Capítulo 9 - A Expulsão

− Você está doida, Laura? Ela não é Beatriz! − disse Roberto.

− Não se pode questionar os mistérios de Deus, Roberto! Ela é nossa filha! Nossa Beatriz voltou!

O homem olhava, perplexo, a cena que acontecia bem na sua frente. Laura tornou a abraçar a jovem moça como se aquela fosse realmente a sua filha desaparecida. Seria, de fato, uma cena emocionante também para Roberto, não fosse o pequeno detalhe de que aquela jovem era por volta de 10 anos mais velha que a pequena menina desaparecida.

Isso, porém, não parecia incomodar a Laura, que permaneceu abraçando e beijando a moça por muitos minutos, matando − ainda que em circunstâncias bizarras− a saudade que tinha de sua cria. A moça retribuía, dizendo à Laura o quanto a amava, o quanto sentira sua falta.

− Eu me recuso a participar dessa loucura! − gritou Roberto.

O grito do professor intimidou a moça que afirmava ser Beatriz. Seus olhos ficaram visivelmente marejados, com uma gota anunciando sua queda.

− Não está feliz em me ver, papai?

Uma ira tomou conta do homem.

− Você não é Beatriz! Saia já da minha casa! − gritava ele, com o dedo indicador em riste apontado para a jovem.

Laura, ainda que com uma estatura bem menor que a de Roberto, decidiu enfrentá-lo.

− Você fica! − ordenou ela para a moça, enquanto caminhava para outro cômodo da sala, deixando o pai e a suposta filha sozinhos na sala.

− Qual a sua intenção com tudo isso, hein, garota? Não vê que Laura não está em seu perfeito juízo? Saia daqui! − esbravejou ele. – Não se pode brincar com um assunto tão sério!

− Mas papai, eu...

− Eu não sou seu pai! Saia já da minha casa!

Nesse momento, Laura ressurge empunhando uma faca afiada de cozinha.

− Saia já você daqui, ela fica! – ameaçou. − Não deixarei que minha filha suma novamente por sua causa. Saia daqui e volte apenas quando estiver disposto a aceitar que Beatriz está de volta.

Vendo sua esposa se aproximando cada vez mais com a lâmina da faca apontada em sua direção, Roberto decidiu recuar, não sem antes lançar um olhar fuzilante em direção da moça. O pai de Beatriz fez um rápido movimento com suas mãos para pegar as chaves de seu carro, que estavam na estante da sala, e partiu para fora de sua casa.

Perto do portão de saída, ele olhou para trás. Laura estava parada na porta, com Beatriz logo atrás dela.

− Eu estou saindo. Mas pense muito bem em tudo isso, Laura − aconselhou Roberto.− Eu entendo seu sofrimento, mas ela não é Beatriz! Você está colocando uma estranha dentro de casa!

− Eu te amo, Roberto. Mas se eu tiver que escolher entre ficar com você ou ficar com minha filha, eu não tenho dúvidas de qual será a minha escolha.

Laura deu uma das mãos para sua filha. Roberto entrou no seu carro em direção a um lugar que nem ele saberia ao certo qual seria. Porém, antes que a fachada de sua casa sumisse de seu campo de visão, o pai de Beatriz conseguiu ver um sorriso no rosto da estranha moça que, à despeito de sua vontade, morava agora em sua casa.

− Por que o papai não me ama mais, mamãe? − perguntou Beatriz.

−Filha, desculpe o seu pai, está bem? O seu desaparecimento deixou todos nós muito tristes. E cada um lida com a tristeza de uma forma diferente.

− Está bem, mamãe. Eu perdoo o papai.

− Que bom, minha filha! − disse Laura.

− Você acha que ele vai voltar?

− Volta sim, filhinha. – afirmou. − Os homens sempre voltam. Mas até ele se curar dessa tristeza, eu estarei aqui para protegê-la de qualquer coisa, está bem?

Beatriz sorriu, abraçando Laura.

− Estou feliz em ter voltado.

− Estou feliz que tenha voltado.

− Eu lhe amo, mamãe.

− Também lhe amo, minha filha.

A sala de estar da casa da família Martins, ambiente dominado pela tristeza e sofrimento ao longo dos últimos seis meses, ganhou instantaneamente uma energia de alegria com o reencontro de mãe e filha.

− O que quer fazer, Bia? Qualquer coisa! Pode escolher que faremos juntas.

− Qualquer coisa, mamãe?− perguntou a moça.

− Sim, qualquer coisa!

Após alguns segundos pensando, Beatriz chegou a uma resposta.

− Eu quero ouvir música!

− Qual música quer ouvir, filha? – questionou.

Beatriz abriu um sorriso.

− Estou com saudade de ouvir o disco do Bozo. Você pode colocá-lo, mamãe?

Laura caminhou em direção à estante onde estavam todos os discos da coleção da família como se flutuasse. Retirou o vinil da caixa e colocou a agulha do toca discos em um local aleatório do álbum favorito de sua filha.

Quando relógio bate a uma,
todas as caveiras saem da tumba;
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta

Por mais que sonhasse com esse momento, Laura não imaginava que essa cena fosse se repetir um dia.

Quando o relógio bate as duas,
todas as caveiras pintam as unhas;
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta

Ela e sua filha vivendo juntas mais um momento banal de suas vidas.

Quando o relógio bate as três,
todas as caveiras imitam chinês;
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta

Laura não poderia estar mais feliz. Beatriz havia, enfim, voltado para casa.

Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta

De tão feliz, Laura não se questionava nem por um momento como sua filha de 9 anos de idade pôde envelhecer tanto em apenas seis meses de desaparecimento. Laura também não se questionava se aquela moça ao seu lado era mesmo Beatriz. Laura, porém, havia, enfim, reencontrado sua vontade de viver, e isso, para ela, era um fato inquestionável.

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