17. Solivagant
Solivagant: someone who wanders or travels the world alone; a solitary person
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O Sr. e a Sra. Jeon realmente foram de grande ajuda nos dias que se seguiram à convalescência de Seokjin. Em certo momento, porém, ficou evidente que as feridas do homem estavam se curando muito mais rápido do que deviam, sua força e rapidez por vezes deixaram o casal assustado e estava óbvio que havia algo de errado com Seokjin.
Poderia ser estresse pós-traumático, pelo baque da queda ou até por um motivo espiritual, mas a verdade era que Seokjin não se lembrava dos seus últimos minutos como anjo. A rebelião era muito vívida em sua mente, com certeza, mas o mais importante, o desfecho da batalha, havia sido completamente eliminado de suas memórias.
E quais as consequências de se ter lacunas em suas memórias? Bem, no caso de Seokjin, o homem passava os dias, desde a hora em que acordava até a hora em que ia dormir, imaginando, se perguntando o que teria acontecido. A conclusão lógica chegada fora que a rebelião tinha sido extinguida por Deus e pelos arcanjos e, como punição, Seokjin e os outros haviam caído, o que o tornava agora um anjo caído pagando por seus pecados na Terra...
Ele remoía os acontecimentos repetidamente em sua cabeça, seus sonhos eram praticamente só replays de todos os acontecimentos que se sucedaram. O momento em que ele fora abordado por um dos primeiros seguidores de Lúcifer, Yuken, a se juntar à rebelião; como ele fora contado horas a fio sobre todas as grandes mudanças que aguardavam o reino do céus, como Ele mudaria tudo, como o sistema estava na direção errada e eles tinham o dever de consertá-lo. Seokjin se lembrava, se lembrava de ter tido as mesmas conversas com outros anjos, de se revoltar com a principal criação de deus, os humanos.
Afinal, como alguém poderia ser orgulhar de algo tão desprezível e cuja única funcionalidade fosse parasitar as outras criações?
O anjo não podia negar que os humanos ali o haviam tratado muito bem, mas isso não mudava as coisas. Humanos eram mesquinhos, agiam orgulhosamente, esgotavam todos os recursos do planeta por pura ganância, sem se importar com as outras partes. E então Seokjin sentiu toda aquela raiva voltando a todo o vapor, sua pele em chamas pelos sentimentos detrutivos que o consumiam por inteiro.
Ele se tornou uma combustão viva, queimando em chamas prateadas reluzentes. Seokjin fugiu da casa do casal, percorrendo terra e mar queimando tudo o que visse, deixando que aquele mesmo sentimento intrínseco à rebelião ditasse suas ações, ele apenas como uma mera ferramenta de todo aquele ódio.
Ainda na descoberta de seus novos poderes, Seokjin explorou todos do pior jeito que podia: jogando-os contra a espécie humana. Ele criou centenas de pragas, divertiu-se vendo-as corroendo insidiosamente cada um deles, sua dor e seu sofrimento não eram nada mais do que combustível para ele. Causar furacões, ciclones, maremotos — este foi, por muito tempo, o modo que o anjo passou os séculos na Terra.
Mas, em algum momento, esse combustível acabou, e a raiva enfim cessou...
Foi no início do século XVI, Seokjin estava largado à própria sorte. Ele andava desorientado pelas ruas de Paris, dormindo em becos e vielas, tendo como companhia os animais e insetos que os humanos se enojavam, se alimentando do sangue e carne de ratos e pombas, sem mais forças ou vontade de continuar vivendo. Em algum momento, entre esse ciclos intermináveis de crises de autopiedade e desejo de autodestruição, Park Jimin apareceu.
Ele, como o usual, estava em todo seu esplendor, trajando uma camiseta do mais linho fino, um calção largo popular entre a elite da época e um gibão vermelho que acentuava sua cintura e quadris. Ele apresentava-se como um duque recém-chegado da Ásia, filho de mãe e pai nobres e que tinha muitas conexões com a família d' Orléans. Park Jimin estendeu a mão enluvada para Seokjin, prometendo uma vida de glória e dignidade.
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— Você sabe que estou fazendo isso pelo melhor de todos, não sabe? — Jimin girava a colher de prata graciosamente sobre a xícara de porcelana, encarando Seokjin sem nem piscar os olhos.
Eles estavam no ducado do íncubo, discutindo sobre os próximos passos na existência de Seokjin como parte da comunidade demoníaca. O ducado de Park era uma grande propriedade luxuosa com aproximadamente 500mil hectares, cercada completamente por florestas de pinheiros e montanhas intransponíveis .
— Sim. Por mais que eu não suporte-os, isso é necessário para que a sua... — Jimin pigarreou. — Desculpe, para que nossa espécie possa viver em paz. — Seokjin se corrigiu.
— Não se acostumou ainda com os palavreados, não é? — Jimin riu. — Nem todos os anjos como você aceitam bem o fardo de se tornarem inimigos do deus de vocês.
— E você aceita?
— Eu e você, nós somos muito diferentes, Seokjin. Eu nasci e passei a maior parte da minha vida no inferno, é a minha casa. — Jimin fez uma expressão que o homem não conseguiu identificar. — Para o bem ou para o mal, este me foi o papel designado, papel este que cumpro com muito prazer. Não sei o que você pretende fazer de sua vida, mas acho que é uma existência de tempo muito longo para se passar sendo miserável e autopiedoso.
Seokjin suspirou, passeando o dedo nervosamente pela folha de ouro que cobria parte do braço da poltrona.
— Você me seria muito útil, sabia? — Seokjin arregalou os olhos, surpreso com a súbita mudança de assunto. — Eu acho que seria uma boa forma de retribuir o que temos feito por você. Limpamos toda a sua bagunça. Os corpos desapareceram, os rastros de sangue que você deixou foram todos encobertos e os humanos já se recuperam da gripe que você causou. Mas se não fosse por nós, você já teria tido sua cabeça cortada numa guilhotina e colocada como troféu para todos na cidade assistirem como num grande espetáculo, e não é isso que você quer, certo? — Jimin olhou por entre os cílios para o outro, observando pacientemente sua reação.
— E como você acha que eu poderia te ajudar? Eu ainda não tenho total conhecimento e controle da extensão de meus poderes, eu não tenho contatos importantes e muito menos dinheiro...
— Habilidades básicas podem ser aprimoradas a qualquer momento e hora do dia, eu posso te ajudar nisso. Mas o que mais me intriga são suas visões. Isso, meu senhor, é um grande achado. Essa habilidade poderia destruir civilizações inteiras, mudar o rumo de grandes impérios, decidir guerras... — Jimin suspirava, um brilho particular em seu olhar que dava calafrios no outro.
— Aí está, finalmente. — Seokjin franziu as sobrancelhas. — Seu objetivo aqui não é estabelecer um mero vínculo diplomático entre demônios, não é? Você precisa do meu poder, e eu não sei do que se trata ou o que exatamente você pensa, mas eu não te darei nada.
— Acho que está havendo um grande engano por aqui. A minha única vontade é manter as bestas livres e seguras, nada mais. Os seus poderes, no entanto, seriam de muita valia na supervisão do nosso governo sobre os humanos e as autoriades humanas. Veja bem, eu sou apenas um, e eu tenho a responsabilidade de cuidar de muitos, um par extra de olhos espertos como os seus não seria ruim. — Jin semicerrou os olhos, tentando avaliar a veracidade das intenções do íncubo.
— Preciso pensar um pouco sobre isso, se não se importa. Eu acabei de retornar ao convívio, não creio que eu esteja no melhor momento para me encabir de coisas importantes e nem de servir você apropriadamente.
— Servir a mim, não, à sociedade. — Jimin esclareceu.
— Falando em sociedade, por anda aquele seu cachorrinho assustado? Ele não pareceu muito feliz em me ver.
— Taehyung não está acostumado com hóspedes desconhecidos por aqui, e ele não é um cachorrinho, — A voz de Park pareceu se dobrar em ódio nessa última. — mas você é bem vindo a ficar pelo tempo que precisar. — Ele suspirou, forçando um sorriso, as pernas ainda cruzadas relaxadamente sobre a cadeira.
— Eu agradeço a hospitalidade, mas nós sabemos que meu lugar não é aqui. Tenho certeza de que você tem coisas bem mais importantes a resolver do que me recrutar e, bem, eu vou refletir um pouco mais sobre sua proposta.
Seokjin se levantou, causando um barulho nem um pouco discreto ao arrastar a cadeira para trás.
Os dois homens caminharam até a entrada da propriedade, alguns serviçais colocando o casaco recém ganho de Seokjin sobre seus ombros e abrindo a porta da carruagem para que este entrasse.
— Eu não sei quando, mas uma hora você voltará para mim, Seokjin, e é bom que você não se esqueça de tudo que fiz por você. — Os braços do loiro se cruzaram, um olhar afiado e um sorriso presunçoso.
— Pode deixar, eu nunca cometeria o erro de achar que um demônio seria uma pessoa gentil. Mande minhas coisas ao hotel da cidade, por favor. — Seokjin deu uma piscadinha, acomodando-se no banco de couro e soltando um suspiro aliviado. Era difícil manter-se são na presença do outro, Park testava todos os seus limites e em vários momentos quase fez-o concordar em ficar ali e viver com ele em meio aos luxos e regalias da vida terrena.
Assim, Seokjin desapareceu por séculos a fio de novo, fugindo das garras de Park Jimin e mantendo distância da sociedade demoníaca como um todo. Na realidade, ele adquirira nojo das coisas que tinha feito. Pensar que, em um momento de fraqueza, ele ficara tão semelhante àquelas bestas, se alimentando de pessoas, destilando o caos e semeando o ódio apenas por sua própria diversão, isso era totalmente desprezível e Seokjin sentia vergonha.
O homem lutava para fazer as pazes com seu passado, mas ele já havia ultrapassado o limite mais uma vez. De anjo justiceiro à besta, ele agora havia decidido se isolar de tudo, viver uma vida simples e tranquila em, quem sabe, uma casa simples na beira da praia ou no topo de alguma montanha fria, algum lugar em que ele não precisasse lidar com nenhum outro ser vivo além dos bons e inocentes animais.
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Oioi gente, espero que tenham curtido este capítulo. O próximo fecha a trilogia do passado de Seokjin e então finalmente voltamos pra linha do tempo principal, no navio.
Obrigada pelos 4k da fic❤️
Não esqueçam da estrelinha ⭐️ se tiveram gostado e compartilhem com seus amigos pra fic chegar em mais pessoas. Até semana que vem! ✨
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