25. Apricity

Apricity: the warmth of the sun in winter
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Namjoon chegou ao porto pouco depois das 14h, não muito cedo a ponto de deixar alguém curioso, mas não tão tarde que não pudesse inspecionar os arredores antes.

Naquela sexta-feira, apesar de ensolarada, um vento forte soprava por toda a ilha, vez ou outra arrepiando seus pelos por baixo da blusa preta de lã. Somado ao cheiro forte e insistente de sal e umidade que sempre estava a empestear o porto, o homem sentiu-se estranhamente confortado.

A primeira coisa que fez, ao chegar, foi ir até as docas ver se constavam quaisquer outras informações sobre a embarcação que chegava, mas, infelizmente, não achou nada que os operadores já não tivessem lhe contado, ou que ele já não tivesse quase se matado de tanto pesquisar e interrogar pessoas.

Além disso, alguns gerentes portuários do local já começavam a encará-lo, incomodados por tê-lo ali, mais uma vez, fuxicando documentos que deveriam ser restritos apenas aos funcionários locais.

Namjoon deu um grunhido, sentindo a poeira do escritório sujo grudando em cada um de seus poros.

Como é que puderam simplesmente deixar um navio desconhecido entrar no país sem mais nem menos?

Ele já estava ficando irritado com tudo aquilo. A cada dia que passava, só apareciam mais e mais lacunas, pouquíssimo era resolvido, seu trabalho era interminável e sentia não ter retorno suficiente de seus esforços.

Ele nunca escolheu aquela vida para si.

De tempos em tempos, ele se perguntava como seria se ele tivesse crescido em um lar normal, apenas ele e sua mãe, uma vida tranquila, um trabalho medíocre e mal pago em algum escritório da cidade, o suficiente para pagar um aluguel de dois quartos e comer carne vermelha de vez em quando. Bem, pelo menos, eles ainda estariam juntos, e ele nunca teria precisado se unir à Ordem.

O casamento de seus pais nunca foi uma união feliz, foi uma maneira pragmática de resolver a maior vergonha que uma mulher coreana poderia dar à sua família, uma gravidez antes do casamento. Pobre Sunhee, ela era tão ingênua, tão alegre e apaixonada, não questionou duas vezes antes de se entregar de corpo e alma ao amor que pensava sentir pelo pai de Namjoon.

Ela não devia ter mais de 20 anos quando começara a namorar o homem, e ele era tão doce e gentil em suas palavras, rugas da idade apareciam ao redor de seus olhos cada vez que ela contava uma história boba, e ele acariciava seus cabelos castanhos toda vez que ela o fazia, ninguém poderia dizer que não era amor.

Mas é claro que nenhuma máscara sustenta-se por muito tempo, e ela se viu descobrindo um lado do homem que nem sonhava existir, um lado frio, quase cruel, ele tentara persuadi-la a desistir do bebê no momento em que tomou conhecimento da gestação. Não foi nada como ela havia imaginado, não teve beijos, palavras de reafirmação, seus olhos não fecharam em alegria ao contar a notícia, mas mesmo que ele não a apoiasse, muito menos sua família, ela ainda queria dar luz ao seu filho.

Então, não houve outra alternativa senão concordar com um casamento, e mudar-se com o homem para sua terra natal, a Espanha.

Foi tudo muito rápido, Sunhee mal teve tempo de se despedir de seu país. Seu marido tampouco lhe deu algum suporte antes de forçá-la dentro da comunidade dos Templários, antes de atormentá-la com informações que ela não estava pronta para receber, conspirações, planos de ataque, milícias com a Igreja e o governo, coisa demais para absorver.

Entretanto, o bebê em sua barriga absorveu tudo, cada um de seus medos e angústias, consolidando-se nele como tijolos em muralhas.

A mulher soube bem rápido qual era sua posição naquele lugar estranho, ficar quieta e obedecer, eles comumente lhe falavam que o silêncio era uma virtude. E ela fez seu máximo para não se envolver ainda mais naquele mundo de garras e segredos, tudo que ela queria era criar sua criança num lugar calmo, longe de tudo aquilo.

E enfim, no dia esperado, o menino veio com muita saúde. Grande demais em comparação a outros bebês da mesma idade, a pele alva como a de seu pai, mas os olhos deixavam claro a quem ele pertencia, sua mãe. Em seu puerpério, ela tampouco teve sossego e tranquilidade com o recém nascido, mal havia chegado ao mundo e o garoto já era jogado de um lado para o outro em diversos rituais, purificações, eventos burocráticos que faziam parte do nascimento do filho de um dos chefes da Ordem, como infelizmente era seu marido.

Ela foi obrigada a ver seu garotinho crescendo no lugar de seus pesadelos. Por fora, poderia parecer um castelo tranquilo e pacífico, mas ela sabia muito bem as verdades sombrias que se escondiam por entre as paredes. Mas o pequeno Namjoon, sem ter muita ciência de sua própria realidade, gostava de viver no meio de tantos amigos amorosos e que compartilhavam da mesma infância corrompida que ele.

Tudo parecia correr normalmente, viviam um dia após o outro, diariamente sua mãe se esgueirava até o dormitório para lhe dar um beijo de boa noite e lhe desejar sonhos felizes, vez ou outra até lhe trazia pedaços de doce, até que, em um dia, ela fugiu.

Só os deuses sabem a proporção que aquele caos tomou. Ele nunca mais tornou a ver a mulher, não teve a oportunidade de se despedir, ou pedir que ela o levasse junto. Ao invés disso, suas noites se tornaram mais frias e solitárias, não importava a quantidade de crianças que o abraçassem e lhe desejassem seus pêsames pela perda de sua mãe.

Após uma semana do ocorrido, ninguém mais pronunciava seu nome, agiam como se ela estivesse morta, ou como se nunca tivesse existido. Namjoon nem conseguia pensar no que teria sido dele se a pequena Hana não estivesse ali para lhe dar apoio, ele finalmente compreendeu a dor do abandono a qual antes ele sequer conseguia imaginar.

Aos poucos, a vida voltou a ganhar alguns nuances de cor, e ele resolveu enterrar bem fundo aquela memória para que não voltasse a ter que lidar com ela. Toda sua atenção focou-se em se tornar alguém de quem sua mãe poderia ter orgulho, alguém que ela gostaria de ter como filho. Era óbvio que ela não voltaria, mas aquela vozinha em sua cabeça falando "e se..." era a motivação necessária que ele precisava para entrar com tudo nos estudos bíblicos e nos treinamentos físicos.

E assim, ele se tornou uma das crianças prodígio da juventude templária, ele ministrava as orações diárias de sua turma, ajudava seus mestres a carregar os equipamentos de luta e, em seu tempo livre, auxiliava seus colegas no período das provas finais.

Namjoon nem soube o que dizer quando o colocaram na ordem de forças especiais dos Templários. Ele sempre pensara que fosse se tornar um caçador classe B ou A, assim como Hana, fazer missões de entregas valiosas para a Igreja, investigar alguns casos demoníacos menores aqui e ali, no máximo, ser levado para trabalhar como segurança para o Papa ou algum dos bispos.

Mas não, seu destino era ser um agente solitário, ele não tinha nenhum parceiro, não podia contar histórias sobre suas missões com seus colegas, não tinha tempo para engajar em hobbies ou se dedicar a qualquer coisa que não fosse relacionada à fé. Sua responsabilidade era um peso colocado em conjunto por todas as esferas de autoridade daquele lugar, eles depositavam em Namjoon todas as suas expectativas.

E por mais que ele se sentisse grato por toda a confiança que botavam nele, em todos os trabalhos importantes que eram destinados a si, no fundo, ele sabia que se morresse não haveriam lágrimas derramadas, todos eram substituíveis, e nem ele poderia se safar disso.

Namjoon deu um suspiro, fechando o caderno desgastado e guardando-o de volta na gaveta da escrivaninha de madeira. Ele voltou a cutucar uma pelinha descolada de seu dedo, como sempre fazia quando estava ansioso. O homem nunca conseguia se segurar, as feridas mal acabavam de cicatrizar e ele já voltava a machucar seu dedo de novo, era uma mania incurável, a única coisa que o sinalizava a hora de parar era o momento em que a carne começava a arder e pequenas gotículas de sangue se formavam ali.

Ele era descuidado, Namjoon sabia que deixar feridas abertas em seu corpo era uma forma de vulnerabilidade, ele poderia ficar doente, ser envenenado, mas, ao mesmo tempo que isso lhe assustava até a alma, era excitante também.

O caçador alcançou o walkie talkie no bolso de sua calça, apenas para se assegurar de que não o tivesse perdido, ele não teve como negar o pedido da garota, e agora ele estava preso àquele aparelho, pois, se não contatasse a garota, ela certamente ficaria preocupada, provavelmente teria algum tipo de surto. Ele conversou com mais alguns operários, nada que se sobressaísse em seus relatos, ele estava perdendo tempo ali, enquanto poderia já estar à caminho da Coreia, merda.

Foi então que, ao fundo, ele percebeu o navio indo em direção a eles. Ele se descolou ds parede, acertando a postura. De fato, era uma embarcação de alto nível, muito grande e majestosa. Não demorou muito até que alguns funcionários no cais avistassem também, e já começassem a arrumar o lugar onde o barco aportaria.

— Tsc, esses caras não estão de brincadeira mesmo. — Nmajoon deu uma risadinha, balançando a cabeça.

O barco foi chegando cada vez mais perto, à medida que Namjoon começava a se enfiar num canto cada vez mais escuro. Ele não tinha certeza se não podia ser visto, mas era sempre melhor prevenir do que remediar, o homem teve que aprender isso do jeito mais difícil.

Quando deu por si, o barco já estava no cais, uma rampa se estendendo até ali. Cinco homens bem vestidos apareceram, sorrisos espontâneos em seus rostos. Não deviam estar muito além dos 20 anos, apesar de alguns deles se portarem como velhos de meia idade, até se lembrou do jeito que seu pai costumava ficar, costas eretas, cara fechada.

Ele se deixou apenas observá-los por um tempo. Eram um grupo de amigos, sócios, ou eram irmãos? Namjoon não sabia responder. Não estavam usando ternos, as roupas eram demasiado informais para ser uma viagem de negócios, mas o caçador também não viu nenhuma prostituta ou servantes descendo com os homens, mas a quantidade de malas que carregavam só podiam significar que planejavam passar um tempo considerável no país. Quem eles eram, afinal?

Eles desceram em conjunto, cumprimentando brevemente os operadores, saindo do porto e indo em direção a um carro preto que os esperava ao lado da calçada.

Ugh, eu realmente devo ter cometido um erro — Namjoon pensou. — Devem ser apenas um grupo de amigos aproveitando o final de temporada para torrar dinheiro nas lojas de grife do país.

O homem bufou, frustrado. Ele tinha sido avisado claramente para não perder tempo, as bestas estavam cada vez mais descontroladas, mais e mais pessoas morriam a cada dia e, ao invés e fazer algo para impedir, lá estava ele, indo atrás de falsas pistas que mais u,a vez não deram em nada. Seu walkie-talkie fez um barulho, e ele o levou até o ouvido.

— E aí, conseguiu alguma coisa? — Namjoon ouviu a voz abafada de Hana do outro lado da linha.

— Aish, você estava certa, a embarcação não tinha nada a ver com a nossa missão. — A garota deu uma risada alta, e ele teve que se distanciar um pouco do aparelho para não ficar surdo.

— Não diga que eu não avisei. Agora arraste essa bunda gorda de volta pra cá, vamos virar a noite assistindo algum filme besteirol e amanhã você resolve o resto, que tal?

— Por que você se esforça tanto pra me desviar dos meus afazeres, hein? — Ele deu uma risadinha, ainda observando os homens caminharem ao longe.

— Bem, porque se eu não o fizer, ninguém terá coragem, você dá medo, sabia? Mas deixe eu te cont... — Namjoon parou de prestar atenção no momento em viu as costas de um dos integrantes do grupo.

O garoto, vestido quase inteiramente de preto, óculos escuros e os cachos grossos castanhos cobrindo todo o resto de seu resto, quase como um adolescente. Em certo momento, o garoto olhou para seus próprios pés, dando uma visão privilegiada de Namjoon para suas costas.

Era uma marca demoníaca, entelhada na nuca do garoto como uma cicatriz.

Peguei vocês.

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