13. Oblivion

Oblivion: The state of being unaware of what is happening around you; being forgotten or unknown
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Os mistérios do oceano sempre foram um tópico a deixar Jungkook inquieto. A humanidade tem mais conhecimento sobre o solo da Lua do que do oceano, e isso por si só já é inacreditável. Mais de 70% do planeta Terra é coberto por água, sendo que os humanos têm acesso a apenas 10% de toda essa grandiosidade.

Nas profundezas do oceano, quando tudo o que resta é o frio e a escuridão, em condições ambientais insuportáveis para a maioria dos seres marinhos, o que se esconde por entre as enormes fossas abissais? Que tipo de criaturas detém o poder e o controle destes espaços? Ou melhor, o que as impede de subir à superfície?

Essas eram perguntas que sempre circulavam na cabeça de Jungkook desde que ele se conhecia por gente.

De um jeito ou de outro, ele sabia que as respostas acabariam surgindo um dia para os homens, assim como todas as outras coisas que foram inevitavelmente expostas e dissecadas pela ciência.

Jungkook só não contava com a rapidez com que essas respostas surgiriam.


O garoto estava mais uma vez sozinho numa cozinha, depois de sua tentativa falha e assustadora de explorar o navio. Ele passou algum tempo procurando nos armários de madeira, até que achou alguns pacotes dos seus bolinhos de banana favoritos. O cheiro dilatou suas narinas assim que pôs os olhos neles. Aqueles bolinhos estavam ali por acaso ou alguém os havia colocado ali de propósito? Alguém sabia de sua paixão por bolinhos de banana? Impossível. O garoto deu uma grande mordida, sentindo a massa fofinha e úmida derretendo em sua boca.

Eles já estavam em mar havia algumas horas, mas o tempo não era um medidor confiável naquela situação. O navio era enfeitiçado com uma super velocidade, diminuindo drasticamente o período de viagem e fazendo com que eles já tivessem ultrapassado a maior parte do oceano pacífico em pouco tempo, agora contornando o norte da Austrália. Nesse ritmo de viagem, eles chegariam à Espanha em pouco menos de 2 dias.

Mesmo assim, o navio não parecia estar em alta velocidade. Na verdade, por vezes Jungkook achou que eles estavam num ritmo deveras lento, ou que as águas pareciam nem notar a enorme carcaça de madeira flutuante sobre ela.

O garoto limpou as migalhas de bolo de sua blusa, levantando-se para ir até o convés matar algum tempo.

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Após Taehyung deixá-lo sozinho, Jungkook decidiu organizar o local e abrir as janelas apenas para que o ar pudesse circular um pouco. Enquanto arrumava suas coisas sistematicamente, o garoto começou a pensar em formas de aproveitar sua estadia ali. O acesso à internet era impossível, eles estavam navegando no meio do nada. Talvez ele pudesse desenhar, mas para isso ele teria que incomodar Jimin e Taehyung enquanto os dois conversavam sobre assuntos importantes, fora o risco de trombar com Seokjin e Hoseok no meio do caminho. Sem chance. A última alternativade atividade era explorar o barco.

Depois de se certificar de que tudo estava em seu devido lugar, o garoto partiu em sua aventura pelos corredores desconhecidos, ficando impressionado com a conservação dos quadros pendurados na parede e em como a tinta parecia não envelhecer. Jungkook levou seu tempo indo de porta em porta, não achando nada muito interessante ou que pudesse distraí-lo.

Mas assim que desceu as escadas e pôs os pés no convés inferior, o piso rangeu de forma bizarra e ecoou uma espécie de soluço agudo que fez com que os tímpanos do moreno sibilassem e o corpo tremesse com um calafrio.

Ele não devia estar ali, o aviso parecia claro. Não importando de onde viesse a voz, Jungkook sabia que, muito provavelmente, o demônio preso ao navio estava acompanhando cada um de seus passos. E ele não parecia nada feliz.

Infelizmente, Jungkook era um curioso incurável, estava em seu sangue se meter onde não era chamado.

O garoto reuniu toda a sua coragem naquele momento. Ele tateou as paredes até encontrar o interruptor de luz, até se sentiu orgulhoso por estar vencendo seu medo do escuro. Ele andou alguns metros, passando por caixas cheias de objetos indecifráveis e móveis chiques cobertos por lonas.

Tudo parecia tranquilo. Porém, no momento em que uma corrente de ar passou por si, sussurrando seu nome, e foi avistada uma lona parada a poucos metros de si, com uma forma humanóide e batendo os pés em sua direção, o garoto deu um berro e saiu correndo sem nem pensar duas vezes..

Uma tentativa miserável de se aventurar pelo navio.

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Jungkook inspirou fundo o cheiro do mar, sentindo o sol aquecendo sua pele e o vento levando aquele gosto salgado consigo. O garoto se espreguiçou, sondando os arredores para ver se havia alguma mudança na paisagem desde o tempo que havia checado. De fato, a água tinha passado de um azul escuro para um tom verde-azulado e cristalino típico do local, que assim possibilitava a visibilidade de diferentes recifes de corais e diversos tipos exóticos de peixes.

Quando criança, o maior sonho do humano era ser um pirata. Ele assistiu todos os filmes da franquia, leu todos os livros e até fez Seokjin comprar fantasias e espadinhas de plástico. O motivo de sua obsessão não era nenhum segredo ele se sentia preso. Jungkook brilhava ao ver todos aqueles lugares diferentes no filme, as aventuras, os mistérios a serem desvendados, o que mais uma criança poderia querer?

Entretanto, ele nunca chegou a fazer uma viagem além da que fez quando ainda era apenas um recém-nascido, quando seu tutor adotou-o. Seokjin nunca gostou da ideia de viagens, passeios escolares, ou qualquer coisa que envolvesse o desconhecido. Agora Jungkook sabia o porquê.

E mesmo após tantos anos de restrições, faltas e excessos, ele nunca teve a coragem de deixar o mais velho e partir. O garoto não sabia dizer o motivo, nem a origem desse estranho vínculo, mas a dependência emocional que ele adquiriu era mais profunda do que qualquer coisa. Mesmo nesse momento em que estavam brigados e afastados, Jungkook não podia deixar de sentir a falta dessa figura paterna que fora Seokjin, não podia deixar de desejar sua aprovação e orgulho. Isso era envergonhante, ele já havia se tornado um adulto, muitos em sua idade já constituíam suas próprias famílias e já saíam do "ninho" sem nenhum problema.

Mas, com efeito, o humano não era qualquer um. Sua vida nunca fora planejada para ser pacata ou banal, Jungkook guardava em si forças que mal podia estimar a extensão, algo que poderia trazer o pior dos humanos e das bestas à tona, algo que ainda estava muito além de sua compreensão e controle.

Jungkook girou o tronco até onde estavam Jimin e Taehyung na cabine do capitão, brigando pelo que parecia ser o controle da roda do leme. O garoto riu ao ver a cena.

Jimin e Taehyung eram o maior exemplo de parceria que o garoto já tinha visto. Tantos séculos juntos, tantas histórias, tantas lembranças compartilhadase os demônios não ousavam se separar. Talvez o laço que os demônios compartilhassem não fosse tão distante assim do laço que unia Jungkook a Seokjin. Mas o demônio era merecedor de uma segunda chance? Os anos que passaram juntos, como uma família de verdade, anulavam o fato de que o mais velho mentiu para si durante toda a sua vida?

Estas eram perguntas que Jungkook sequer cogitou fazer nos momentos de raiva, mas que agora pareciam retornar sempre à sua cabeça.

Podia Seokjin ser tão mau assim?

Jungkook ainda pensava na conversa que tivera com Jimin. O íncubo deixara de lado todos os seus conflitos e desacordos de séculos com Seokjin apenas para proteger o garoto. Se ele, com todo seu orgulho e ego, conseguira fazer tal coisa sem problemas, o que impedia Jungkook de fazer o mesmo? A ferida podia ser emocional, podia ter a extensão de sua existência inteira... Mas será que não havia espaço no coração do garoto para perdão?

Jungkook achou uma espreguiçadeira e decidiu se deitar lá, pegar um pouco de sol em sua pele pálida e, muito provavelmente, deficiente de vitamina D.

O humano se deixou ser embalado pelo ritmo das ondas, por vezes ouvindo ao longe as vozes de seus colegas demônios, mas ele não se importou. Era relaxante ter os outros ali, ele se sentia estranhamente seguro, como se nada mais pudesse afetá-lo. Concentrar-se nos sons das ondas fazia Jungkook esquecer seus problemas, esquecer todo o peso desses dramas e problemas, era quase uma terapia.

O garoto podia ouvir as vozes de Hoseok e Seokjin ali por perto, mas decidiu apenas manter os olhos fechados e fingir estar dormindo. Ele podia ouvir seus pés batendo ansiosamente no deque, o jeito que pareciam querer se aproximar, mas Jungkook sentia que ainda não era o momento para isso. Ele só iria relaxar, aproveitar aquela viagem, e deixar os problemas para depois que aportassem na Espanha.

De repente, o vai e vem das ondas, que antes parecia tranquilizador, agora estava agitado. Era possível ouvir em alto e bom som das ondas batendo no casco do navio, empurrando, e um som alto caindo ao longe, um trovão. Jungkook perdeu um pouco do equilíbrio, e ainda meio desnorteado com a força da água, apoiou as mãos no chão do deque.

— O que é isso? — Seokjin foi o primeiro a falar.

— Parece que o mar está ficando mais violento. Olha só, o céu está escurecendo. — Hoseok apontou para as nuvens cinzas e pesadas que começavam a se acumular de pouco em pouco.

— Mas isso não faz sentido. Nós analisamos a região inteira antes de embarcarmos, não havia nenhuma chuva marítima prevista nem a quilômetros daqui. — Seokjin enrolou um braço ao redor do mastro, tentando manter os pés mais firmes sobre o piso.

A cada segundo que passava, o céu ficava mais escuro, e o horizonte parecia se afastar dos homens, deixando apenas uma neblina fria e cinzenta visível invadindo o lugar. Uma garoa fina começava a cair, Jungkook olhou para cima e deixou os fios gélidos caírem sobre sua face, ainda despreocupado. Era apenas uma chuvinha, afinal.

De repente, Taehyung surgiu no meio do convés, olhando para o horizonte e parecendo levemente preocupado. — Gente... T-Tem alguma coisa acontecendo.

Jimin ainda estava no controle do leme, tentando manter o barco em equilíbrio ao mesmo tempo que mentalmente lançava comandos para as velas do barco se ajustarem ao vento e às correntes marítimas.

— O que você quer dizer com isso, Taehyung? — Hoseok falava sério. Era visível que o demônio não estava brincando, o curandeiro conseguia sentir a tensão por trás de sua voz.

— O mar... T-Tem algo chegando. — O demônio apontou para o horizonte, onde um enorme ciclone começava a se formar. Logo que dito, uma enorme onda colidiu contra o casco do navio, pegando todos de surpresa e fazendo com que o barco tombasse ligeiramente para bombordo.

— SEGUREM-SE. — Seokjin praticamente gritou. O barco começara a ficar instável. Jungkook tomou um susto com a colisão e finalmente se agarrou ao encosto da espreguiçadeira, que se encontrava presa ao chão do deque e portanto não acabaria voando com o vento.

Taehyung praticamente deslizou pelo piso, mas antes que pudesse cair, Seokjin agarrou a manga de sua blusa e, com uma força inimaginável, puxou o demônio para perto de si.

— Nós precisamos aquartelar o barco! —  Hoseok gritou, agarrado a uma escota. — Nós não vamos conseguir segurar o navio com o mar desse jeito. Nós vamos tombar! — Estava cada vez mais difícil ouvir as vozes em meio aos sons de colisões, a chuva começava a pesar e com isso, só piorava a situação.

— Nada que fizer vai adiantar, vocês não entendem? O que devemos temer não é o mar, é o que está vindo debaixo dele! — Taehyung esbravejou, tentando atrair a atenção de todos.

— Será que você pode ser um pouco mais direto? O que é isso que estamos lidando? — Jungkook gritou do outro lado.

— Eu não sei! Eu nunca vi nada desse tipo! — Taehyung gritou de volta.  — Mas está se aproximando rápido, e é na nossa direção!

Ao mesmo tempo em que a embarcação oscilava furiosamente e parecia querer derrubar todos os homens, o navio perdia cada vez mais sua velocidade. Eles pareciam estar encurralados, andando sem sair do lugar. Jungkook precisou engolir o suco ácido que subia pela sua garganta. Sua cabeça estava começando a ficar zonza e não havia como ele sair dali.

— Tente ver alguma coisa, Jin! Qualquer coisa! — Hoseok tentava se comunicar com o amigo, mas este apenas balançou a cabeça de volta. — É tudo um borrão, a Visão não está funcionando! —  Os demônios pareciam ficar cada vez mais enfraquecidos, perdendo o controle de seus poderes, sem entender o que estava acontecendo e o quão grande era o buraco em que estavam caindo.

Na cabine do capitão, Jimin enfrentava seu próprio desafio, tentando manter a ordem em meio àquele caos. — Mas que porra está acontecendo aqui? — O íncubo vociferava, vendo seus comandos parando de ser seguidos pelo navio. O oceano agora estava em total controle ali. Os homens só podiam esperar, torcer para que fossem poupados pela fúria da água.

Os batimentos de Jungkook estavam acelerados, ele nunca tinha visto uma coisa como aquela. Uma coluna de água gigantesca se erguendo até o céu, girando incontrolavelmente em suas direções como se estivesse prestes a devorá-los. De súbito, o ciclone estacionou, girando sobre um mesmo eixo. Seu diâmetro começou a expandir, abrindo uma boca ainda maior em direção às nuvens.

Um tremor começou a ser sentido por todos os cantos, vindo diretamente das profundezas do mar. Uma melodia quase fúnebre ressoava pelos ouvidos dos homens, ficando exponencialmente mais alta à medida que os segundos passavam. Era extremamente desgradável e aguda, mas afetava apenas os seres humanos. Os seres marinhos pareciam nem perceber a melodia e apenas nadavam em direção contrária à correnteza que se instalava ao redor do ciclone.

— E-Está parado. —  Jungkook notou. Todos os olhares estavam apontados para o ciclone, e apesar do incômodo do frio e da chuva, ninguém ousava sequer piscar, com medo de serem surpreendidos pela criatura que se aproximava.

Um buracoo se abriu no mar em meio ao ciclone, dezenas de quilômetros de água se afastando para dar espaço à criatura que agora emergia. Sua cabeça era 3 vezes maior que o navio, uma formato de cefalópode com olhos vermelhos e pequenos tentáculos que cobriam sua boca. A criatura olhava diretamente para a direção dos homens, o cenho, se é possível chamar assim, estava franzido, e ele se erguia como um titã, a água sendo o berço que guardava e carregava aquele corpo descomunal. O resto de seu corpo não era nada parecido com sua cabeça. Ao contrário, tinha formas humanóides e musculosas que facilmente poderiam destruir dezenas de prédios ao mesmo tempo.

— Puta. Que. Pariu. —  O garoto disse, em meio à falta de ar que sentia. Os outros estavam boquiabertos, sem nenhuma ação.

— Isso, is-isso é u-um... —  Seokjin gaguejava. — C-Cthulhu.

— E o que isso significa?????

— Significa que estamos fodidos. — Taehyung cortou. A criatura começou se aproximar lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo,com um sorriso negro estampado em sua face.

VOCÊS. SÃO. MEUS. O som saído da boca de Cthulhu era tão alto e agudo que parecia semelhante a um eco.

— Taehyung, faça alguma coisa, por favor! — Jungkook berrou. O leviatã era o único demônio marinho ali presente, a escolha parecia lógica. Mas Taehyung, mesmo com seus 500 anos de vida terrestre, nunca havia enfrentado uma criatura daquela magnitude, nunca havia precisado. Afinal, os leviatãs eram o topo da cadeia alimentar marinha em todos os oceanos. Ou era o que ele pensava.

— E-Eu não sei se consigo, eu nunca enfrentei algo desse tamanho antes! — Taehyung parecia perdido. Quais eram as chances dele se sair bem em algo assim depois de séculos vivendo praticamente apenas em um corpo humano? Entretanto, aquele era o habitat natural do leviatã, o lugar que o acolheu por séculos a fio, o lugar que o abrigou, protegeu e alimentou.

Temer seu lar era o pior sentimento do mundo,sentir-se um intruso no lugar que deveria ser seu templo era assustador. Taehyung agora provava desse sentimento amargo, tendo que encarar à sua frente uma das maiores provas de sua vida.

— Você é nossa única chance! Deixe a forma feral tomar conta, deixe que ele te veja! — Hoseok gritou, tentando motivar o leviatã a tomar alguma atitude.

— E se eu perder o controle?

— Eu confio em você, Taehyung! Só você é capaz de fazer isso! — Hoseok tentou um sorriso encorajador, mas ele sabia o tamanho do risco a que o demônio estava se submetendo. Havia altas chances de tudo dar errado, mas eles teriam que torcer pelo melhor.

A criatura deu um grito gutural, fechando a mão em punhos e batendo-os contra seu tórax.

— Taehyung, é agora ou nunca! — Seokjin apertou a mão do leviatã, não havia outra saída.

Taehyung olhou no fundo dos olhos de Seokjin, ele precisava salvar seus amigos. Ele não seria mais prisioneiro desse medo mundano de morrer — acabaram-se seus dias de covardia. Ele era um demônio do mar, um Leviatã, ele não se deixaria abater por uma criatura hostil ameaçando seu lar.

Taehyung caminhou até a proa, os olhos brilhando em dourado.

Era tudo ou nada.

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Oioi gente, primeiramente queria agradecer pelos 3k de views, obrigada por acompanharem Elysium <3

Segundamente, esse cap saiu mais tarde pq eu demorei MUITO pra escrever, já q eu nunca tinha escrito nada desse tipo estilo pirata e afins

*informações adicionais: Cthulhu se pronuncia khu-tu-lu. É um nome esquisito eu sei kskksksk Eu me inspirei na criatua do conto de H. P. Lovecraft. Tem bastante mitologia, jogo, filme e afins em torno dele se vcs se interessarem...

(2900 palavras)

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