Elizabeth
"O que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é riqueza. Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é algo completamente relativo e insatisfatório. No fundo, não passa de uma situação peculiar."
Kafka
Esta história começa bem aqui, caro leitor, em um local em que qualquer um de nós poderia estar: na porta automática de um grande Shopping, em um grande centro do nosso Brasil. A personagem principal tem nome de realeza, mas quem dera tivesse ela o brilho áureo de uma Rainha! Sua condição a apresenta com o estereótipo perfeito de uma alma sem rumo, sem família, à toa na vida. E quem liga para padrões sociais, quando tudo deixa de fazer sentido? Quando o que mais se quer realmente é simplesmente ser feliz?
...
Sim, aconteceu novamente. Admirava o vazio, com aquele mesmo olhar chapliniano de sempre. E por culpa daquele bendito cartaz de uma linda modelo, acabou dando de cara com as mais luxuriosas joias da realeza britânica. Em um silêncio gritante, feito um musical anos 20, mudo e em preto e branco, nossa Elizabeth sentiu-se outra vez figurante no eterno e passageiro espetáculo da vida.
Era fato e ela sabia bem disso: naquela hora tardia, sua conterrânea bem que deveria estar sentada a milhares de quilômetros dali, repousando sorridente em seus aposentos reais, bebendo seu vinho, ouvindo em sua vitrola Clair de Lune, sintonizando a própria riqueza de sua vida real. (Mas de que tudo isso realmente importava?)
Sim, ser Rainha devia ter lá suas vantagens, isto é fato, e talvez por isto ela sempre lhe pareceu tão feliz! Suas joias criavam luxúria e a glória para seus súditos mais abastados, através de suas badaladas coleções exclusivas. Afinal, quem não gostaria de ter a imagem da riqueza, ao menos por um dia, e sorrir na direção da felicidade eterna? E a família real também era tão linda, tão unida... E nossa personagem sabia bem disso. Ah, como sabia! (Ou, ao menos, até o dia em que não teve mais a família ao seu lado.)
...
(Subiu alguns degraus. Uma porta automática se abriu. Duas pessoas saíram. Ela entrou).
...
O som de Queen era a última melodia a tocar nos alto-falantes do shopping, anunciando que mais um dia estava se encerrando em breve (assim como o horário de expediente comercial das lojas).
"Não há tempo para nós,
Não há lugar para nós,
Que coisa é essa que constrói nossos sonhos
E vai para longe de nós?
Quem quer viver para sempre?
Quem quer viver para sempre?"
Entrou de mansinho pela porta automática, tal qual a tristeza que invadiu sua alma nos últimos tempos. O chiar mudo do alto-falante foi o convite para avançar passo a passo, pé ante pé, sobre o longo caminho iluminado pelas luzes da escada rolante. Desfilava sem majestade, sem se importar com o Clatsh Clatsh de suas Havaianas pelo caminho. Desleixada por fora, mas limpa por dentro, pensava ela. Melhor mesmo era aceitar a situação. (Afinal, suas lágrimas já haviam limpado tudo que havia dentro do seu corpo e da sua alma). Naquela hora, em um centro comercial tão vazio, não havia mais receio ou vergonha da vida, nem de como se aparentava. Era o que era, e isso já lhe bastava. Sem rótulos ou padrões sociais.
Assim, parou em frente a uma vitrine bem iluminada e ali ficou, por algum tempo refletindo sobre seu momento em questão. Só queria ter a coragem para dar um passo adiante. Lutar por si mesma. Ir além. Enfrentar os dilemas no modo público, sem se esconder mais da própria imagem (e da própria família).
...
Oportunamente, no interior da loja de joias, Elizabeth avista alguém muito bem vestido (com um terno ambicioso, uma gravata comprometida, um olhar jovial e uma capacidade nata de vender o mundo). Ela o acompanhava de soslaio, tentando encontrar ali o real sentido de sua existência (o que, infelizmente, nem ela mesmo sabia exatamente naquele momento).
Uma gota (do ar condicionado?) lhe cai sobre a tez, dançando sobre seu rosto feito lágrima. Foi uma troca tímida de olhares, através do vidro da vitrine: o vendedor, as joias e ela. E a peça mais cara do mostruário sorriu para ambos, parecendo ter pressa de sair dali tão cedo quanto possível. Mas o vendedor dirigiu-se à porta da loja, entreaberta, chamando-a para perto:
- Boa noite... Bela peça, não é mesmo minha senhora? Joia rara. Coisa para poucos! Puro luxo, a cara da realeza britânica.
(Em silêncio, ela olha para baixo, enquanto o vendedor segue a farfalhar elogios a sua joia em questão).
- E sou sincero em dizer: poucos são os que podem ter a glória de ter uma destas, como a Rainha. Gostaria de... experimentar? Ainda temos tempo antes do Shopping fechar.
Ela sorri, sem graça. (Aquela voz era tão... simpática!)... Por um breve momento, meneia a cabeça em sinal negativo. Sabia bem que a questão central não eram as joias. Seu maior dilema ia muito além. Ao olhar nos olhos fugazes do vendedor de sonhos, sentiu-se livre da imagem que lhe perseguiu por toda a vida. Ali, naquele momento, havia de conseguir exatamente o que mais almejava na vida: sentir-se viva outra vez... Elizabeth sentiu-se uma verdadeira Rainha.
- Não... A joia mais preciosa aqui é você, meu filho...
...
Epígrafe: No mesmo instante, em um palácio muito, muito distante, uma luz se acende. Uma janela se abre, e alguém olha para o infinito. Dois olhos azuis enxergam um mundo e suas riquezas sem fim. Elizabeth, a Rainha, bebe o último gole de vinho, desliga sua vitrola e sorri para o retrato de sua família real.
Por RicBrandes
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