24. Alexythimia

Alexithymia: the inability to express your feelings
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Nem um pouco interessada no caos que se estabelecia dentro do navio, a natureza seguiu seu curso, e o sol voltou a nascer como em qualquer outro dia.

Sol e chuva, dia e noite, frio e calor, luz e escuridão, o grupo já havia passado por todos os extremos físicos e emocionais durante a viagem, e já era hora de finalmente pousarem seus pés em terra firme.

Jungkook acordou com batidas em sua porta e o aviso de que já estavam perto do porto. Ainda muito sonolento, o rapaz murmurou qualquer coisa, apenas para que parassem com aquele som irritante, provavelmente feito por Taehyung, e enfim decidiu sair da cama.

Ele ergueu-se, bufando em irritação ao ver que seus músculos estavam doloridos e cansados, mesmo sem ter feito nenhuma atividade física. Deu passos preguiçosos até o banheiro, deparando-se com sua figura cadavérica no espelho. Ao contrário das outras vezes, ele pouco se abalou, aquele já havia se tornado seu estado usual, abatido e desleixado.

Ele tentou dar seu máximo para parecer apresentável diante dos outros, já que não teria como se esconder mais em sua cabine. Uma colônia de boa qualidade, uma tentativa porca de estilizar seus cachos, uma camisa de manga longa preta e óculos escuros, uma coisa que ele usaria normalmente e não daria na cara o quão miserável ele se sentia por dentro.

Tentou deixar o quarto o mais arrumado possível, afinal, ele não queria incomodar ainda mais a besta residente dali. Dando mais um suspiro, o garoto fechou a porta, puxando sua mala consigo.

Andando até o convés principal, ele encontrou o resto dos homens já reunidos, praticamente formando um círculo em torno de Jimin. Com os braços apoiados na grade, ele parecia estar numa posição relaxada, sorrindo casualmente, embora pouco adicionasse à conversa que ali acontecia. Jungkook passou seus olhos sobre seu corpo como que o avaliando. Será que ele já estava bem? Ou era tão bom assim em esconder? Jimin estava tentando fazê-lo parecer ainda mais ridículo? O que ele ganhava humilhando o mais novo daquela forma?

Jungkook mordeu o interior de suas bochechas, tentando conter sua frustração. Era raiva ou mágoa aquilo que estava sentindo? Ele não saberia responder ao certo, muito provavelmente, era uma mistura dos dois. Mas então, sem perceber, sustentando seu encarar de olhos por um tempo considerável, o inevitável aconteceu, e os olhos de Jimin encontraram os seus. A expressão do íncubo era ininteligível, a face lisa, quase apática, virando seu rosto de volta para Hoseok rapidamente, sem querer muito contato visual com o garoto.

— Ei, Jungkookie, você acordou! — Hoseok deu um sorriso caloroso, chamando o garoto para mais perto.

— Nós achamos que teríamos que retirar você de lá à força. — Taehyung riu, mas era fato que ele havia pensado seriamente em invadir o quarto de Jungkook, caso ele não saísse. — E aí, se sente melhor?

— Sim, foi só um mal-estar passageiro, eu acordei me sentindo bem melhor hoje. — Jungkook se assustava com a facilidade com que as mentiras despencavam de sua boca. Ele sempre fora uma pessoa muito honesta, por vezes pensou que nunca conseguiria mentir sem ficar com a consciência pesada, mas o mundo deu voltas, e ali estava ele...

Taehyung discretamente ergueu uma sobrancelha, murmurando um "uhum" e fazendo contato visual com Seokjin e Hoseok.

— Que bom que vocês dois estão se sentindo melhor, nós ficamos bem preocupados, sabiam? Não nos deem outro susto igual a esse de novo! — Seokjin praguejou.

Jungkook mantinha seus olhares em qualquer coisa que não fosse o loiro. Uma corda, um passarinho, os detalhes do chapéu de pescador amarelo que Hoseok usava, tudo que o impedisse de encontrar os olhos de Jimin de novo. Era quase cômico como, de uma hora para outra, seu relacionamento mudou completamente. Em qualquer outro dia, ele não pouparia esforços para conseguir ser notado pelo íncubo, travaria seus olhos nele por horas a fio sem problemas. Mas hoje Jungkook só gostaria de sumir.

— Quanto tempo falta? — O garoto não aguentava mais aquele navio. Tudo aquilo agora o remetia à Jimin, o fazia lembrar da noite em que haviam passado juntos, a noite que seu mundo pareceu cair, era uma tortura sem fim.

— Pouco menos de meia hora. Mas até chegarmos em Barcelona,
é uma viagem de quatro horas de trem, vamos ter que passar a noite em uma pousada perto do castelo.

Jungkook suspirou.

— Só isso? — Ele perguntou em tom jocoso. Por algum motivo, ele tinha a impressão de que assim que aportassem, eles já estariam em Barcelona, mas era óbvio que nada poderia ser tão fácil, e o destino não perderia a chance de lhe pregar outra peça e vê-lo sofrer.

— Hum, não. Aí depois pegaremos o teleférico para subir a montanha, o que dá, sei lá, uma hora, ou uma hora e meia de viagem, dependendo da quantidade de turistas... — Jungkook suprimiu sua vontade de revirar os olhos. Será que doeria menos se ele apenas se jogasse no mar e decidisse morar com os peixes? De certo, seria melhor do que ter que sustentar sua cara de paisagem durante todo aquele tempo. Quanto mais ele teria que aguentar daquilo?

— Corta esse mau humor! Eu hein, nem parece que foi você que decidiu vir pra cá! — Taehyung rebateu, apertando uma de suas bochechas. Ah, se o arrependimento matasse...

— Se você ainda não estiver se sentindo bem, é só falar, ok? Nós vamos entender... — Seokjin apertou suas próprias mãos, tentando não deixar tão à mostra sua cara de preocupação.

Jungkook sempre teve a mania péssima de nunca contar quando não estava bem, deixava as doenças evoluírem até que a febre o consumisse por inteiro e ele não pudesse nem sair da cama direito. Por isso, o tutor sempre esteve muito atento a qualquer mudança no comportamento do garoto, com medo que ele estivesse escondendo sua situação de novo. Jungkook era orgulhoso, teimoso demais para admitir quando chegava em seu limite, se sentia envergonhado quando adoecia e era quase uma luta conseguir levá-lo aos hospitais, achava que precisava ser um herói invencível ou algo do gênero.

Seokjin sorriu mentalmente, ele sentia tantas saudades daquele pequena bolha que havia construído onde tudo era calmo, normal...

Ao invés disso, ele agora precisava se preocupar com as consequências da maldição que havia acidentalmente botado em Jungkook quase 3 décadas atrás, com o possível fim do mundo e por último, mas não menos importante, com a briga amorosa de seu tutorado com o grão-senhor dos demônios... O que mais poderia piorar??

— Mas e então, como vocês têm reagido ao lance da Marca? Foi um grande passo, né... — O curandeiro ruivo pigarreou. Jungkook travou em seu lugar por algum segundo. Ele havia se esquecido dessa parte, os outros não sabiam que ele e Jimin haviam brigado... Ou sabiam?

Mas antes que ele pudesse continuar tendo um surto ou falar qualquer coisa, Jimin não demorou mais nenhum segundo e tomou a frente tranquilamente.

— Está tudo indo de acordo com o esperado. Eu, pelo menos, me sinto ótimo. Jungkook também, certo? — Ele se virou para questionar o garoto, dando um sorriso amarelo que não deixava dúvidas sobre seu significado— Minta.

Ele sabia que não seria fácil, mas ouvir seu nome saindo da boca do íncubo doía seus ouvidos. A boca de Jimin também ficara com um gosto amargo ao pronunciar as palavras, mas era óbvio que ele não deixaria seu desconforto ser percebido. Apesar do outro estar certo, Jungkook não pôde deixar de sentir um fundo de raiva borbulhando em seu estômago. Quem ele pensava que era para lhe dar ordens? Contatando-o pelo canal?

O moreno fechou a mão em punhos, sentindo suas unhas cravando em sua pele.

— Sim, vocês não precisam se preocupar, hyungs. Se algo acontecer, é óbvio que vocês serão as primeiras pessoas a saberem. — Ele deu um olhar reafirmador e sorriu, tentando passar confiança. Do que ele pôde perceber, os homens pareceram convencidos, embora não tivessem esboçado muitas reações. Jimin, por sua vez, não voltou a lhe encarar, muito menos esboçou qualquer reação. Babaca miserável!

— Você está com fome? Não comeu nada o dia todo ontem... — o leviatã apertou uma mão em sem ombro, massageando levemente ali. — Não adianta mentir, eu sei que está. Vamos, deve ter algo na cozinha que você queira comer.

Jungkook abriu a boca para negar, mas ao ver o olhar fuzilante de Taehyung, desistiu, decidindo que seria mais fácil se ele só concordasse e fizesse o que o mais velho queria de uma vez. Ele achou que, no momento em que ficassem sozinhos, Taehyung começaria a lhe interrogar, mas para sua surpresa, ele não o fez. Em vez disso, o demônio apenas lhe ofereceu vários pãezinhos e geleias, perguntando se tudo estava de acordo com seu gosto.

Ele achava que não estava com fome, até aquele momento, comida nem havia lhe passado pela cabeça, mas, ao ver todos aqueles tipos de doces e pães botados à sua frente, seu estômago roncou alto, junto com o resto de seus sentidos. "Pode comer, é tudo pra você", Taehyung havia avisado, feliz por conseguir tirar algo do rapaz. E ali eles ficaram, conversando sobre nada em particular, jogando papo fora, embora Jungkook mal conseguisse sorrir.

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Do outro lado, Namjoon começava a se preparar para a chegada do navio. O homem sacou cada uma de suas facas, escondendo algumas entre suas botas, cintura, e deixando sua melhor adaga protegida sob uma de suas luvas. Ele pouco se olhara no espelho, apenas o suficiente para perceber o quão magro e pálido seu rosto havia se tornado, as maçãs de suas bochechas afiadas.

Ele deu um beijo no terço que ficava em volta de seu pescoço como sempre fazia antes de uma de suas missões, e retornou-a ao seu lugar, debaixo de sua camisa preta. Na porta de seu quarto, Hana aguardava com uma cara aborrecida, girando um anel de prata entre os dedos.

— É sério que você não vai me deixar ir?

— Sim. — Ela deu um grunhido, jogando a cabeça dramaticamente para trás.

— Mas por quê não?? Eu sou uma ótima caçadora, a melhor de meu nível! Vamos lá, Joonie, vai ser muito mais fácil comigo te dando cobertura... — Namjoon deu um olhar torto, terminando de se preparar e deixar seu quarto em ordem.

— Hana, você nunca participou de uma missão dessa categoria, eu estaria te botando em risco, não seja ridícula.

— Você me disse que era só uma missão de reconhecimento, então não tem motivo para você me negar isso! Eu não tenho nada melhor para fazer, por favooor... — Ela juntou as mãos em súplica, fazendo um beicinho.

— Eu já tomei minha decisão, você não vai, e pare de insistir nessa besteira. Apesar de ser uma missão de reconhecimento, eu não tenho controle sobre o rumo das coisas. Como você mesma disse, talvez não seja nada, apenas algum riquinho viajando no final de semana. Mas se não for, é minha responsabilidade como membro da Ordem investigar, você entende? Não posso envolver você nisso e ter o risco de algo te acontecer. — Ele suspirou.

— Ok, mas e se algo te acontecer, quem que vai te ajudar? Você não é o Superman, afinal... — A morena cruzou os braços, alternando o peso entre suas botas de couro marrom.

Hana sempre havia sido uma garota bonita. Até quando estava no auge de sua irritação, ela mantinha uma expressão fofa no rosto. Era lógico que Namjoon a admirava muito por seu trabalho e habilidades, ela se mostrara uma caçadora ágil desde quando eram crianças, deixava muitos garotos mais velhos no chinelo, tamanha sua força.  No entanto, o homem não se perdoaria se algo lhe acontecesse, ela era sua melhor amiga, a única pessoa com quem sempre pôde contar e se apoiar nos momentos difíceis, nem mesmo uma missão daquele tamanho valeria sua vida.

— Se algo acontecer, eu vou tomar responsabilidade pelos meus atos, assim como sempre fiz. Se eu não der notícias em 72 horas, vocês vão saber que eu falhei, e aí a Ordem mandará outros membros atrás de mim, ou do meu corpo...

A garota suspirou, cruzando os braços e esboçando uma feição preocupada. Namjoon aproximou-se, acariciando ambos os braços da garota e lhe dando um abraço.

— Ei, não precisa ficar assim. Nós já ficamos longes por muito mais tempo que isso, por quê você está assim agora? — Sua voz não passava de um sussurro.

— Porque eu estou preocupada, agora é diferente. Da última vez, eu achei que você não fosse voltar, eu fiquei 3 meses sem notícias suas, nenhum sinal de vida. Você é meu melhor amigo, o que eu vou fazer se você morrer? — Namjoon sentiu uma poça se formando sobre seu ombro, Hana estava chorando.

— Shh, shh, calma... Eu não vou deixar que você se livre tão rápido assim de mim, viu? Confie um pouco em mim. Por mais que eu demore, eu sempre vou voltar pra você, ok? — Ele se afastou um pouco, o suficiente para limpar o rímel borrado do rosto da garota. Acariciando sua bochecha com um polegar, ele a soltou.

Hana pareceu despertar, rapidamente secando seus olhos e ajeitando suas roupas, ela se deixara ficar vulnerável demais.

— É, você está certo, me desculpe por surtar desse jeito, eu devo estar parecendo uma doida. — Ela sorriu, voltando a emitir aquele calor alegre que sempre possuiu.

— Você está perfeita, como sempre. Agora me deixe ir, ok? Preciso chegar cedo no porto para monitorar o lugar, ver se os funcionários conseguiram achar alguma coisa.

— Me promete que vai tentar ficar seguro, que não vai fazer nenhuma loucura. — Ela puxou a mão dele para si, apertando-o entre as delas.

— Se arriscar faz parte do trabalho, Hana. — Ele tentou, mas isso só fez com que ela aumentasse seu aperto. Puxando o ar pesadamente, ele olhou fundo nos olhos verdes da garota, rodeados por dezenas de sardas.

— Eu vou fazer o possível para ficar seguro.

— E...?

— E prometo que vou tentar não fazer nenhuma loucura...

— E...? — Namjoon lhe deu um olhar confuso, sem entender direito o que ela queria. — Você vai chamar reforços se descobrir que a situação é ruim como você pensa, nem pense em tentar lidar com tudo sozinho.

— Hana, eu... — Ela lhe deu outro olhar duro. — Está bem, está bem. Vou seguir suas ordens, senhora.

— Ah, antes que eu me esqueça, isso é pra você. — Ela lhe estendeu uma espécie de walkie tolkie preto, não muito maior do que o tamanho de sua própria mão. — Eu já falei com o seu superior, ele concordou que a essa altura é bom termos notícias suas e da missão o mais rápido possível, é uma perda de tempo desnecessária esperar vocês voltar para relatar tudo.

— É um peso desnecessário que pode ser usado para me rastrear. — Ele comprimiu a boca numa linha fina.

— A linha é segura, pedi para Jasper isolar. Agora pegue essa merda logo, por favor. Sinceramente, eu duvido que um grupo que seja burro o suficiente para chegar aqui com um navio enorme e chamativo ao invés de um avião tenha algum aparelho de rastreamento via satélite. Não vai ser isso que vai estragar sua missão, Joon, faça isso por mim, vai.

— Ai, ok, ok, já entendi, você está certa. — Ele pegou o objeto, prendendo-o no bolso traseiro de sua calça. — Satisfeita?

Hana abriu um sorriso caloroso, acenando.

— Agora eu realmente preciso ir. Nos vemos em breve, pequena. — E dando um beijo no meio de sua testa, Namjoon saiu do quarto, deixando a garota para trás com um aperto no coração e um nó em sua garganta.

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