15. Meraki
Meraki: to do something with soul or love; to put something of yourself into your work.
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— Cara, você está um lixo...
Hana nunca foi muito sensível em suas observações, isso era um fato. De um lado, era bom porque Namjoon sabia que se quisesse conselhos e opiniões sinceras, era ela a quem ele poderia pedir, mas por outro... o cavaleiro internamente gritava para ter seu ego amaciado, nem que fosse um "você continua bravo e imponente como sempre, Namjoon!" ou qualquer outro elogio.
Que fútil... o que seu pai pensaria se soubesse que ele tinha ímpetos tão mundanos e supérfluos?
— Um brinde a todos os lixões, então. — Namjoon ergueu seu copo num falso brinde, virando outro shot sem mais delongas e deixando que o líquido translúcido descesse queimando sua garganta. A essa altura da noite, ele já estava mais do que confortável com o calor na boca de seu estômago e os pequenos episódios de tosse que estavam surgindo em resposta à irritação por conta toda aquela bebida.
A garota ergueu seu copo, seguindo o amigo e virando outro shot.
— Eu estou falando sério, parece que você não dorme há décadas. — Comentou ela, observando o amigo cada vez mais cambaleante sobre o banquinho ao seu lado.
Namjoon tinha episódios de insônia desde que se conhecia por gente, acordar com grandes bolsas escuras sob os olhos não lhe era uma imagem estranha. Mas nesse caso, o cansaço era por outro motivo. O homem fora incumbido da missão mais difícil de toda a sua vida, algo tão particular e confidencial que ele fora o único de sua categoria a ter permissão para sequer saber do caso.
— Tenho muito a pensar e planejar, passar oito horas desacordado me parece um gasto de tempo muito grande quando há tanto a ser feito.
Hana comprimiu os lábios em uma linha fina, seu batom vermelho quase que sumindo. A garota sabia que o homem era extremamente teimoso quando se tratava do trabalho, mas as coisas já estavam passando do limite havia algum tempo, ele não era a porra de uma máquina!
— Joon, me escute. Eu sei que, mais uma vez, eu terei que ser a pessoa a te falar o que você não quer ouvir, mas isso não pode ficar assim. — Namjoon olhou-a pelo canto dos olhos, tentando fugir do olhar penetrante que Hana sempre dava quando estava prestes a dar uma grande bronca nele. — Namjoon, eu estou falando com você! Olhe para mim!
O homem se assustou com a mudança súbita de seu tom de voz, ela estava irritada.
— Não há nada que eu possa fazer, eles precisam de mim, Hana. Eu não posso simplesmente jogar tudo pro alto e fazer o que eu bem entender...
— E eu não posso mais ficar fazendo o papel de sua mãe, Namjoon! Me ajude a te ajudar, vai. Você sabe que eu não posso descansar sabendo que a qualquer momento você pode ter um surto e desmaiar no meio da rua. — Não era incomum os dois amigos fazerem piadas com temas tabus e desgraças da própria vida, o humor dos dois era algo... peculiar, para dizer o mínimo.
— Você se preocupa porque quer, eu não tenho nada a ver com o fato de que você lidou com os seus traumas de abandono na infância cuidando de mim. — Ai.
Ele não estava errado, Namjoon e Hana se conheceram na escola da Juventude de Cristo e desde então nunca mais se desgrudaram. Nenhum dos dois tinha muitos amigos, mas a amizade sincera que tinham um pelo outro foi mais do que suficiente para passarem uma infância relativamente feliz. Mas pelo lado da garota, Namjoon era alguém a ser protegido, não porque ele era filho de alguém importante ou algo do tipo, mas sim porque ela sabia o quão emocionalmente vulnerável ele era, Namjoon precisava dela. E ao contrário do que seus pais fizeram, ela nunca o abandonaria.
— Ei! Isso foi golpe baixo! — Namjoon deu de ombros.
Hana era órfã. Assim como muitos dos cavaleiros da ordem de cristo, ela foi resgatada pela igreja ainda quando bebê. Um dos padres lhe contou que ela fora deixada numa caixa de sapatos em frente a um petshop, toda coberta por sua própria urina e fezes, desnutrida e com aproximadamente duas semanas de vida mal completadas.
Assim como o cavaleiro, tudo que ela havia aprendido a fazer na vida era lutar e sacrificar seu corpo pela causa. Seus valores eram basicamente e nada menos do que disciplina, lealdade e subordinação. Sua importância ali era simples e direta: fazer tudo e o impossível para garantir a segurança dos cidadãos e do castelo. Ela fazia com gosto, orgulhosa por ter a honra de poder prestar tal serviço à sua nação e a Deus. Hana gostava do sentimento de fraternidade e pertencimento que havia no ambiente, tinha algo de reconfortante em nascer e morrer com as mesmas pessoas, ficarem umas ao lado das outras até que seus corpos fraquejassem de tal forma que não mais permitissem que servissem à sua missão divina.
— Falando do que interessa, eu preciso reunir toda a informação possível para esta missão. Eu tenho apenas três dias até a viagem para a Coreia, todo tempo é precioso. — A morena revirou os olhos, apoiando a cabeça sobre a mão.
— E, no entanto, aqui está você, bebendo umas biritas com sua amiga do peito. — A mulher riu, derrubando um pouco de sua tequila em sua calça jeans sem perceber. — Merda!
— Viu só? Isso é karma... — O cavaleiro deu uma piscadinha, ganhando, em troca, um olhar furioso.
— Cale a boca e vá pegar alguns papéis para eu me secar, sim? Essa merda já está começando a grudar... — Ela torceu a cara em nojo, sentindo o cheiro forte impregnando no tecido.
— Claro que sim, linda e formosa dama. — Hana revirou os olhos. Era uma típica noite de verão, os longos cachos da mulher já começavam a grudar em sua pele, a mistura do suor escorrendo com o cheiro forte de álcool e perfume barato tornava tudo ainda mais insuportável para ela, que tentava se refrescar abanando as mãos ao redor de si e se remexendo no banquinho impacientemente.
Namjoon olhou para trás mais uma vez, rindo da reação exagerada da amiga. Depois do desastre na conversa com seu pai, Namjoon se pegou batendo à porta da garota, convidando-a para tomar um drink, "só se você pagar" foi a resposta imediata da garota. Ela obviamente nunca negaria um convite para um drink, mas a provocação era uma pequena vingança pelo fato de que ele nunca aceitava seus convites.
Eles estavam no Le Polidor, um bar rústico e familiar da cidade que reunia ali os mais diversos tipos de pessoas, mas tendo como público principal estudantes sem nenhum tostão, idosos com aposentadoria parada e, de vez em quando, cavaleiros do castelo.
O lugar era relativamente decente. Os donos eram um casal de meia idade muito simpáticos, faziam questão de que pelo menos a bancada do bar estivesse sempre limpa e que todos fossem bem servidos. A história dos dois era um tanto complicada, aparentemente, o marido tinha negócios com a máfia francesa e, após alguns sumiços de carregamentos de cocaína, os dois tiveram que sair correndo do país e se refugiar no lugar mais próximo.
O homem atravessou o lugar, sentindo o piso velho de madeira ranger a cada passo, chegando em pouco tempo até uma mesinha que compunha diversos papéis toalhas cinzentos e de má qualidade. Perto dela, um grupo de trabalhadores do porto conversava animadamente, rindo alto e derramando suas cervejas por todo o lado.
— Mas sério, eu juro que a ratazana era do tamanho de um cachorro, eu quase tropecei nela! — Disse um deles, simbolizando com as mãos o tamanho do animal.
— Você está velho demais, Jeffrey, sua visão está um lixo. Não podemos esquecer do dia em que você confundiu sal marinho com pedaços de cristal. — Os homens gargalhavam.
— Foi só uma vez,e eu estava sem minhas lentes! — Jeffrey tentava se justificar, negando com a cabeça.
— Você precisa trabalhar menos, já não consegue se garantir como antes...
— Eu bem que queria, mas o salário é pouco e meus filhos estão desempregados. Fora isso, eu perdi minha folga da sexta, já que aquele navio enorme vai atracar aqui.
— Até agora não consigo acreditar nisso, como eles esperam que a gente dê conta da manutenção de um navio desses quando mal temos saúde para carregar caixas de grãos??
— Esse governo é uma piada, exigem sempre mais trabalho de nós, mas não conseguem pagar nem uma quantidade decente para que possamos ver algum médico.
Intrigado pela conversa, Namjoon se aproximou dos homens. Que navio seria este?
— E aí, parceiros, tudo bem por aí? — Ele chegou até a mesa, recebendo um sorriso animado dos homens.
— Opa, chefe! Tempo desde que vimos você por essas bandas... — disse um deles, oferecendo uma cerveja a Namjoon. — Vem tomar umas com a gente.
— Na verdade, eu não posso, vim acompanhado já. — Ele apontou para Hana, do outro lado do salão.
— Ah sim, você não pode deixar uma moça linda daquelas dando sopa por aí, muito homem poderia chegar com a intenção errada.
— Eu mesmo chegaria nela, se ainda pudesse fazer alguma coisa. — O velho riu, deixando a boca desdentada à mostra. Namjoon comprimiu os lábios, forçando um sorriso.
— Não pude deixar de ouvir vocês falando sobre o porto, tem alguma coisa importante chegando? Não lembro de receber nenhum memorando...
— Nem nós, chefe. Fomos avisados de última hora que um navio enorme vindo da ásia vai atracar no nosso porto, sem mais nem menos. 'Cê acredita nisso?
— Ásia? Nosso carregamento de óleo não chega nessa época do ano. — O cavaleiro estava confuso, grandes embarcações assim nunca vinham desavisadas, mas nem os próprios trabalhadores pareciam entender.
— Parece que está vindo da Coreia, e não é uma embarcação comercial. E o mais estranho de tudo, não sei como ou por quê o fizeram, mas vários de nós estamos encarregados de cuidar da manutenção do barco enquanto os donos estão aqui. Esquisito, não?
Coreia? Será que poderia ser...?
— De fato, isso não é algo comum... Vejam só, eu ficaria na cidade por mais alguns dias antes de sair em missão de novo, se vocês descobrirem mais alguma coisa sobre essa embarcação misteriosa, é só me ligar. — Namjoon tirou de dentro do bolso uma caneta, usando um dos papéis que havia pegado para anotar seu número.
— Você acha que é perigoso? — Todos pararam de beber, encarando o pedaço de papel. Eles se consideravam pouco ou nada importantes, mas por algum motivo, ali estava o cavaleiro, pedindo a ajuda deles, e isso tinha que significar alguma coisa.
— Por enquanto, vocês não precisam se preocupar com nada, é só uma leve desconfiança. Mas vocês são a fonte de informação mais apurada que eu terei para investigar isso, então é muito importante que vocês colaborem comigo. — Os homens acenaram as cabeças, concordando.
— Claro que sim, o que você precisar. Estamos honrados de poder servir ao seu propósito!
Namjoon retribuiu com um sorriso, se afastando da mesa.
— Bem, agora se me derem licença... — Eles se despediram do cavaleiro, falando mais gentilezas e palavras de apoio.
Namjoon caminhou calmamente até a bancada em que Hana esperava já impaciente.
— Por Deus, por que demorou tanto?? De novo você falando com aqueles velhos nojentos do porto? — Hana não demorou em começar a esfregar o papel em seu colo, tentando retirar o resto da bebida que ainda não havia secado.
— Eles tinham informações sobre uma embarcação importante que estará chegando nesta sexta-feira... — Ele voltou a se sentar do lado dela, levando a mão ao seu copo e dando um suspiro ao ver que sua bebida já havia esquentado.
— E daí? Você tem algo contra marinheiros?
— Não é isso, Hana. Eles disseram que foram avisados de última hora, e nós sabemos que embarcações grandes são avisadas com meses de antecedência. Além disso, não é uma carga que eles estão chegando, são pessoas.
— Ok, você já bebeu demais e está surtando. Você não parou para cogitar que talvez seja um navio cruzeiro? Talvez eles estejam com problemas mecânicos e precisem parar em algum lugar rápido. Essas coisas acontecem o tempo todo, Namjoon, você não precisa transformar tudo o que você não entende em uma teoria da conspiração, sabia?
— Se fosse apenas um cruzeiro, eles não teriam motivos para esconder isso dos funcionários do porto. — Namjoon rebateu, ainda não totalmente convencido.
— Talvez seja alguém famoso, e não quiseram fazer alarde para não ter uma multidão de pessoas esperando eles. Use seu cérebro, Namjoon, use o cérebro. — Ela apontou para a própria cabeça, feliz por se sentir mais inteligente do que o outro.
— Famoso, você diz? Talvez seja isso, mas eu ainda não estou satisfeito. De uma forma ou outra, eu ainda estarei aqui quando o navio chegar, e vou poder acompanhar tudo isso de perto.
— Mas você não tinha que se preparar para a missão?
— Eu tenho a leve impressão de que as duas coisas estão conectadas, mas ainda é apenas uma intuição minha.
— Ó céus, dai-me força e paciência para aguentar meu amigo maluco! — Ela bufou, incrédula.
— Você devia ter mais confiança em mim, minha intuição nunca me engana, sabia?
— É o que você diz... Agora me ajude a levantar, quero voltar pra casa. Chega de bebida por hoje. — Hana se espreguiçou, estendendo os braços para o amigo.
— Mas eu paguei uma garrafa inteira de uísque e nós nem terminamos de beber!
— Problema seu, eu já estou cansada. Quero tomar um bom banho e ir para a cama. — A garota levantou, já seguindo em direção à saída e deixando Namjoon para trás.
Namjoon piscou duas vezes, uma mistura de irritação e perplexidade. Eu gastei 50 euros nessa garrafa!!! Essa garota ainda me paga.
E assim os dois jovens seguiram seus caminhos de volta ao castelo, totalmente alheios aos eventos prestes a acontecer.
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