27. Toska
Toska: a dull ache of the soul, a sick pining, spiritual anguish or distress.
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Jungkook bufou.
O grupo havia chegado no trem não fazia nem uma hora, mas o garoto já se sentia completamente aborrecido, os mesmos pensamentos intrusivos que vinham permeando sua cabeça nos últimos dias começavam a entrelaçar-se ao seu cérebro de novo. Os outros, no entanto, estavam aproveitando o máximo de seu pequeno tempo ali, não demonstravam estar preocupados e tão pouco questionaram Jungkook sobre seu mau humor.
Ao contrário do que o garoto pensava, os mais velhos haviam reservado cabines na sessão vip do trem para si, um vagão destinado apenas a empresários ricos e outros clientes de alto nível.
O garoto já tinha tido uma boa impressão do trem logo que o viu por fora, mas a porção leste da locomotiva realmente era algo de outro mundo. O piso era de uma acácia laminada, brilhante, o garoto quase podia observar seu próprio reflexo, e a parede, lisa e em tons de creme, tinha sua beleza somada a longas cortinas de seda douradas, complementadas por adornos feitos de ouro na moldura das janelas.
O vagão em si parecia ter sido polido por horas a fio antes da chegada dos passageiros, a área comum tinha uma aparência aconchegante e um leve cheiro de baunilha, móveis nos mesmos tons alaranjados pousavam delicadamente em cada canto das paredes, exceto por um piano que reservava um canto especial do cômodo só para si.
Jungkook também não pôde deixar de perceber um pequeno bar que se colocava no extremo oposto dali, a parede atrás, cheia de bebidas, era iluminada e refletia a forma de garçons que se mantinham à disposição, alguns cuidando do polimento das louças de cristal enquanto outros se colocavam a servir os clientes sentados à bancada.
O garoto chegou a questionar seus hyungs, "Não é um pouco demais?", mas eles apenas riram, enquanto que Jin respondeu "Me agradeça por isso, Jimin ficou teimando por horas que o mais adequado seria reservar o vagão inteiro apenas para nós, mas, por sorte, eu consegui convencê-lo do contrário."
Jungkook abriu a boca para responder, mas fechou-a logo em seguida e apenas suspirou, decidindo seguir o grupo até sua cabine individual. Ele é tão exagerado, será que não tem nenhum bom senso? Pensou. Os luxos não acabavam e, apesar de ter mantido um bom padrão de vida morando com Seokjin, ele não conseguia deixar de ficar absurdado com a mania de grandeza do íncubo.
O moreno decidiu dar um basta em seus pensamentos, ele tinha que começar a pensar menos em Jimin se quisesse esquecê-lo. Jungkook andou até a cabine 3S, colocando um cartão de acesso na porta e depois girando a maçaneta de bronze para entrar. Parece bacana, pensou. Ele soltou sua mala no chão, pouco preocupado com seu conteúdo, e olhou em volta. Uma cama grande, apesar de ser apenas para uma pessoa; uma cômoda; dois criado-mudo com abajures; uma TV de tela plana; um banheiro embutido e uma janela ampla com vista para fora; era mais do que o suficiente.
A primeira coisa que fez ao notar a tv foi procurar pelo controle remoto, ele não aguentava mais nenhum minuto sem tecnologia. Abriu a gaveta dos dois criado-mudo, achando dois controles praticamente idênticos, um branco e outro preto.
— Aish, pra que diabos é isso? — O garoto se sentou na cama de frente para eles, tentando entender qual era a diferença.
Jungkook pegou o primeiro, observando a variedade de botões e números ali. Sem saber direito o que fazer, ele apertou dois números aleatórios, e no mesmo instante a parte frontal da cama subitamente começou a subir, fazendo com que suas pernas se erguessem junto dela.
— Mas que.. Como eu desligo isso???
Ele começou a apertar outros botões aleatoriamente, tentando achar por sorte um jeito de fazer aquilo parar, mas a quantidade de coisas esquisitas só continuaram a aumentar. Uma cortina começou a baixar sobre a janela, metade das luzes do teto se apagou, cliques podiam ser ouvidos por dentro das paredes junto a sons incessantes de descargas vindas do banheiro, a cabine estava se transformando num completo caos.
— Meudeusmeudeusmeudeusoqueeufaço
O garoto finalmente enxergou um pequeno botão com um alvo no meio e, dando um salto de fé, apertou-o com força. No mesmo instante, todo o quarto desligou, e o ambiente entrou no total silêncio da penumbra. Jungkook suspirou fundo, aliviado, e quase xingou de novo ao ver que na parte de trás do controle havia um pequeno texto colado com os dizeres "Controle de Comandos da Cabine - Vide Manual de Instruções na Gaveta".
Jungkook então pegou o controle preto, mas não mexeu nele antes de alcançar o criado mudo para pegar o pequeno manual e lê-lo por inteiro, se certificando de que não acabaria explodindo o lugar por acidente. Apertando o botão vermelho no centro, a tela da tv se iluminou, e o humano quase vibrou de felicidade.
Ele navegou pelos canais até que achasse algo que chamasse sua atenção. Infelizmente, tudo era em espanhol, sem legendas em coreano para que ele pudesse acompanhar. No entanto, havia um canal de notícias ali e, mesmo sem entender o letreiro, as imagens foram tudo que ele precisou para entender.
Duas jornalistas bem trajadas mostravam cenas de diferentes hospitais, corpos sem vida em sacos iam se acumulando sem parar, fotos embaçadas do rosto de vítimas com a face arranhada, os olhos estacados e os membros mutilados, totalmente disformes.
Ah, não...
Era possível observar que não se tratavam de vítimas de apenas um país. Pessoas brancas e negras, asiáticas, muçulmanas, os mortos vinham de toda a parte. O garoto engoliu em seco, sentindo seu coração apertar. Ele ainda se lembrava muito bem de sua experiência com o Assacu, especialmente dos estragos que seu corpo sofreu, mas até aí o garoto não tinha noção da dimensão real do problema com os demônios.
Mulheres e crianças choravam ao lado de ambulâncias, poças de sangue cobriam o asfalto cinza com a forma das pessoas atacadas. Era tão pior do que ele pensava, Jungkook cobriu a boca com a mão, sem conseguir desviar os olhos das imagens.
I-Isso não está certo, por que as mortes estão aumentando desse jeito?? Era para meu cheiro estar mais controlado a essa altura... Tantas pessoas mortas por minha culpa, por essa droga de maldição! Não, não, isso tem que acabar, os monges vão dar um jeito, eles têm que dar, senão...
A tela das imagens se fechou, voltando a dar foco na cara das duas jornalistas sorridentes e de terno engomado, já introduzindo o que parecia ser uma outra notícia. Jungkook desligou a tv e, sentindo seu estômago embrulhar pelo flash das imagens em sua cabeça, ele correu até o banheiro e deixou que todo seu conteúdo gástrico escorresse pelo ralo da pia.
Ele abriu a torneira, gargarejando a água para tentar se livrar daquele gosto amargo em sua boca. Jungkook sentou-se sobre o assento da privada, encostando o queixo sobre seus joelhos dobrados.
Ele estava tão cansado de se sentir daquele jeito, impotente, miserável, quase digno de pena, mas ele sabia que não era nenhum coitado. A normalidade realmente era um privilégio; a ignorância, uma dádiva, mas era certo que ele não conseguiria voltar para como era antes.
Jungkook sentia tanta falta das pequenas coisas às quais ele costumava reclamar: acordar cedo, estudar incontáveis horas para suas provas, discutir com os clientes mal educados da biblioteca que sempre devolviam os livros em estados deploráveis, o controle fraternal quase obsessivo de Seokjin. Não era perfeito, mas as suas preocupações eram tão insignificantes comparadas às que ele tinha agora, ele começava a sentir falta da pequena grande mentira que seu tutor havia contado para seu conforto.
Era errado ele se sentir assim? Talvez um pouco covarde, ele pensou. Bufando, Jungkook decidiu se juntar aos outros na área comum. Se ele ficasse sozinho por mais um minuto, ele sabia que enlouqueceria. Jungkook fechou a porta atrás de si, retirando o cartão que ficava preso à parede e botando-o em seu bolso.
Saindo no corredor, ele percebeu que, em um canto afastado da área das cabines, Jimin se encontrava de costas para ele, falando fervorosamente ao telefone com alguém. Jungkook não deu chance para que ele se virasse e eles tivessem outra daquelas encaradas estranhas, e saiu direto para a área comum.
Lá, o ambiente ainda era o mesmo, com a diferença de uma melodia baixinha de jazz tocando ao fundo, dando um ar mais sofisticado e leve à atmosfera.
O moreno buscou pelas três cabeças conhecidas, achando os homens sentados ao redor de uma mesa redonda, conversando alegremente enquanto jogavam cartas. Taehyung tentava olhar com um olho sobre as cartas de Hoseok, enquanto este, sem perceber nada, olhava fixamente suas cartas, trocando-as de lugar em sua mão. Seokjin, no outro canto da mesa, apenas olhava e ria, passando a língua pelos lábios num sorriso presunçoso.
Jungkook aproximou-se da mesa calmamente, ainda parcialmente preso à imagem que Park Jimin que ele havia visto poucos segundos atrás; ele parecia tão irritado, bem longe da postura frívola e contida que ele gostava de mostrar por aí. Será que ele havia assistido às notícias também, ou era por outro motivo?
— Quer se juntar a nós, ou vai ficar aí só olhando, Kookie? — Hoseok dirigiu a palavra ao garoto, abrindo um sorriso convidativo.
— Ahn, só olhando, não curto baralho...
— Uma pena, você está perdendo as tentativas ridículas de Taehyung tentar roubar... — O ruivo fez um estalo com a língua.
— Ei! Eu não estou roubando, mas que mentira deslavada... — O leviatã deu um tapa no ombro de Hoseok.
— Pode continuar, você é ruim demais e não vai vencer nem desse jeito. Estou tranquilo.
— É... Gente, vocês viram as notícias? Os assassinatos... Elas não param de aumentar, eu acho qu...
— Jeongguk, aqui não é o lugar e nem a hora. Nós falamos sobre isso depois. — Seokjin cortou, dando um olhar duro ao moreno.
O garoto se aproximou ainda mais da mesa e, falando baixinho, ele perguntou:
— M-Mas, do jeito que as coisas estão ficando, como podemos ter certeza de que estamos seguros aqui? Os outros demônios... Eles podem estar sentindo meu cheiro...
— Garoto, não se preocupe. O Jin e a duplinha dinâmica estão usando os poderes desde que saímos do navio pra conter ainda mais seu cheiro e também para não serem reconhecidos. Está tudo sobre controle, deixe a parte difícil para os adultos lidarem, ok? — Hoseok respondeu no mesmo tom, apertando o ombro do moreno.
— Aish, duplinha dinâmica? Você acha que temos quantos anos, Hobi-ah? Sinceramente... — Taehyung reclamou.
— É claro que nós temos noção, Kookie, mas não encha sua cabeça agora. Tudo bem? Nós viemos aqui exatamente para resolver isso, está tudo bem. — O Djinn deu um sorriso de boca fechada.
Jungkook suspirou, ele não estava exatamente aliviado. Ele não iniciaria uma discussão naquele momento, mas era fato que os "adultos" haviam tomado conta de sua vida inteira sem incluí-lo, e olhe só onde eles vieram parar agora.
— Tudo bem, então. Vou dar uma volta por aí para aliviar a cabeça...
— Por que você não aproveita para tirar Jimin daquele telefone, hein? Deem uma volta juntos, então, tenho certeza de que ele vai preferir estar com você — Taehyung sorriu, apoiando a cabeça em uma das mãos de forma fofa.
— N-Não, ele está ocupado demais, eu falo com ele outra hora. — O garoto tossiu— Não quero tirá-lo de uma conversa importante.
— Só não saia do vagão, ok? O outro lado é a classe econômica. — O tutor alertou-o, dando uma piscadinha e voltando a olhar suas cartas.
Jungkook assentiu, vendo os outros voltarem sua atenção de volta ao jogo. Ele tentou suprimir as súbitas cócegas em seu estômago que vieram com a ideia de desobedecer o mais velho.
Eles não me querem longe para minha segurança, certo? Mas, seguindo a lógica dos hyungs, nós estamos completamente seguros, já que os três estão usando os poderes aqui. Quer saber? Não vai acontecer nada e, se isso deixar Jimin bravo, que assim seja.
O garoto então pôs-se a atravessar a sala comum, dando uma olhadinha pelos ombros antes de passar pela porta que demarcava o fim da área vip.
Assim que abriu a porta, ele observou estar em uma espécie de vagão ponte que conectava seu vagão ao da classe econômica. Provavelmente era um vagão anexo usado apenas para passagem, não havia praticamente nada ali, exceto pelo caminho a seguir e vários canteiros de flores que se estendiam até as paredes, quase como um jardim vertical improvisado.
As paredes eram de um tom cinzento, e o chão era vazado, formado por centenas de grades entrepostas. O garoto se perguntou qual seria a utilidade daquilo. Se ele bem se lembrava das suas aulas de Fundamentos da Arquitetura Contemporânea, o chão vazado deveria ser para o melhor fluxo das correntes de convecção, e permitir a troca de ar. Isso é por causa das flores? É pra ser como uma mini estufa?
Ele passeou calmamente por ali, não estava com pressa, e estava totalmente sozinho. Jungkook também estranhou a iluminação do lugar, pois não haviam janelas, mas então percebeu que o teto agia como uma grande clarabóia a iluminar o local.
Isso não faz sentido, se ficar de noite, o que vai acontecer? Não tem como passar por aqui na escuridão completa, será que têm luzinhas escondidas ou algo assim? E afinal, quem deveria passar por aqui? É muito bonito para ser de passagem só de funcionários, ou será que estou me equivocando? Do jeito que a sessão vip é chique, não seria de todo estranho se eles também botassem um esforço a mais no resto do trem também.
Mas então, os pensamentos de Jungkook foram interrompidos quando ele trombou com o que parecia ser um paredão e, desorientado, Jungkook quase caiu, se não fosse por algo que lhe segurou bem na hora. Confuso, ele focou seus olhos, percebendo que era uma figura humana que estava ali e, pela roupa toda preta e engomada, provavelmente era algum funcionário do trem.
O homem era bem mais alto que Jungkook, tinha um cabelo castanho acinzentado escovado para trás com gel, os olhos eram de um tom de mel quase vibrante, como se penetrassem a alma de Jungkook e vissem todos seus pecados. Jungkook pôde perceber, mesmo por cima das roupas, que ele era bem forte, e tinha reflexos muito afiados, o menor suspirou tanto pelo susto quanto pela visão.
A figura começou a falar em espanhol, e foi nesse momento que a ficha de realidade caiu para Jungkook. Ele negou com a cabeça, sem saber como avisar que ele não o entendia. Mas o homem pareceu ter se tocado bem rapidamente, e tossiu uma vez antes de continuar.
— Coreano? — O homem sorriu.
— Sim! C-Como você... — Jungkook ficou sem palavras. Quais eram as chances de achar um falante de coreano no meio da Espanha?
— Eu tenho parentes na Coréia, acabei aprendendo um pouquinho da língua... — O sujeito deu uma risadinha.
— A-Ah, que legal... Enfim, obrigado por não me deixar cair, eu sei que não devia estar aqui, não vou mais dificultar seu trabalho. — O garoto decidiu se desculpar de uma vez e impedir mais problemas. O homem fez uma expressão ininteligível, e antes que Jungkook se virasse e saísse, o outro agarrou-o pelo ombro.
— M-Mas o qu...
— Seu cartão, você deixou cair. — O homem se abaixou, pegando o objeto e colocando-o nas mãos do garoto. — Tenha mais cuidado, ele poderia ter caído no meio das grades.
— A-Ah, certo, me desculpe... Q-Quer dizer, obrigado de novo. — Jungkook não parava de gaguejar. Ele não entrara em contato com pessoas novas já havia um tempo, e não ajudava em sua ansiedade o fato do homem parecer tão grande e intimidante.
— Você não vai me dizer seu nome? É falta de educação tratar seu salvador assim— Ele riu, zombando, mas o garoto percebeu que o pedido era sério.
Jungkook ponderou por um segundo se deveria, mas ele então julgou estar sendo paranoico que nem Seokjin, e isso foi o suficiente para que se livrasse de suas preocupações e falasse.
— Jungkook, meu nome é Jungkook. — Ele falou, sentindo sua bochecha corando levemente.
— Prazer, Jungkook, voc...
— O que você está fazendo aqui? — Uma voz falou atrás de si.
Jungkook reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Jimin.
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