo mesmo. Você não pode mudar o passado, mas ainda pode escolher como vai viver seu futuro, então, por favor, não desista agora...
Jimin permaneceu em silêncio, talvez absorvendo as palavras de Taehyung, ou porque já não tinha forças para falar.
— E, Jiminnie, não afaste o Jungkook. Eu sei que você acha que está fazendo um favor se afastando dele, mas você só está causando mais dor. Você não consegue ver? Todo dia, eu vejo nos olhos dele o quão profundamente magoado ele ficou, você realmente acha que ele está melhor assim?
— Eu fico tão bravo, Tae. O tempo todo que estou com ele, eu me transformo nesse meu lado horrível, e eu me ouço falando aquelas merdas, mas eu não consigo parar, e me quebra toda vez ver a cara de decepção dele depois... Talvez só não seja para ser, sabe. Um humano e um demônio, isso é absurdo, nós somos muito diferentes, nós predamos humanos por natureza.
— Isso não quer dizer nada. Se vocês se amam, vão achar um caminho e ponto final. Se você realmente acha que Jungkook merece mais de você, então faça isso. Por mais velho e dondoca que você esteja, sempre há tempo para mudar. E eu não tô dizendo que do dia pra noite você precisa virar a Madre Teresa, ou sei lá, mas comece tentando controlar esse temperamento borderline seu. Não é por que você é um demônio que isso deixa de ser insuportável, trate o Jungkook com mais gentileza.
— Você tem razão. Eu só preciso tentar achar o equilíbrio entre o Park Jimin e o Grão-Senhor, é isso, embora eu não faça ideia de como exatamente.
— Você vai dar um jeito, eu sei que vai. E, ei, quando as crises voltarem, me conte, tá? Ninguém merece passar por isso sozinho, e parte de confiar em alguém é dividir o peso que você carrega com ela...
— De todas as pessoas do mundo que mereciam morrer, Rebecca definitivamente não era uma delas... muito menos do jeito que aconteceu. Eu só... queria poder apagar isso. Essa culpa, ela nunca vai embora. A dor nunca diminuiu, eu só me acostumei com ela, sabe?
Taehyung apertou a mão de Jimin, balançando a cabeça.
— Eu estou aqui com você, pro que der e vier. Você não tá sozinho, Jimin, nós vamos continuar enfrentando isso juntos como sempre fizemos, ok?
Jimin balançou a cabeça, Taehyung o abraçando e encasulando-o em seu aperto.
Jimin ainda tinha um longo caminho a percorrer em busca de sua própria redenção, e Taehyung sabia que o íncubo ainda perderia mais uma boa cota de noites de sono até que aquela tempestade finalmente passasse.
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