29. Fika

Fika: a moment to slow down and appreciate the good things in life
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Jungkook se levantou, fechando sua bermuda e se encarando no espelho.

Ele estava suado, ainda trêmulo por toda a descarga de adrenalina. A sensação era a de sujeira, ele não podia acreditar que tinha feito algo tão degradante assim no banheiro de um trem. Ele se olhou no espelho. Seu pescoço estava intacto, sem nenhuma marca.

Ele passou a mão ali, sentindo a pele firme sob o toque. Ele estava ficando maluco? O garoto tinha certeza de que, pela intensidade dos beijos e chupões que Jimin havia deixado ali, o local deveria estar, pelo menos, minimamente roxo. Essas pequenas coisas esquisitas estavam começando a tirá-lo do sério, o que estava acontecendo com o seu corpo?

Ele puxou os cachos castanhos para trás, decidindo lavar o rosto para esfriar seus ânimos. Ele fechou a porta atrás de si, rezando para que os outros não tivessem percebido nada. No entanto, lá estavam eles, todos sentados comendo juntos e conversando calmamente. Jungkook podia ver um espaço vazio na mesa, reservado para ele, com certeza sua falta havia sido notada.

Mais pessoas estavam a circular por ali, então o garoto precisou fazer alguns desvios para não trombar em ninguém, Jungkook já tinha tido sua boa cota de encontrões pelo dia.

Jimin estava sentado de costas para ele, bebericando um líquido transparente numa taça. Jungkook achou uma ação esquisita, pois o íncubo era praticamente um alcoólatra, a palavra 'água' não se encontrava em seu vocabulário, mas depois acabou deduzindo que muito provavelmente não era água o que estava ali.

Ele então passou por outro momento constrangedor de ter todos os olhares voltados para si. Por mais que eles já se conhecessem muito bem, o garoto sempre sentia que os homens estavam analisando cada movimento e comportamento seu, era inquietante.

Não que fosse para menos, sua situação lhe sujeitava a um certo nível de desconfiança e zelo pelos outros, mas ele não podia deixar de se sentir um bicho enjaulado num zoológico.

A mesa redonda estava cheia de pratos. Massas com vários recheios, carnes com diversos molhos, um peixe inteiro numa travessa prateada e diversos acompanhamentos espalhados por ali. Os homens se dividiam entre encher seus próprios pratos e passar a comida, era uma cena doméstica à qual Jungkook já estava se acostumando, e por mais esquisito que fosse, ele sentia como se eles viessem se tornando verdadeiramente uma família.

O cheiro das delícias invadiu seu nariz, e seu estômago roncou em resposta, já fazia algum tempo desde sua última refeição. O grupo lhe cumprimentou de imediato, rindo pelo som vindo de sua barriga, e não se passaram segundos até que que as perguntas começaram a surgir.

— E aí, Ggukie, por que demorou tanto no banheiro? Acabamos pedindo seu almoço pra você, espero que você não se importe. — Hoseok começou, dando uma boa garfada em um pedaço de picanha.

— Não me diga que estava passando mal, você está ficando doente de novo? Dessa vez você não vai escapar, deixe que Hoseok te dê alguma coisa. — Seokjin acrescentou, limpando os lábios com um guardanapo de pano.

Era verdade que ele estava fisicamente e psicologicamente instável, mas Seokjin provavelmente não fazia ideia de todos os pormenores que envolviam a situação. Jungkook pesou as palavras em sua cabeça por alguns segundos, quanto deveria ser revelado?

— Não, não é nada disso. Eu estava só... olhando no espelho. É, eu não sei bem se deveria falar disso aqui, mas, tem alguma coisa esquisita rolando com o meu corpo. Quer dizer, esquisita além do meu odor... — Jungkook coçou a cabeça, tentando pensar em como explicar a situação excluindo toda a parte de Jimin no problema. Taehyung, tudo bem se o leviatã soubesse, Jungkook já vinha pensando em desabafar com ele, mas o humano não queria que sua família ouvisse os detalhes sórdidos de sua vida (caótica) amorosa.

Jimin parou de beber por um segundo, olhando-o sobre a taça de cristal. Ele sentava com as pernas cruzadas, um braço relaxado sobre o encosto do sofá, enquanto o outro segurava a taça brilhante.

— Eu cheguei a comentar brevemente o fato. — O loiro disse, se virando para o resto do grupo. — Como eu tinha mencionado, Jungkook se machucou enquanto voltava para o vagão comigo. Eu achei melhor dar uma olhada na ferida no banheiro, mas parece ela que se curou sozinha. Mas, enfim, é um assunto para conversarmos mais a fundo privamente, depois.

— É... Foi isso, sim. Eu achei muito esquisito e quis tentar descobrir por conta própria o que tinha acontecido, mas acho que perdi um pouco a noção do tempo. Desculpa. — O garoto decidiu seguir o fluxo, concordando com a mentira deslavada de Jimin.

Então ele também percebeu? Por que não comentou nada? E essa desculpa esfarrapada? Eu duvido que os outros vão acreditar nisso, mas vou entrar na dele...

— Ugh, Jungkook, eu avisei pra você não sair por aí sozinho... — Seokjin grunhiu. — Que bom que, pelo menos, Jimin estava lá para ajudar...

— Ué, e o que exatamente você esperava descobrir sozinho? Não seja ingênuo, Jungkookie. — Taehyung deu uma risada, já puxando o garoto para se sentar do lado dele. O humano retribuiu com uma risada sem graça, desviando os olhos de Jimin.

— Sim, tem razão. Foi meio idiota, mas sei lá, é frustrante ter que me escorar em vocês para tudo, acho que me sentiria bem se conseguisse resolver algo sozinho.

Não era totalmente mentira, Jungkook estava cada vez menos satisfeito com sua situação, ser o centro das atenções não era seu forte. No entanto, ele sentia que pouco poderia fazer em relação a isso, ele só podia contar com a esperança de que aquele pesadelo estaria acabando em pouco tempo, e que, depois disso, o grupo poderia voltar a viver suas vidas normalmente.

— Besteira, você sabe que precisa de nós. — Jimin soltou, dando um sorriso de escanteio. Jungkook o fuzilou com os olhos no mesmo instante. — Você ainda sabe muitíssimo pouco sobre os conhecimentos do submundo. As respostas não virão de forma empírica. — O loiro completou.

A mesa entrou em profundo silêncio. Jungkook o encarou por mais tempo do que devia, mas então, o gelo foi quebrado quando uma garçonete chegou com mais bebidas para os rapazes.

Jungkook apertou a língua contra os dentes, decidindo apenas comer e ignorá-lo pelo resto da tarde. O resto da conversa fluiu normalmente, e por vezes ele se viu caindo na risada, lágrimas escorrendo pelos olhos após as piadas horríveis que Seokjin insistia em contar.

Em dado momento após sobremesas e cafezinhos, em que ele já se sentia demasiado cheio e cansado de comer, Taehyung lhe fez um bonequinho com guardanapos e palitos de dente, "é um presente pra você, Jungkookie. Você pode brincar com ele, caso se sinta sozinho à noite." Jungkook agradeceu o "presente" fazendo uma careta, ele já nem se incomodava mais com as aleatoriedades do leviatã.

— Taehyung-ah, falando nisso, você está bem? Quer dizer, depois daquele incidente, ficou tudo bem? — Jungkook se lembrou de que não havia perguntado ao mais velho. Ele se amaldiçoou em sua cabeça, ele era um péssimo amigo.

— Claro que sim, precisa de muito mais pra me derrubar, bocó. — Taehyung bagunçou os cabelos castanhos, dando um sorrisinho.

— Quem te viu, quem te vê, hein, Taehyung... — Hoseok ergueu uma sobrancelha, debochando.

— Aish, não comece, vovô. Você quem se voluntariou para me ajudar, eu não tenho nada pra falar sobre isso. — Taehyung revirou os olhos. Jin começou a rir, e Jungkook deu um olhar torto, totalmente por fora dos acontecimentos.

— Não vou chutar cachorro morto, mas que ele dá trabalho, ô se dá! — Hoseok se virou para Jungkook. — Esse demônio não parou quieto por um minuto enquanto eu tentava cuidar dele, insuportável.

— Literalmente. — Taehyung piscou. — Mas se eu fosse diferente, não teria graça nenhuma... — Ele forçou um biquinho.

— Nossa, eu estou me sentindo um peixinho fora d' água, credo. Por que ninguém me conta essas fofocas? — Jungkook praguejou.

— Porque você tá sempre metido com o nosso querido chefinho, ou então tá recluso num quartinho minúsculo. Nós tivemos que achar nosso próprio jeitinho de se divertir, né. — O leviatã retornou a dizer.

— Esse "chefinho" sou eu? — Jimin apontou para o próprio peito. Taehyung deu um grande sorriso, quase como uma criança, e o loiro apenas revirou os olhos e riu. — Você fala como se eu também não estivesse ocupado, Taehyung-ssi.

— Verdade, verdade. Eu nem sei como você tem arranjado tanto tempo para cuidar de tanta coisa, para ser sincero...

— Está realmente tão difícil assim em Seul? — Jin suspirou.

— Sim, e não para de piorar. Meu celular literalmente não para de apitar. O velhote do Kang está possesso porque eu decidi tirar "férias", não larga do meu pé. Não apenas isso, Yoongi continua tendo problemas. Ele disse que parece ter encontrado uma espécie de anomalia nas células somáticas de Jungkook, mas ele estava sem o equipamento apropriado para poder falar com certeza, e a parafernalha que ele comprou ainda não chegou.

— Anomalia? Que tipo de anomalia?? — Jungkook correu para perguntar. Jimin estava guardando aquela informação desde quando??

— Entre muitos termos difíceis e sem sentido que ele falou, aparentemente, as células que ele tinha coletado começaram a se replicar de uma forma anormal, tipo, muito rápido.

— Se não for sobrenatural, é câncer.

— Taehyung!

— Ué, galera. Não sou eu quem tô falando, é a ciência.

Hoseok deu um revirar de olhos

— Jungkook não está com câncer, deixe de ser ridículo. — Jimin respondeu-o.

— Como se você soubesse! — O leviatã respondeu.

— Eu sinto. — Ele justificou, simplesmente.

Jungkook travou por um segundo. Ele resistiu à necessidade de perguntar mais.. Não, não, não. Já chega disso, eu não vou mais me deixar afetar por essas palavras sem sentido. Elas não significam nada, Jungkook, você sabe.

— Por que você não falou nada antes? — Jungkook precisava saber, ele não tolerava mais mentiras.

Jimin suspirou.

— Eu recebi a ligação dele hoje mesmo. Relaxa, garoto, não é como se eu estivesse escondendo a informação de você ou algo assim. — Jungkook só pôde travar o maxilar. Ele não tinha por que questionar mais, teria que confiar na palavra e na boa fé do íncubo.

— E o nosso clube, como está? — Taehyung aproveitou a deixa para mudar o foco do assunto, ele odiava climões.

— Eu deixei nosso pessoal mais competente para cuidar das coisas enquanto estivéssemos fora, então está tudo bem. Mas nossa margem de lucro baixou consideravelmente, esse toque de recolher está afetando a todos...

— Aish, não é como se precisássemos de mais dinheiro, Ji. O que eu queria mesmo era voltar a me apresentar... Eu sou uma besta feita para ficar sob os holofotes, sabe, não consigo evitar...

Jimin deu uma risadinha, balançando a cabeça em concordância.

— Depois que tudo isso passar, vou poder te ver dançando? — Hoseok perguntou.

— Claro que sim, vai ser meu convidado especial. Vou te mostrar tudo, o camarote, o backstage. Ah, você vai adorar! — Taehyung bateu palminhas. Se tinha uma coisa de que o ele gostava, essa coisa era se apresentar para grandes plateias..

— Sim, é lógico que todos vocês estão todos convidados a nos visitar depois que tudo isso passar. Vai ser ótimo ter vocês em nosso clube, principalmente você, Jin. — Jimin se virou para o Djinn.

— Ah, quem diria que esse diálogo realmente aconteceria algum dia, hein? Mmm, é verdade que faz muito tempo desde que pude curtir uma festa... Mas esse convite é pra valer?

— Completamente... — O loiro deu uma piscadinha. — Todo consumidor é uma boa visita, afinal.

— Aish, eu sabia que estava bom demais para ser verdade... — Seokjin revirou os olhos. Isso por si só já fez com que Taehyung e Hoseok caíssem na risada, ambos abrindo um largo sorriso descontraído.

Ao fim, o grupo voltou ao salão comum para continuar a jogar. Jungkook não estava nem um pouco afim, odiava dominó e damas, ele preferia videogames muito mais. Ele pensou em chamar Taehyung para conversar ou algo do tipo, mas, quando se deu conta, ele e Jimin já haviam sumido do salão.

Jungkook soltou um suspiro, seria ele sozinho de novo. Ele retornou até sua cabine, decidindo navegar entre os canais de TV. Uma certa sensação de dejavú o atingiu, aquele momento após as refeições. Fantasias sem sentido, ele sabia que, dessa vez, ele não iria até a cabine de Jimin, não o procuraria, o íncubo provavelmente lhe jogaria outra de suas risadas de escárnio.

Ele fechou as cortinas, apagou as luzes. Retirou os sapatos e engatinhou até um cantinho aconchegante entre os lençóis de linho, se cobrindo até a cabeça com um cobertor.

Jungkook tinha deixado o ar condicionado em um dos níveis mais gelados, era um de seus hábitos esquisitos: sempre reclamava do calor e ligava o ar condicionado quase em desespero. Mas, depois que começava a tremer de frio, se enchia de cobertores, recusando-se a desligar o ar condicionado. O garoto gostava de dizer que era uma questão de equilíbrio, ele precisava do quente e do frio ao mesmo tempo.

O garoto continuou assistindo filmes por horas a fio, até que o sono finalmente o alcançou, fazendo o garoto dormir em poucos instantes.

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