1. Mizpah
Mizpah: the deep and emotional bond between people, especially those separated by distance or death
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— Ele estará seguro? — disse um homem em pé, na penumbra. Suas sobrancelhas franzidas destacavam a cicatriz horizontal que marcava sua testa.
— Você sabe que será sua única chance, não? — disse a mulher sentada ao seu lado. Ela entrelaçou seus braços aos dele como numa forma de proteção. Ela estava com medo. Ele não a julgava. Ele também estava.
As figuras sentadas ao redor da mesa oval se entreolhavam, alguns apertando os dedos ansiosamente e outros balançando a perna nervosamente por debaixo da mesa. O clima era extremamente pesado, as sombras do entardecer cercavam a sala que se encontrava ligeiramente mais fria do que o comum.
— Não pode haver erros. — disse o mais velho, calmamente girando sua bengala e fazendo um barulho no piso que estremecia cada um de seus ossos. — Confio que fará seu melhor para tomar as decisões corretas. — ele se levantou de sua cadeira de madeira, vindo até sua direção a passos fortes e espaçados, estendendo sua mão para que ele a apertasse. Caminhando assim, ele era bom em exalar confiança, ele precisava, mas não o enganava.
Depois de todos aqueles anos, ele sabia reconhecer todos os sinais e podia sentir o que estava por baixo de todas aquelas camadas de pano e joias. Medo. Em sua forma mais pura e primitiva.
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O sinal tocou. 'Finalmente', pensou ele. O fim do semestre estava chegando e com isso todas as provas. Jungkook não podia reclamar, afinal, foi ele quem pediu por isso. E com 'pedir', ele quer dizer 'implorar'. Foi um sufoco convencer Jin-hyung a deixá-lo ingressar na faculdade. A sorte era que a universidade ficava perto de seu apartamento, e ele prometeu mandar mensagens durante os intervalos para dar notícias. 'É um exagero', pensou ele.
Porém, se isso era necessário para acalmar os nervos do velho, ele faria sem pestanejar. Além disso, ele podia se aproveitar do 4G para ficar assistindo vídeos durante os intervalos. Passar o tempo livre sozinho não lhe era nem um pouco estranho, ele desfrutava de sua própria companhia.
Não é que ele não gostasse de seus colegas, ele só... tinha muita dificuldade de se integrar. Desde o começo ele soube que não seria fácil, nunca foi.
Na escolinha, logo no primeiro dia, todas as crianças ficaram encarando-o, falando por suas costas e se perguntando quem era o menino com cara de assustado. As notícias em Seul voam rápido, e ele era o mais novo entretenimento da comunidade de Pais & Mestres.
As mulheres sempre viravam para olhar só mais uma vez para a dupla, especialmente seu hyung, nem um pouco preocupadas com a criança ali presente. Jin sempre tentou ser discreto e manter sua vida amorosa o mais longe possível do menino, mas Jungkook nunca foi bobo e percebia o jeito com que elas o encaravam, apesar de nunca serem correspondidas.
Donas de casa frustradas e homens inseguros sempre se arrastavam até Seokjin, eram como feras encarando um pedaço de carne depois de anos famintas. Ele provoca essas reações naturalmente, seu rosto sempre chamou atenção.
Mas o menino também nunca se achou feio, nunca teve motivos para isso. Seus traços eram fortes e ele sempre foi um amante de esportes, principalmente de lutas e, consequentemente, seu corpo acabou sendo beneficiado por isso. Entretanto, ser sociável nunca foi seu forte, e seu corpo não era suficiente para que ele se sentisse potente para iniciar uma conversa. Afinal, ele passou a maior parte da vida apenas na companhia de ser tutor. Lugares fechados e amontoados de pessoas sempre lhe incomodaram muito, e ele não sabia como se portar diante de tantas pessoas desconhecidas.
Foi esse um dos motivos que o fez arranjar o emprego de meio período na biblioteca perto do prédio, apesar de todos os pestanejos de Jin. Ele queria retribuir o homem de algum jeito, retornar um pouco daquele cuidado provido durante todos aqueles anos sem nunca exigir nada em troca. Nada além de obediência, para ser mais exato.
A biblioteca era o lugar perfeito para se trabalhar. Era grande, arejada, com centenas de livros de todos os assuntos que se empilhavam em prateleiras até o teto. E o melhor de tudo - quase sempre estava vazia.
Além disso, ele tinha acesso irrestrito a todos os livros antigos da biblioteca, que normalmente só conseguiriam ser alugados com um documento formal enviado à prefeitura justificando a necessidade de sua consulta. Ele era muito cuidadoso com os livros e sempre manejou-os como se fossem seus filhos, então a bibliotecária confiava nele para que ele pusesse as mãos em outros materiais mais delicados e desgastados.
Uma mão em seu ombro trouxe-o de volta à realidade. Ele piscou, surpreso com o transe de seus próprios pensamentos.
— Você não vai entregar sua prova? — Jungkook encarou o pedaço de papel abaixo de si, percebendo que novamente ele não havia respondido todas as questões. 'Tudo bem', pensou. Ele era o melhor aluno naquela matéria e tinha pontos de sobra, ele não iria reprovar.
— Oh, me desculpe. — Ele entregou a prova, finalmente olhando os arredores e percebendo que de novo ele era o último aluno restante na sala.
O professor tomou o documento para si, dando um sorriso torto enquanto voltava até sua mesa, deixando Jungkook colocar o resto dos materiais em sua mochila.
— Tenha um bom fim de semana! — ele gritou, passando pela porta. Apesar de tudo, ele sempre foi ensinado a ter educação, mesmo que o mais velho claramente não o suportasse. Suas opiniões divergentes sobre arte sempre foram uma barreira entre os dois.
Passando pelo corredor, massageou as têmporas ao perceber uma pontada de dor em sua cabeça que não tinha percebido até o momento. Ligando seu celular, não demorou para que as notificações começassem a pipocar. Ali estava, 7 ligações perdidas de Jin.
Como era sexta-feira, era suposto que ele fosse pra casa logo após as aulas, e como a última aula do dia geralmente acabava mais cedo, ele sempre chegava em torno de 18:15 em casa.
Olhando o relógio, o garoto arregalou os olhos ao ver que já eram 18:45.
Puta merda.
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— Onde você estava??? — Assim que abriu a porta se deparou com o homem logo atrás da porta. Pelas chaves em sua mão e pelo cabelo desgrenhado, ele estava surtando e a ponto de sair para procurar Jungkook.
— Ahm, d-desculpe... E-Eu tinha um exame na última aula e acabei demorando mais do que pensei para terminar. Vim o mais rápido que pude, mas o trânsito estava um caos. É sexta-feira, hyung.
Sua raiva foi se dissipando, mostrando agora apenas preocupação. — Eu sei, Jungkook, mas você sabe como eu fico. O número de crimes tem aumentado e é meu dever garantir a sua segurança.— O mais novo olhou para seus próprios pés, se sentindo culpado. — Nós fizemos um combinado por um motivo, Kook, e eu preciso que você o cumpra. Já não é a primeira vez que isso acontece. Se eu não puder confiar que você voltará a salvo, então eu não vou poder mais permitir que você volte àquele lugar.
— Mas Hyung eu... — seus olhos saltaram, a voz subitamente erguendo num soluço.
— Sem mais. Já é hora de você criar alguma responsabilidade, você não é mais criança, Jungkook — Seokjin cruzou os braços, os olhos mais negros do que nunca.
— Você diz isso, mas você foi o único que me manteve preso a maior parte de minha vida. Por deus, hyung, você me dava a mão para atravessar a rua até os 14 anos. Se temos problemas de confiança, é por sua culpa. Você é superprotetor e desconfiado de tudo que eu faço, mesmo eu não dando motivos. Foi só um atraso, não há motivo para todo esse escândalo. — O menino cerrou os punhos, encarando o mais velho à sua frente.
Jin abriu e fechou a boca algumas vezes, como se estivesse considerando o que Jungkook havia falado e fosse rebater, mas no final ele apenas balançou a cabeça e se aproximou, enrolando os braços ao redor do moreno.
— Me desculpe — ele murmurou em seu ombro. — Eu só... amo você demais para deixar que algo te aconteça, eu não suportaria a culpa caso algo te acontecesse. — Jungkook correspondeu ao abraço, apertando o maior. — E-Eu prometo tentar te dar mais liberdade. Desculpa por estar sufocando você. Nunca foi minha intenção.
— Eu sei, hyung.
Os dois ficaram assim por algum tempo, até Jin declarar que o jantar estava quase pronto e empurrar o mais novo até o banheiro, mandando que tomasse um banho rápido.
As preocupações de Jin não eram vazias, o número de demônios em Seul estava maior a cada dia. Mesmo com os amuletos e disfarces de odor, ainda era muito perigoso para humanos e Jungkook era um alvo particularmente vulnerável.
Park Jimin tinha que fazer alguma coisa, ele era o único com poder suficiente para domar aqueles animais. Nem mesmo o governador da cidade tinha tanta autoridade sobre eles quanto o dono do clube. Fosse pela idade, pela família ou por seus poderes, não havia um que não caísse aos seus pés com um estalar de dedos.
Ele era perigoso. Tanto poder assim poderia corromper até a mais bondosa das almas, e ele não era exatamente do tipo filantropo. Estar em maus-lençóis com o homem frequentemente significava morte certa.
Morte. Jin riu consigo mesmo, repetindo as palavras em sua cabeça. Para tantos humanos não havia sina maior do que morrer. Para Jin, ela significava uma utopia, um desejo, um prazer do qual ele nunca desfrutaria.
O riso morreu tão logo quanto veio, deixando apenas um gosto amargo em sua boca.
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Um. Respire fundo, feche os olhos. Dois. Deixe seus braços moverem livremente, eles se expressam de forma independente. Três. Suas pernas tomam vida e deslizam pelo chão, você não tem mais peso. Quatro. Seu tronco se contorce e toma impulso, girando pelo ar. Cinco. Este é o movimento final, preste atenção para que seus artelhos não se machuquem de novo. Seis. Com um último suspiro, seu pé desce e pousa delicadamente. Com o giro, seus braços se enrolam ao seu redor, um repousando em sua testa e o outro abraçando sua cintura. Perfeito.
— Você está realmente animado para o show, né? — diz alguém logo atrás de Jimin, se aproximando. Claro que ele voltaria aqui.
— Eu não brinco quando se trata do meu show, Taehyung-ah, você sabe disso.— O moreno estende uma toalha e uma garrafa de água, dando uma risada contida.
— É óbvio que eu sei, mas esse será especial. É o nosso grande banquete!— diz Taehyung, puxando a franja morena para longe de seus olhos. — Faz meses que não temos um desse, eu entendo seu nervosismo. Mas sério, você precisa descansar. Agora é tipo, 3 da manhã...—
— Eu estava só aperfeiçoando os movimentos finais, com toda a correria não tive tempo de ensaiar.— O coração do íncubo ainda batia acelerado enquanto ele falava, esvaziando a garrafa em um único gole.
— Eles já estão perfeitos, Min, confie em mim. Além disso, as moças da limpeza já estão perdendo a paciência, metade já está babando em cima das mesinhas e eu nem sei se vou conseguir acordá-las. Vamos embora, por favooor... — Taehyung se ajoelhou à frente do loiro, fazendo um beicinho.
Com um suspiro, o menor se levantou e encarou o moreno.—Ok, está bem. Mas só porque amanhã temos o encontro logo cedo. — Logo que dito, seu rosto se iluminou calorosamente. Taehyung estava preocupado com o amigo, ele estava gastando mais forças do que repondo, e isso o preocupava profundamente. Com alguma sorte, dali 2 dias o clube estaria em sua lotação máxima e eles finalmente ficariam saciados.
— Pode ir primeiro. Lembrei que preciso guardar uma papelada no escritório e aproveito para acordá-las. — Taehyung abriu a porta e apagou as luzes do estúdio, fechando a porta assim que Jimin saiu.
— Como você vai voltar para casa? — perguntou o loiro.
— Eu volto andando. Estou a fim de passar pelo lago. — Assim que adentraram o corredor, Jimin percebeu seu reflexo no espelho, percebendo estar completamente encharcado de suor. Eca.
— Tae, agora não é seguro... Ainda mais com a sua condição... — O leviatã se virou e deu um olhar torto ao amigo, revirando os olhos. — Eu sei que você sabe muito bem como se proteger, mas que tipo de amigo eu seria se não me preocupasse?
Os dois homens desceram a escada lateral, adentrando o enorme hall, agora mal-iluminado e silencioso. O moreno decidiu apenas passar por Jimin e olhá-lo como se dissesse 'vai logo'.
Com um último suspiro, o íncubo deu-lhe um aperto no ombro e saiu, alcançando a porta principal em poucos segundos. Parando para pensar, seus membros realmente estavam bem doloridos e ele precisava desesperadamente de um banho. Milhões de anos habitando a Terra ainda não fizeram ele se acostumar com essas... limitações físicas. Nesse sentido, ele teria que dar o braço a torcer ao submundo.
Chegando à porta do carro, Jimin foi cumprimentado por dois de seus guardas e o chofer, que já esperava dentro do carro. Dentre os demônios encarnados, Jimin era o mais poderoso, mas seus guardas tinham um força acima da média para os seres de seu tipo e impediam o íncubo de sujar suas mãos desnecessariamente. Dadas as situações atuais, o loiro tinha que escolher bem suas batalhas e quando usar sua força.
Assim que entrou, o motorista deu partida, automaticamente ligando os faróis roxos. A primeira vez que ele vira a Range Rover preta fora numa vitrine enquanto passeava com Taehyung. Ele apenas tinha feito um comentário despretensioso sobre a aparência do carro, mas Taehyung estava ouvindo, e ele sempre gostava de atender suas vontades, por mais bobas que fossem, mesmo Jimin falando centenas de vezes que não queria ser paparicado.
Após milhões de anos encarnado, Jimin raramente mostrava interesse por outras coisas que não fossem relacionadas a arte ou matar algumas bestas desgarradas, já havia visto e feito de tudo. Então a qualquer mínimo sinal de interesse, Taehyung gostava de ser a pessoa a dar isso ao amigo.
O carro disparou na pista a sua frente, os retrovisores ainda iluminados pelo letreiro do clube.
Amanhã seria um longo dia.
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E esse foi o 1 capítulo de Elysium.... O que acharam?
O próximo capítulo vai sair semana que vem☺
Para perguntas meu cc é @ Busanbixch
Eu também fico bem ativa no twitter e posto prévias de capítulo por lá @ pjmluvxx
Essa fic também está sendo postada no ao3 @ Mochine
[2405 palavras]
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